Mulheres Livres do Medo (Ilson Peres)

O cantor Lenine descreve em uma de suas canções os efeitos do medo: "O medo é uma casa aonde ninguém vai… é uma força que não deixa andar…" Medo de olhar no fundo, medo de dobrar a esquina, medo de ficar no escuro, de passar em branco, de cruzar a linha, medo de se achar sozinho, de perder a rédea, a pose, e o prumo, medo estampado na cara ou escondido no porão, medo circulando nas veias ou em rota de colisão, medo é de Deus ou do Demo, é ordem ou confusão, o medo é medonho, o medo domina, o medo é a medida da indecisão.  Medo de fechar a cara, medo de encarar, medo de calar a boca, medo de escutar medo de passar a perna, medo de cair, medo de fazer de conta, medo de iludir, medo de se arrepender, medo de deixar por fazer, medo de amargurar pelo que não se fez, medo de perder a vez, medo de fugir na hora H, medo de morrer na praia depois de beber o mar, medo que dá medo do medo que dá.” 
 
Vale lembrar a situação de várias mulheres, aprisionadas pelo medo, pelo preconceito, pelo machismo, por religiões, presas emocional ou economicamente em prisões invisíveis sem poderem ver os horizontes da liberdade. Mulheres violentadas e violadas em sua humanidade, que desconhecem a "casa do amor" por viverem na "casa do medo".

Euclides da Cunha na sua memorável frase “O sertanejo é antes de tudo um forte” parece nos dizer que todas as expressões que estes trazem em seus rostos são marcas de sua região e seu sofrimento… Quantas mulheres marcadas pelo sofrimento: marcas físicas da violência, marcas na alma, mas visíveis no rosto, marcas históricas.

Dentro da mitologia egípcia existia uma divindade chamada Maat, essa deusa era a personificação da sabedoria, ela trazia em sua mão uma pena simbolizando a leveza da justiça, passou então com o tempo a ser a deusa da sabedoria e da justiça.  Cabe aqui uma analogia para afirmarmos que as mesmas mulheres que conduziram suas vidas com muita sabedoria em situações de extrema violência, necessitam e têm por direito experimentarem a pena da justiça em suas mãos.

 
A Mulher foi quase invisível durante séculos, na verdade a sociedade é que era cega, e essa cegueira perpetua até hoje, pois ainda há muitos cegos que não querem ver, cabe aos que ainda conservam o mínimo de visão, de humanidade, de sensibilidade, ser os olhos de quem não os tem mais, é isso que nos lembra o sábio e literato José Saramago em seu livro Ensaios Sobre a Cegueira, "a responsabilidade de termos olhos quando os outros os perderam". Na verdade, precisamos de mais ainda, precisamos ser voz daqueles que não possuem voz, sentir pelos que já não sentem mais nada.
 
Fica aqui um registro, um grito em favor das mulheres afônicas de tanto gritar, que hoje sussurram, suspiram, sofrem. Tantas "Marias", muitas "Marias", que são acima de tudo, flores da vida, indefiníveis, mulheres que são a mais bela metade do mundo, que acrescentam poesia e doçura em um mundo prosaico e amargo.