Quando fez 50 anos, algo repentino ocorreu ao I.
Casado, pai de três filhos, achou-se apaixonado por outro mulher.
Bem mais nova, trabalhava com ele na mesma empresa.
A esposa descobriu do modo mais comum: por meio das mensagens no telefone celular.
Ele negou.
Depois admitiu.
Anunciou que sairia de casa.
A esposa, S., insistiu na recuperação do amor que, segundo ele, não era mais o mesmo, consumido pela rotina e regado pelo desinteresse, sobretudo por afagos noturnos.
Ao fim de algum tempo, I. partiu.
Foi viver com a outra. Era um paixão e precisava vivê-la. Era o seu amor, que não podia ser desperdiçado. Com ela, J., ele se achava remoçado, correspondido, valorizado.
Os filhos imploraram para que ficasse, mas eles agora não lhe eram mais importantes que J.
A esposa disse que o perdoava e que tudo faria para que tudo fosse como antes. I. repeliu-a, repetindo-lhe que era tarde.
Os amigos o advertiram para a loucura que estava cometendo.
Deixou a casa e garantiu que nada faltaria aos filhos e à mãe deles.
Ganhava bem.
J. não queria nada dele, exceto a cama.
Pombos em paixão, desapareceram. Quanto a ele, ia do trabalho para a nova casa e de lá para o trabalho.
Como trabalhava na área de serviços, alguns clientes o deixaram, revoltados e por pena de S.
J., que não queria nada, passou a querer.
Ele teve que se equilibrar entre um banco e outro, entre um cartão de crédito e outro, para não faltar nada às duas e aos filhos.
Teve que trabalhar mais e ouvir as queixas de J., o dia todo e parte da noite esperando por ele. As queixas se tornaram discussões e as discussões tomaram o formato de brigas, que os empurravam para camas separadas.
I., antes radiante, calava-se pelos cantos.
Cada dia mais magro, era como se os seus ossos estivessem sendo consumidos.
Parecia arrependido.
No trabalho, o desempenho caiu, o dinheiro, fruto da habilidade das suas mãos, fugiu.
Mudou de ramo, para ganhar bem menos.
O dinheiro estava faltando.
J. dispensou-o da casa, mas ficou nela. Era sua, agora.
Sem alternativa, através do filho mais velho, pediu para voltar para casa.
O relacionamento com S. não foi o mesmo. Altivo, nunca se arrependeu, de fato, de ter traído sua esposa, depois de 25 anos (bodas de prata celebradas, ele já no desvio secreto). Autocompassivo, achava que Deus entendera o seu gesto.
Passava o dia de cabeça baixa, como se estivesse refletindo.
Alimentava-se, mas estava cada dia mais magro.
Um dia saiu para o trabalho.
Horas depois, S. recebeu um telefonema. A notícia era que I. estava no hospital.
Reuniu os dois filhos mais velhos (um casal) e foi para lá. Encontraram-no morto.
Disseram que passara mal no ponto do ônibus.
S. e seus filhos até entenderam porque morreu, mas nunca compreenderam como I. tivera a coragem de trocar a vida pela morte.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO