TIVEMOS QUE FICAR UM POUCO MAIS

Cheguei preocupado a Belém.
Maria estava cansada dos 12 dias da viagem, feita no lombo do meu jumento. Era a segunda fez que fazia uma viagem para fora de Nazaré, mas a primeira foi logo no começo da gravidez, para a casa de Isabel, em Hebrom, que fizemos em dois dias.
Ela era forte. Eu estava preocupado com a segurança, mas chegamos bem, graças a Yaweh. Não reclamou de nada. Os enjôos, que duraram até o quarto mês, tinham cessado.
Chegamos a Belém. Meus avós moraram lá, mas agora dormiam com os nossos antepassados. Corri muito pelas ruas da cidade. Eu tinha tios ainda lá e para lá fomos.
Foi boa a recepção. A casa era pequena e parecia tão grande quando eu era criança. Histórias para lá, histórias para cá, sobretudo sobre meus pais, que se mudaram para Nazaré quando eu tinha seis anos. Eles queriam saber como era a minha cidade, eu queria saber dos meus primos, conversa de pessoas que não se veem. Maria ficava um pouco deslocada. Tudo lhe era meio estranho.
Meu plano era comparecer perante a seção para me alistar e voltar para casa. Lá estava tudo preparado para o nosso bebê. Pensamos muito no que fazer. Eu tinha que ir e até pensei que Maria podia ficar em Nazaré. O problema é que sua família não nos dava apoio. Achavam que tínhamos feito algo errado. Depois que o anjo me apareceu, eu entendi, mas não apareceram anjos para os pais e nem para os irmãos de Maria. Eles não engoliam que eu estava inocente neste caso.
Eu me alistei e, enquanto descansávamos para voltar, uma parteira foi lá em casa e disse que seria arriscado para Maria, no sexto mês, fazer uma viagem daquela. Já tinha bastado a vinda. Ficamos. O problema é que a Páscoa estava chegando e, com ela, outros parentes nossos ficavam em Belém para estarem mais próximos de Jerusalém, distante umas duas horas a pé. Fomos nos apertando. Tivemos que dividir nossa kataluma, que ficou pequena.
Meus tios nos arrumaram um quarto melhor no térreo. Minhas tinhas arrumaram tudo e purificaram o lugar, como manda a Lei. E ali fomos ficando, Maria cada vez mais pesada e eu, cada vez mais ansioso por não ter o que fazer. Carpinteiro sem ferramenta — e não levei nenhuma — não é carpinteiro.
E a Páscoa chegando. Numa noite agradável — o inverno tinha ido embora — Maria começou a ter dores. Um sobrinho correu e chamou Débora, a parteira da cidade. Ela chegou logo, ferveu a água, conferiu os panos. Eu fiz uma oração a Yaweh e pusemos Maria na cadeira do parto. Não demorou, nosso bebê, primeiro a cabecinha cabeluada, chegou e Débora deslizando pelos seus joelhos e logo ela o pegou no colo. Quando ele chorou, relaxamos um pouco. Maria cochilou, o pescoço pendido ali na cadeira mesmo. Pouco depois, despertou, pegou o menino no colo também.
— Pegue os panos. Não quero que fiquem com frio.
Peguei-os sobre a mesa, no outro canto.
Foi então que meus sobrinhos entraram correndo, dizendo que uns pastores de estavam lá fora e queriam ver o bebê.
Como souberam, não sei.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO