PRINCÍPIOS BÍBLICOS PARA A VIDA PROFISSIONAL, 3 — A ESCOLHA DA PROFISSÃO
Efésios 6.5-8
[TEXTO BÍBLICO]
(5) Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo.
(6) Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus.
(7) Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, (8) porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre.
Caminhando pela rua, logo pela manha, deparo-me com um jovem alto e forte, com um livos nas mãos. Percorri-o, pensando que fosse uma obra de direito, embora o jovem não estivesse nem de terno, nem de mochila… Consegui ver o nome do autor do livro: era T.S. Elliot (1888-1945), o poeta que recebeu o Nobel de Literatura em 1945 e que escreveu
“Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o mundo.
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro”.
(http://mesquita.blog.br/poesia-ts-elliot)
Nunca saberei porque aquele jovem estava com Elliot entre as mãos.
Talvez estude letras. Talvez, não. Talvez seja professor de literatura. Talvez, não.
Por que gosta de poesia e de Elliot? Talvez nem ele saiba.
Em algum momento de sua vida, supondo que lide profissionalmente com literatura, ele tomou uma decisão. Talvez tenha estudado numa universidade. Talvez tenha prestado um concurso. Se trabalha com literatura, estará realizado? Será que se queixa da escolha que fez? Nunca saberei.
Escolher uma profissão é um verbo que dura muitos anos na vida de uma pessoa. Para alguns, a escolha é fácil. Desde cedo, alguns têm definidas suas inclinações para um campo profissional e se preparam. Depois de preparados, alguns encontram bons empregos; outros encontram empregos razoáveis, outros batem em empregos ruins e outros não encontram emprego algum. Ou ficam desempregados ou vão trabalhar em outra área.
A escolha profissional, portanto, é uma das mais importantes na vida de uma pessoa, com reflexos sobre sua própria vida e a de muitas, no presente e no futuro.
Em relação ao passado, esta escolha ficou mais difícil, por algumas razões.
. No passado, a família do futuro profissional tinha um peso muito forte, às vezes decisivo, na escolha. Hoje a escolha é de natureza mais pessoal, ouvindo-se ou não a família. Muitas vezes há conflito. O jovem tende a escolher pelo princípio do prazer. O adulto tende a pensar em termos de remuneração.
. No passado, o elenco de profissões era menor. Em termos de ocupações de nível superior, eram poucas as possibilidades, comparadas às de hoje, que podem ser enumeradas aos milhares, se consideramos as especializações. Vejamos o caso da engenharia, da medicina e da comunicação, por exemplo. O jovem pode ficar confuso, com tantas possibilidades.
. No passado, a dinâmica da história era mais lenta e mais previsível. Hoje não se pode prever, por exemplo, que profissão remunerará bem nos anos próximos, mesmo porque pode surgir alguma que ainda não exista. Quem há há alguns anos, por exemplo, imaginou que haveria uma profissão como webmaster? Quem imaginou que haveria algo como comércio eletrônico, que movimenta R$ 10 bilhões por ano no Brasil, dobrando a cada dois anos?
Há dois outros elementos complicadores.
O primeiro é que a escolha profissional se dá num momento pessoal de auto-conhecimento e de auto-definição. Ao mesmo tempo em que se define como pessoa, a pessoa tem que definir a sua profissão. Não é fácil.
O segundo é para o cristão que ouve que a sua profissão deve glorificar a Deus e proclamar o seu Reino. Como é isto possível? Como isto deve ser tornado possível? Não é fácil para um cristão escolher a sua profissão, tendo mais este critério, entre tantos outros.
Tenhamos sempre em mente que o trabalho é um espaço de sobrevivência financeira. O trabalho é um espaço de realização pessoal, pela interação que proporciona e pelas habilidades que permite desenvolver. O trabalho é um espaço de transformação da realidade.
Na instrução sobre o trabalho, em Efésios 6, o apóstolo Paulo orienta a pessoas, patrões e empregados, a como conviverem em seus empregos. Ele parte da realidade do emprego. Para chegarmos lá, precisamos falar da escolha do emprego.
Sugiro, então, alguns cuidados.
1. A escolha da profissão é um assunto de significado existencial e espiritual. Nossa realização como pessoas tem a ver com o acerto e com o erro nessa escolha. Não devemos tratar nossa escolha profissional apenas como uma questão de inteligência e de oportunidades. Precisamos de uma vida que não separe religião e vida. Tudo o que tem a ver com a vida tem a ver com Deus. Tudo o que nos importa Lhe importa.
2. A escolha da profissão tem que considerar o presente, sem esquecer o futuro. Assim, devemos estar atentos a todos os sinais do tempo, que podem vir de feiras, leituras de jornais, revistas e guias de emprego, programas de rádio ou televisão ou de portais eletrônicos. Devemos usar os recursos da imaginação bem informada para vermos cenários possíveis. A decisão deve ser racional. Há profissões em que a remuneração é mais baixa que outras; no futuro, na hora de reclamar, devemos nos lembrar que já sabíamos disto. Há ocupações que exigem alguns comportamentos dos profissionais, em relação ao tempo empregado e ao estresse envolvido, por exemplo. Uma vez ouvi de uma médica, casada, que escolheu determinada especialização, porque não demandava plantões, que ela não queria para a sua vida. Ela queria mesmo era ser obstetra, mas escolheu outra, porque sabia que a obstetrícia não sabe o que é noite, feriado ou férias longas. Precisamos nos expor a experiências diferentes.
3. A escolha da profissão deve ser regida pelo princípio do prazer, associado ao princípio da realidade. O princípio do prazer está na gênese; o da realidade, no meio e no fim do processo de escolha. Devemos prestar atenção para ver o que nos dá prazer. Uma boa maneira de saber de que gostávamos é notar o que não nos dá prazer. Se vemos sangue e nos horrorizamos, não devemos escolher profissões da área da saúde, por exemplo. Se detestamos matemática, a engenharia não nos é recomendável. Se não gostamos de conversar com pessoas, já sabemos que precisamos de uma profissão de pouco contato. A diminuição de algumas possibilidades diminui a nossa tensão na escolha. Em todas as situações, precisamos estar atentos ao ideal profissional que temos com o real de que dispomos. E aqui introduzo o gosto por algumas áreas, como arte e esporte. Ilustro com um caso. Conheci um menino, excelente jogador de futebol, que começou a tentar vencer treinando em pequenos e grandes times. Chegou a um grande time, ainda amador, e se encantou. Seus pais e amigos diziam para que continuasse a estudar. Ele achou que iria vencer e ganhar muito dinheiro, sem precisar estudar. Não passou na peneira. Hoje é um jogador frustrado e não se fixou em nenhuma outra profissão. No caso da arte, especialmente a música, há possibilidades, mas são poucas, porque a arte não é valorizada como deveria. Não se deve abandonar o prazer, nem o ideal, mas o ideal é que o interesse pela arte seja acompanhada, se for o caso, por alguma outra profissão, numa dupla e dura jornada. Alguns, quem sabe, poderão se dedicar só à arte, sabendo que o retorno financeiro é alto de risco. A peneira é muito fina. Vejamos os casos dos escritores brasileiros: quantos podem viver dos seus livros? Mesmo os maiores vivem do trabalho como jornalista ou colunista. A maioria dos livros publicados no Brasil não foi produzida por escritores de tempo integral, nem por isto deixaram de ser escritores e se realizarem como tais. Nem sempre devemos colocar todos os ovos apenas numa cesta.
4. A escolha da profissão deve deixar em equilíbrio duas possibilidades: a da realização pessoal e a realização espiritual. Este equilíbrio acontece quando o trabalho é desenvolvido com um sentido de missão. Para que e para quem fazemos o que fazemos?
