Tendências (Prof. Adalberto Alves de Sousa)

(1) Substituição do pronome “lhe”
 
Há muito tempo sabemos que existem universais linguísticos. Trata-se de fenômenos que ocorrem em todas as línguas faladas no mundo. Um desses universais afirma que “todas as línguas tendem para uma simplificação”. Quando observamos o português falado hoje no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, podemos notar várias tendências que comprovam que existe uma simplificação em curso no nosso idioma. 
Chamamos de “transitivos” aqueles verbos que requerem complementos. Se estes não são introduzidos por preposição, recebem o rótulo de “transitivos diretos”. Quando ouvimos, por exemplo, “O motorista viu”, esperamos que a frase seja completada, porque o verbo usado requer um complemento, que poderia ser “o pedestre”. Nosso exemplo ficaria: “O motorista viu o pedestre”. O complemento “o pedestre” foi ligado ao verbo diretamente, sem preposição. Complementos desse tipo podem ser substituídos pelo pronome “o” (a, os, as). Confira: “O motorista viu o pedestre. Viu-o de longe”. Como sabemos, “o” é “o pedestre”. 
Agora, se os complementos são introduzidos por preposição obrigatória, os verbos classificam-se como “transitivos indiretos”. Quando ouvimos, por exemplo, “O jovem resistiu”, esperamos que a frase seja completada, porque o verbo usado requer um complemento introduzido por preposição, que poderia ser “ao apelo das drogas”. Nosso exemplo ficaria: “O jovem resistiu ao apelo das drogas”. O complemento “o apelo das drogas” foi ligado ao verbo pela preposição “a”. Complementos desse tipo podem ser substituídos pelo pronome “lhe”. Confira: “O jovem resistiu ao apelo das drogas. Resistiu-lhe com determinação”. Como sabemos, “lhe” é “ao apelo das drogas”.  
A esta altura o leitor já deve ter percebido que o pronome “lhe” anda meio fora de moda. É mais provável que o povo diga: “O jovem resistiu o apelo das drogas. Resistiu com determinação.”, como acontece, por exemplo, com “obedecer”: “O motorista não obedece o semáforo. Obedece-o somente na presença do guarda.”, em vez de “O motorista não obedece ao semáforo. Obedece-lhe somente na presença do guarda.”, que seria a construção recomendada.
Um outro caso muito frequente é a substituição de “lhe” por “te”. Pelo menos entre os cariocas é muito comum o uso de um tratamento em que o verbo é conjugado na terceira pessoa e os pronomes seguem a segunda (tu, teu, tua, etc.): “Se você quiser eu posso te entregar a encomenda”. Essa mistura de tratamentos é muito comum hoje em dia nos cânticos usados em nossas igrejas.
A substituição mais interessante do “lhe” ocorre quando o verbo requer os dois complementos e um deles é uma oração. “Vou pedir ao orador que fale mais alto”. Observe: Vou pedir o quê? Resposta: “que fale mais alto” (esta oração é o complemento direto). Vou pedir isso a quem? Resposta: “ao orador” (este é o complemento indireto, introduzido pela preposição “a” – “a+o orador”). Em vez de “Vou pedir-lhe que fale mais alto.”, tenho ouvido diversas vezes exemplos do tipo: “Vou pedi-lo que fale mais alto”. Como já vimos anteriormente, “o” (a, os, as) só pode ser usado como complemento direto: “O rapaz pediu a moça em casamento. Pediu-a aos pais dela.”; “O rapaz pediu à moça uma informação. Pediu-lhe por telefone.”; “Aquele bolo está muito apetitoso; vou pedi-lo ao garçom.”; “O garçom chegou. Vou pedir-lhe aquele bolo”. “Ele” (ela, eles, elas) substituímos por “o” (a, os, as); “a ele” (a ela, a eles, a elas) substituímos por “lhe”. 
Ao usar verbos como “avisar, informar, cientificar”, etc. podemos alternar os complementos. Os exemplos são aclaradores: “Informei aos alunos o resultado do exame.” (“aos alunos” – indireto; “o resultado do exame” – direto;  ). “Informei os alunos do resultado do exame” (“os alunos” – direto; “do resultado do exame” – indireto). Agora observe com atenção: “Informei aos alunos que o resultado do exame saiu.” (“informei-lhes que…”); “Informei os alunos de que o resultado do exame saiu.” (“informei-os de que…”). As duas construções seguintes não podem ser feitas: “informei-lhes de que” e “informei-os que”. Temos de alternar “lhe” com a oração sem preposição, e “os” com a oração com preposição.
Voltarei ao assunto com outras tendências.