O que eu gostaria de mudar no mundo? (Série MENTORIA ESPIRITUAL, 6)

(Hebreus 11.38a)

Depois de arrolar os nomes de pessoas que transformaram o mundo em suas épocas, o autor bíblico acrescenta:

"O mundo não era digno deles" (Hebreus 11.38a)

Esta palavra "digno" (no grego) aparece 17 vezes no Novo Testamento. Seis se aplicam a Jesus. As demais se aplicam a seres humanos, para falar tanto de sua dignidade quanto de sua indignidade.
Entendemos melhor o seu significado quando pesquisamos sua origem. No grego, é AXIOS, de onde deriva "axiologia", por exemplo, que trata do que é bom, belo e verdadeiro, e também "axioma", uma proposição tão evidente que não precisa ser provada.
Um capítulo da história do cristianismo nos ajuda a entender o que é ser digno. Nas igrejas católicas ortodoxas até hoje, quando um diácono, pastor ou bispo é consagrado, o público presente aclama: AXIOS!  AXIOS! AXIOS! (Veja como isto ainda hoje acontece em <https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm#inbox/136f973531f32a34>)

O PERIGO DAS DESILUSÕES
Entendemos bem este conceito, negativamente, quando uma torcida vaia seu time ou um jogador, por não ser digno de vestir aquela camisa.
Houve um momento no Brasil em que a indignidade de um presidente ganhou unanimemente as ruas, resultando no movimento "Fora, Collor", também chamado de "Caras Pintadas". (Vídeo no youtube, disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=4IghvwiNz6o&feature=related>)
Este episódio fez muito bem e muito mal ao Brasil.
Fez muito bem porque nos livrou de um corrupto.
Fez muito mal porque pouco mudou em nosso país, passando a mensagem que não adianta protestar, ir às ruas, pintar a cara, defenestrar um corrupto.
A partir daí quem tem um ideal é um romântico.
Quem acha que o mundo está legal, continue comprando e consumindo, se tem dinheiro.
Quem acha que não adianta se importar, não reclame quando a injustiça se assentar na porta da sua casa. Não custa repetir a advertência de Martin Niemöller, o pastor luterano que enfrentou Hitler, mas que foi libertado pelos aliados:

"Primeiro, vieram atrás dos comunistas,
mas eu não gritei porque não era um comunista.

Depois, vieram atrás dos sindicalistas,
mas eu não gritei porque eu não era sindicalista

Depois, vieram atrás dos judeus,
mas eu não gritei porque não era judeu.m

Depois, vieram atrás de mim,
mas não sobrou ninguém para gritar por mim".

BEM-AVENTURADOS OS QUE PROMOVEM A PAZ
Quem muda o mundo são os românticos que se indignam, os idealistas que sonham, os atentos que criticam e vão além da crítica, os interessados que se juntam aos que se importam.
Como cristão não podemos cruzar os braços. Muitos fazemos assim:
Dou um exemplo.
Um amigo me questionou sobre o conceito de justificação, pelo qual Jesus Cristo torna justo (sem culpa) aquele que o confessa como seu Salvador e Senhor.
Ele me disse que o que vê é que pessoas, evangélicas, descansam nisto orgulhosamente, cruzando os braços preguiçosamente, sem uma vida que se preocupe com o próximo ou mesmo com suas próprias responsabilidades morais.
Meu amigo não entendeu ainda a primeira parte da mensagem do Evangelho.
Os evangélicos que assim vivem não entenderam ainda a segunda parte da mensagem.
A primeira diz que, de fato, na cruz, Jesus nos perdoou do pecado de nos rebelarmos contra Deus e nos liberou do peso de procurar nos justificando. Jesus, sem culpa, já fez isto por nós. Meu amigo ainda não compreendeu esta verdade revolucionária.
Muitos evangélicos, estes criticados com razão pelo meu amigo, ainda não compreenderam, embora não sejam justificados (salvos) por suas obras e merecimentos, que a consequência evidente da justificação é a prática das boas obras; é uma vida digna ("axios") do evangelho (Filipenses 1.27; Efésios 4.1, Colossenses 1.10, Tessalonicenses 2.12).
Quem não procura viver de modo digno da salvação ainda não foi salvo.