José, do Egito, tinha uma visão clara a este respeito. Quando se revelou aos aterrorizados e covardes e aterrorizados irmãos, explicou porque chegou ao cargo de primeiro-ministro: “Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês. (…) Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes a vida com grande livramento. Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus. Ele me tornou ministro do faraó e me fez administrador de todo o palácio e governador de todo o Egito. Voltem depressa a meu pai e digam-lhe: Assim diz o seu filho José: Deus me fez senhor de todo o Egito. Vem para cá, não te demores” (Genesis 45.5-9)
Numa hora de grande dificuldade, Mardoqueu aconselhou à rainha Ester, com palavras que se aplicam a todo aquele que vive para Deus, mesmo num ambiente em que a palavra “Deus” não deve ser pronunciada ou numa mbiente dominado por uma racionalidade totalmente econômica ou tecnológica: ” Não pense que pelo fato de estar no palácio do rei, você será a única entre os judeus que escapará, pois, se você ficar calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de outra parte para os judeus, mas você e a família do seu pai morrerão. Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?” (Éster 4.13-14). Paulo, ao fazer um resumo de sua carreira, concluiu: “Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus. Atos 20.24) O que ele queria mesmo era dizer, ao final de sua vida: “Combati o bom combate, terminei a corrida [carreira — ARA], guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (2Timóteo 4.7-8).
5. Em termos práticos, se as coisas estão claras, devemos fazer nossa escolha e trabalhar duro para leva-la adiante. Se as coisas não estão claras, e o horizonte da escolha nos parece obscuro, eis aí algumas sugestões.
a. Como Deus tem interesse no que lhe interessa, sobretudo no seu interesse profissional, ore sempre a Ele pedindo orientação. Não o deixe de fora na hora de escolher a carreira a seguir.
b. Envolva sua família na sua escolha. Não bata cabeça sozinho. Bata com mais alguém… Não despreze a experiência dos mais velhos, que já passaram pelas mesmas coisas que você passa.
c. Faça um teste vocacional. Ele pode não ser definitivo, mas será bastante orientativo.
d. Leia sobre profissões. Leia muito. Veja muito. Converse muito. Não tome decisões ligeiras. Duvide de suas escolhas no tempo de duvidar de suas escolhas.
e. Decida. Ore. Diga em frente, o que envolve ainda mais esforço, empenhe e estudo
Se você não vai bem na sua vida, por ter feito escolhas que o tempo mostrou não serem as melhores para a sua vida neste lugar e neste tempo, eis algumas sugestões:
a. Admita que fez uma escolha, a melhor na época da decisão, mas errada com o tempo. Não há problema nisto, desde que não fique apenas se culpando.
b. Peça orientação e vigor a Deus para este novo momento também.
c. Busque ajuda na família ou em especialistas. Leia bastante. Examine tudo, para não errar de novo, embora toda a mudança comporte riscos. Seja ousado e cauteloso, ao mesmo. Ponha em risco o que você pode pôr, não o que não pode.
d. Comece a mudar. Não mude de empregou a toda a hora, mas se concluiu que a sua não vai lhe levar aonde quer ir, comece a mudar. Fixe-se no que você agora quer. Faça um novo curso para se capacitar a uma nova ocupação.
e. Na hora certa para a mudança, ponha-se em marcha.
Se ainda está, com as coisas claras, a caminho de uma definição ou se já tomou a decisão, lembre-se de algumas atitudes:
a. Ponha sua escolha diante de Deus, para que a confirme ou negue. Esta é uma decisão muito importante para você a tomar sozinho. O trabalho é um meio de graça para nós. Só podemos superar a nós mesmos e a nossas famílias por meio do trabalho
b. Esforce desde já para conhecer a sua profissão. Não a comece totalmente cru. Leia tudo que puder. Há boas introduções para qualquer profissão. Assiste programas de televisão. Veja debates. Visite locais de trabalho. Leia tudo o que vier à sua mão. Saber não ocupa espaço. Vá-se inteirando do mundo das profissões, onde você vai passar grande parte da sua vida. Não pense na profissão como uma coisa só para o futuro; invista agora. Seja o melhor. Há lugar para os melhores.
c. O trabalho é algo digno. Jesus o dignificou na vida pessoal (ele era carpinteiro — Marcos 6.3), ao viver e declarar: “Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando. (…) O Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz” (João 5.17, 19).
d. Testemunho no seu trabalho, não importa qual seja ele. Diferencie-se pela ética no trabalho e pela ética do trabalho.
d. Deixe um espaço para o voluntariado. Use seu conhecimento para ajudar outras pessoas na sua área profissional. Use seu tempo para ajudar outras pessoas, dentro e fora de sua área profissional. Lembre-se : você vive no ínterim: seu emprego final está na pátria celeste: por enquanto estamos indo para lá, lugar definitivo: enquanto estamos indo, sejamos os melhores aqui.