Efésios 3.8-19 — A igreja que podemos ser

Efésios 3.8-19
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO 
 
Quando a Igreja Batista Itacuruçá foi fundada, em 21.2.1936, foi lido o capítulo 3 da carta de Paulo aos Efésios.
Vale a pena lê-lo todo, pelo que reproduzimos parte desse capítulo, para a nossa reflexão.
 
"Embora eu seja o menor dos menores de todos os santos,
foi-me concedida esta graça 1
de anunciar aos gentios 2 as insondáveis riquezas de Cristo 
e esclarecer a todos a administração deste mistério
que, durante as épocas passadas,
foi mantido oculto em Deus, que criou todas as coisas. 
A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja,
a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais, 3
de acordo com o seu eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor,
por intermédio de quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele. 
Portanto, peço-lhes que não desanimem por causa das minhas tribulações em seu favor, pois elas são uma glória 4 para vocês.
Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, 
do qual recebe o nome toda a família nos céus e na terra. 
Oro para que, com as suas gloriosas riquezas,
ele os fortaleça no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito, 5
para que Cristo habite no coração de vocês mediante a fé; 6
e oro para que, estando arraigados e alicerçados em amor, 7
vocês possam, juntamente com todos os santos, 8
compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, 
e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento,
para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus". 
(Efésios 3.8-19 NVI)
 
MAIS QUE UMA INSTITUIÇÃO
1. Somos uma instituição, mas podemos ser mais que uma instituição
 
Seremos mais que uma instituição, se estivermos atentos à nossa missão.
A missão é repetida por Paulo: "Embora eu seja o menor dos menores de todos os santos, foi-me concedida esta graça de anunciar aos gentios as insondáveis riquezas de Cristo e esclarecer a todos a administração deste mistério que, durante as épocas passadas, foi mantido oculto em Deus, que criou todas as coisas" (Efésios 3.8-9). 
 
Seremos mais que uma instituição, se cada um de nós se deixar fortalecer no íntimo do seu ser pelo poder de Deus.
Assim deve ser entendida a oração de Paulo: "Oro para que, com as suas gloriosas riquezas, ele os fortaleça no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito" (Efésios 3.16) 
 
Seremos mais que uma instituição se tivermos interesse um pelo outro. Estamos impregnados pela cultura individualista (narcisística até), segundo a qual a felicidade é algo individual, mesmo que custe a infelicidade do outro. Se sairmos do indivíduo para a comunidade como o valor maior, seremos relevantes. Quando em público oramos pelos enfermos, dizendo os seus nomes, estamos também dizendo que nos importamos.
 
UMA BOA FAMÍLIA
2. Dizemos que somos uma família e podemos ser uma família, diferente da família de sangue, mas — ainda assim — uma família, uma boa família
 
Somos uma família porque recebemos de Deus a nossa filiação a ele por criação ("Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família nos céus e na terra" — versos 14-15) e por nosso relacionamento de fé, já que temos livre acesso ao Pai, a quem vamos com confiança ("por intermédio de quem [Jesus Cristo] temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele" — verso 12)
Este pertencimento tem a ver com fé, não como mérito.
Este pertencimento nos permite um relacionamento sem medo de Deus, sem troca com Deus; com desprendimento para com Ele, com prazer diante de Deus, com alegria diante de Deus.
 
Somos uma família individualmente e eclesialmente, se temos consciência de que somos filhos de Deus, logo irmãos uns dos outros.
Somos filhos de Deus: somos criados por Deus, nosso Pai; somos amados por Deus, nosso Pai; somos cuidados por Deus, nosso Pai.
Somos irmãos uns dos outros: irmãos dos iguais, irmãos dos diferentes; irmãos dos agradáveis, irmãos dos desagradáveis; irmãos dos saudáveis, irmãos dos doentes; irmãos dos certinhos, irmãos dos erradinhos; irmãos dos egoístas, irmãos dos generosos.
Somos iguais. Igual é quem se acha menor ("Embora eu seja o menor dos menores de todos os santos" — verso 8); igual é quem se importa com as tribulações dos outros ("não desanimem por causa das minhas tribulações em seu favor" —  verso 13)
 
Seremos uma família, se desejarmos participar da família.
Uma igreja com muitos membros dificulta e facilita a vida em família. Uma igreja grande tem mais cultos, tem mais festas, tem mais encontros, tem mais ministérios. Como fazer parte da família da fé, se ela é grande? É como na família biológica, com muitos irmãos e muitos primos. Há famílias em que os parentes não se conhecem, porque não querem se conhecer.
Na igreja, para ser parte da família, é preciso que cada um de nós:
. goste de estar com as pessoas
. crie situações para estar com as pessoas 
. procure não chegar atrasado nem sair correndo dos cultos e outros encontros
. cumprimente as pessoas, perguntando-lhes os nomes, sorrindo para elas
. busque as pessoas, quando sente falta delas
. envolva-se num ministério
. participe de um grupo pequeno
. não seja "sensível" demais, importando-se demais com as atitudes inadequadas das outras pessoas. 9
 
