A circunstancial nulidade da Constituição no STF e a tirania dos princípios de quem julga (Rubens Teixeira)

Temos assistido o desprezo pela Lei Maior e violações de importantes princípios defendidos pela maioria da sociedade brasileira. Isso tem acontecido com suporte em uma fundação frágil. Tem-se usado de forma deliberada e repetida o argumento de que julgamentos foram fundamentados em princípios. Está ficando claro que esta preferência por princípios é uma rota de fuga para anular dispositivos constitucionais e legais. Mais grave é que o expediente utilizado é uma violação à tripartição de poderes, coluna importante do Estado Democrático de Direito.

Para contrariar a Constituição, há sempre uma via sinuosa de uso de princípios habilmente escolhidos, palavras e citações convenientes e mais uma vez o STF usurpa a prerrogativa legislativa do Congresso Nacional.  O uso deliberado e continuado do argumento de que o julgamento foi feito baseado em princípios tem deixado clara a estratégia de se contrariar o que a Constituição prescreve para atender a grupos ou vaidades.

Uma lei pouco citada, mas fundamental para o nosso sistema jurídico brasileiro, a Lei de Introdução do Código Civil, afirma em seu artigo 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Evidentemente isso expressa que vale o que está na lei. Os princípios não devem ser usados a todo tempo para fundamentar julgamentos contrários aos mandamentos constitucionais e legais, em especial quando se tratar de assuntos em que as casas legislativas, ouvindo o que deseja a sociedade, ainda não entenderam ser a hora de inserir no ordenamento jurídico.

A afirmação de que o Congresso Nacional demorou a decidir é a pior possível, pois o Judiciário também demora, e não raramente. A demora pode ser uma opção sensata. Um juiz pode demorar a decidir para não cometer injustiça. O processo pode não estar ainda adequado à formação da sua convicção. Os tribunais também. E o Congresso Nacional, por que não?

O Brasil consagrou-se no uso do direito positivado na lei que prestigia o que está escrito na norma. Em alguns países, há o julgamento com base nos costumes, conhecido como Direito Consuetudinário. No Brasil, os costumes também são fontes de direito, como transcrito acima da Lei de Introdução ao Código Civil. Mas isso ocorrerá quando a lei for omissa. Usar deliberadamente princípios, desprezando, especialmente, a Lei Maior, é entender que ela é omissa. Quando ela não for, é anulá-la.

Ademais, os costumes e princípios que devem ser utilizados, quando a norma é omissa, são os costumes da nossa sociedade, não de sociedades alienígenas ou mesmo os defendidos por membros da corte julgadora. Esta deveria valorizar a vontade da sociedade expressa na Constituição, ou mesmo os costumes e princípios defendidos por ela.

Para se julgar com base em princípios devem-se tomar como inexistentes, tanto a previsão legal, quanto os costumes. A disposição legal prevalece, seguida da analogia, dos costumes e, só por fim, dos princípios. Todavia a lei não é omissa em vários julgados fundamentados em princípios específicos.

Daí, tem-se a primeira marretada na segurança jurídica: anular deliberadamente um dispositivo constitucional. A segunda, é que julgou-se com fundamentos desalinhados com o que pensa a maioria. E a terceira, pior, por ser uma espécie de tiro de misericórdia, foi a usurpação das prerrogativas de outro poder constituído. O STF usurpou as prerrogativas das duas casas legislativas e reformou a Constituição Federal.

O STF tomou, em alguns casos, a postura truculenta de tornar-se também poder constituinte, por autoimposição. Seus 11 ministros, em uma única sessão de julgamento, fazem o mesmo que só quatro seções no Congresso podem fazer, depois de a matéria ser votada duas vezes em cada casa (Senado e Câmara), com quóruns qualificados de votos de pelo menos sessenta por cento dos seus membros, ao todo 513 deputados e 81 senadores. É o pior que poderia ser feito para a democracia. Uma alteração na Carta Magna sem legitimidade moral, mesmo que tenha o efeito erga omnes.

A partir de agora, homossexuais podem constituir família e adotar crianças: contra a Constituição desprezada, mas a favor do pensamento dos ministros do STF. Bebês anencéfalos podem ser mortos ainda no ventre da mãe: contra a Constituição anulada, mas a favor pela mesma cartilha de princípios. O STF pode alterar a Constituição, em vez de ser seu guardião, porque seus ministros resolveram assim, neutralizando o que 513 deputados e 81 senadores, com mandatos conferidos pela população, debatiam nas Casas Legislativas.

A França tem na sua história o mais importante fato que marcou a defesa dos direitos humanos: a Revolução Francesa. É um país não menos desenvolvido do que o Brasil no ponto de vista social, econômico, filosófico, jurídico e político. Lá, a Corte Constitucional, equivalente ao STF, também recebeu uma proposta para examinar a equiparação da união homossexual à união entre homem e mulher, como aconteceu com o STF. A Corte Constitucional da França, respeitando o seu papel e o do legislativo, não aceitou “legislar” alegando que a apreciação daquela Corte não poderia substituir a do legislador. O STF agiu diferente: preferiu usurpar a atribuição de legislar, ignorando o que a própria Constituição, da qual deveria ser guardião, mandava. Aliás, parece que os mandamentos constitucionais foram rebaixados a pedidos constitucionais pelo STF: podem ser atendidos ou não.

Por conta disso, o Poder Constituinte Originário e o Derivado, com prerrogativas Constitucionais, cedem espaço ao novo poder constituinte sem a mesma credibilidade moral ou previsão constitucional: o Poder Constituinte Terceirizado. Estes fatos, associados às falas do provavelmente futuro Presidente do STF, com relação ao presidente que conduziu os julgamentos com a maioria desses desprezos à nossa Constituição, coloca a sociedade insegura de quais mandamentos constitucionais são efetivamente fortes e quais os que podem ser tratados como “patos mancos”. Como o poder afetado foi o Legislativo, lembro que o artigo 49, XI, da Constituição, infelizmente desprezada, afirma que “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”. Precisamos de um STF forte e respeitado, mas como guardião da Constituição Federal, enquanto os demais poderes, também fortes, cumprem os seus papéis. Só assim podemos acreditar no Estado Democrático de Direito. Na democracia, não há espaços para arrogâncias. A História deixa claro o resultado de ditaduras de toda ordem. Nós não queremos isso por aqui.

* Rubens Teixeira é doutor em Economia (UFF), mestre em Engenharia Nuclear (IME), pós-graduado em auditoria e perícia contábil (UNESA), Engenheiro de Fortificação e Construção (IME), Bacharel em Direito (UFRJ – aprovado para a OAB/RJ), bacharel em Ciências Militares (AMAN), pastor, professor, escritor, membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra e da Academia Evangélica de Letras do Brasil.
 

Pr. Rubens Teixeira

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