UM MANDATO DIVINO
Mudar o mundo deve ser compromisso de todos os cristãos.
Este compromisso é evidente numa sociedade fechada, onde não há liberdade de expressão, mas é também necessária nas sociedades abertas, em que há liberdade de expressão e de locomoção para quem tem dinheiro. O acesso aos bens essenciais, como saúde e educação, é bastante desigual. Este é o caso do Brasil.
Não temos como ler a Bíblia e fazer de conta que nela não encontramos um projeto de Deus para este mundo.
No Gênesis, completada a obra da criação, ele nos pede para cuidar da terra (Gênesis 1.28). Cuidar da terra inclui a preocupação com o meio ambiente, mas vai além: inclui a preocupação com relações justas, entre o homem e o meio e entre o homem e o homem. Por isto, desde o princípio Deus estabelece o jubileu ("Consagrem o qüinquagésimo ano e proclamem libertação por toda a terra a todos os seus moradores. Este lhes será um ano de jubileu, quando cada um de vocês voltará para a propriedade da sua família e para o seu próprio clã" — Levítico 25:10), quando, a cada período de 50 anos, as terras voltariam aos seus donos, mesmo que as tivessem vendidas.
Os poetas e os profetas clamam contra todos os tipos de pecado e não somente a idolatria. Os profetas clamam contra a miséria. Os profetas clamam contra a corrupção. Os profetas clamam contra sistemas legais injustos. Ouçamos o clamor da poesia:

"Voltará a haver justiça nos julgamentos,
e todos os retos de coração a seguirão.
Poderá um trono corrupto estar em aliança contigo?,
um trono que faz injustiças em nome da lei?
Eles planejam contra a vida dos justos
e condenam os inocentes à morte.
Deus fará cair sobre eles os seus crimes,
e os destruirá por causa dos seus pecados;
o Senhor, o nosso Deus, os destruirá!"
(Salmo 94.15, 20, 21 e 23)

Jesus anuncia que foi enviado "para pregar boas novas aos pobres", "para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e [para] "e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lucas 4.18-19).
Os apóstolos, mesmo concentrados na volta de Jesus Cristo para uma nova terra, propõem uma sociedade igualitária, que o pecado em forma de egoísmo derrete. Na experiência da primeira comunidade cristã, as pessoas vendiam tudo o que tinham para que todos tivessem seus bens em comum (Atos 4.32-24), uma clara proposta de comunismo, embora "comunismo do amor".

SIM, NOSSA TAREFA
Somos chamados a mudar o mundo, para que vivamos melhor nele, para que nossos filhos vivam melhor nele, para que o amor de Deus se veja através de nós.
O mundo foi sequestrado pela Queda. Participar da sua redenção é nossa tarefa.
No caso brasileiro, nossos principais problemas são crônicos e giram em torno da educação e da saúde. Não falta dinheiro para a construção de escolas e hospitais, para o equipamento de escolas e hospitais, para o pagamento de salários dignos para os profissionais das escolas e dos hospitais. O que há é desvio, às vezes na ponta (escolas e hospitais), por funcionários graúdos e funcionários miúdos, às vezes na elaboração do orçamento. O que não há é a convicção que escolas e hospitais são mesmo um direito de todos.
Outro problema no qual temos pouco avançado é na aplicação digna das leis. Temos boas leis. No entanto, nem sempre são aplicadas para fazer justiça.
Mencionei três áreas que podem ser também suas preocupações.
Mencionei três áreas, mas você pode ter outros os temas que lhe deixem mais indignados. Sua lista pode ter outras prioridades.
O que é importa é que você se indigne.
O que importa é o que você fará com o que lhe indigna.
O que você fará?

Aqueles heróis, citados em Hebreus, viviam num mundo que não era digno deles, num mundo que não os aprovava. Eles não aprovaram o mundo e mudaram o mundo, no seu tempo, no seu lugar. Eles estavam desconfortáveis no mundo e viveram de modo a torna-lo mais confortável. O mundo estava desconfortável diante deles e deu um jeito de eliminar alguns deles. Quando penso em gente eliminada pelo mundo pelo desconforto de sua presença, vêm-me a mente cristãos como Paulo apóstolo, João Huss, Felix Mantz (na Suíça), Dietrich Bonhoeffer (na Alemanha nazista), Martin Luther King Jr (nos Estados Unidos), Joseph Mukasa (de Uganda), Oscar Romero (de El Salvador). Eles foram assassinados, mas nos deixaram como legado um convite a que nos envolvamos na causa da justiça como uma missão divina para nós.
Eles olharam para o mundo e entenderam que Deus queria que se envolvessem na transformação deste mundo. Jesus não nos pediu para sermos tirados do mundo, mas para que transformássemos o mundo.

***

O mundo é tão grande que está aqui.
O que queremos mudar neste mundo, longe ou perto?
Queira mudar o mundo!
Ao fazê-lo estará na lista abaixo:

“Bem-aventurados os pobres em espírito,
pois deles é o Reino dos céus.

Bem-aventurados os que choram,
pois serão consolados.

Bem-aventurados os humildes,
pois eles receberão a terra por herança.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
pois serão satisfeitos.

Bem-aventurados os misericordiosos,
pois obterão misericórdia.

Bem-aventurados os puros de coração,
pois verão a Deus.

Bem-aventurados os pacificadores,
pois serão chamados filhos de Deus.

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça,
pois deles é o Reino dos céus.

Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês". (Mateus 5.3-11)

Envolva-se no projeto de Jesus!

ISRAEL BELO DE AZEVEDO