PARÁBOLA DE UMA VIDA DESPERDIÇADA

Eu me lembrei dele porque, passando recentemente por um sobrado em fase final de demolição, ouvi a seguinte pergunta:
— Será que vão derrubar a árvore?
O sobrado era bonito e imponente, embora maltratado pelo abandono.
A árvore, de minúsculo verde, se tornou mais importante que as emoções guardadas nas paredes postas em pó.
Foi então que me recordei.
Foi então que me recordei do Santos.
Agora posso chamá-lo assim, mas, quando eu era criança, ele era um senhor.
Seu maior orgulho era o jardim que cultivava na frente da sua casa.
Todas as manhãs, mesmo que chovesse, ele regava as plantas, uma por uma, detendo-se numa roseira que o carinho tornara esplêndida.
Ele parecia conversar com o seu jardim.
Era todo sorrisos e afetos para as suas plantas. Não sei se tinham nomes, mas é possível que as chamasse uma a uma.
Fui poucas vezes lá.
Eu o encontrava todos os domingos na igreja.
Era sério, mas nunca tratou ninguém com aspereza. Era sério, mas cordial. Eu vi os adultos conversando com ele e pareciam gostar.
Como tinha filhos na mesma idade, o perfil do Santos foi se desenhando vagarosa e terrivelmente diante de mim.
Um de seus filhos deixou de ir à igreja. A irmã, bem mais velha que eu, me disse por que:
— Ele não aguentou as duas caras do papai. Aqui, um amigo; lá em casa, um carrasco. Aqui um interessado pelas pessoas; lá em casa, indiferente e até mesmo cruel. Ele só vive para o trabalho e para o jardim lá de casa. Temos raiva daquele jardim. Nunca brincamos. Nunca passeamos. Ele não tira férias.
Criança, eu não tinha como entender aquilo. Lá em casa não era assim.
Em outro dia, perguntei pela mãe, que me parecia muito triste. Naquele tempo, a palavra "depressão" não era diagnóstico armazenado na boca do povo.
— Ela sofre muito. Às vezes, não vem a igreja pela confusão que ele arma nas manhãs de domingo. Ele vem todo serelepe, pronto para orar e cantar, e mamãe fica em casa chorando.
Diante da minha surpresa, ela acrescentou:
— Eu não entendo. Ele ouve e anota todos os sermões. Ele Iê todos os livros que saem sobre família. Não perde uma reunião de oração. Lê todos os dias a Bíblia. Eu não entendo.

***

Este "não entendo" ecoa até hoje, anos, muitos anos depois, na minha mente.
Naquela época, eu não entendi.
Agora entendo muito menos ainda.
Posso imaginar que o Santos repetiu a história do seu pai. Mas ele não podia escrever outra história?
Posso imaginar que o Santos não foi amado na infância. Por isto, precisava desamar?
Eu pergunto: o que fez ele com tudo o que aprendeu sobre a vida cristã?
Ou será que não aprendeu?
Não entendo.