Seremos uma família, se entendermos o papel da família.
Como na família biológica, a família da fé é o lugar em que cada um se realiza individualmente e também participa no projeto global.
Na família biológica, uma criança pensa que tudo é dela. Ela cresce e aprende que nem tudo é dela ou, cá entre nós, que quase nada é dela.
Na igreja, podemos achar, por exemplo, que o culto nos pertence e tem que ser do nosso jeito. Podemos achar, estando num ministério, que só o nosso ministério é importante. Se cantamos num coro, que o nosso coro é o melhor. 
O papel da família é prover meios para que cada um possa se desenvolver.
E quando cada um se desenvolve, a família acontece.
O que une a família é o seu projeto comum: e o projeto comum da família é que cada um se desenvolva. Por isto, na família, há sacrifícios mútuos, idealmente sem cobranças.
 
UM FAROL POSSANTE
3. Apresentamo-nos com o farol (ou luz do mundo) mas podemos ser mais possantes.
 
Seremos faróis, se desejarmos ser faróis.
Isto implica em desejar refletir a luz de Jesus, não alguma luz própria. Isto implicar viver os valores de Jesus, não os nossos.
Podemos ser faróis!
Queremos?
Ou queremos viver do NOSSO jeito?
 
Seremos faróis para a vida, se formos treinados na igreja.
Em outro texto, o apóstolo Paulo nos dá o programa: tornem-se "puros e irrepreensíveis, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração corrompida e depravada, na qual vocês brilham como estrelas no universo" (Filipenses 2.15).
Podemos brilhar como estrelas! Exagero de Paulo?
Vi recentemente um documentário na televisão, em que mostrava o que o corpo (músculos e ossos) pode fazer. O corpo humano tem 639 músculos, que são responsáveis pelo movimento de uma pessoa. Um músculo sozinho não pode nada. Os músculos em ação conjunto podem realizar proezas.
Fiquei impressionado com o documentário. Narro um quadro do programa: uma pedra se soltou na mão de um alpinista, arrastando-se escarpas abaixo, sobre o seu corpo, em direção a um precipício. Antes de mergulharem no abismo, o alpinista se livrou da pedra de 400 quilos e se se livrou da morte. Segundo os médicos que cuidaram dele, seu cérebro deu ordens para que todos os seus músculos se enrijecessem para ter uma força descomunal. Tudo teve que ser rápido, já que os impulsos nervosos são transmitidos pelos nervos e fibras musculares a 320 km por hora.
É claro que isto só foi possível porque aquele era um homem treinado, com músculos treinados, com mente treinada.
Na vida, precisamos estar bem preparados, para as avalanchas da vida.
Neste sentimento, a igreja é para nos treinar.
Precisamos ser treinados para viver uma vida íntegra. Este é o projeto de Deus para nós: "A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo" (Tiago 1.27).
Precisamos ser treinados para superar os sofrimentos da vida. A vida é vivida com dor. Todo jogador sabe que joga com dor. Todos os atletas de alta performance dizem isto.
Podemos pensar a igreja como um fonte de energia, onde carregamos nossas vidas para a vida, mas também podemos pensa-la como um espaço de treinamento para a vida. Para a vida aqui. A vida no céu não precisa de treino.
Por intermédio da igreja, Deus nos capacita "para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica" (2Coríntios 3.6).
Como diz o salmista, Deus "treina as minhas mãos para a batalha e os meus braços para vergar um arco de bronze" (Salmo 18.34). Por isto, o poeta exclama: "Bendito seja o Senhor, a minha Rocha, que treina as minhas mãos para a guerra e os meus dedos para a batalha". (Salmo 144.1)
A igreja precisa falar mais da vida.
 
Seremos faróis para a vida, se compreendermos e conhecermos o amor de Cristo, que excede todo conhecimento e nos entusiasma (nos enche de Deus).
Paulo recomenda que conheçamos "a largura, o comprimento, a altura e a profundidade" (Efésios 3.18) do amor de Cristo. 10 Ao mesmo tempo, ele diz que esse amor excede todo o conhecimento (Efésios 3.19).
Eis aí um convite extraordinário. 
Para quem ainda não é cristão, o convite é claro: conheça o amor salvador de Jesus Cristo. Conhecer, na Bíblia, é relacionar-se. Em outros termos: relacione-se com Jesus como o seu Senhor e Salvador.
Para quem já é cristão, o convite é forte: conheça o amor plenificador de Jesus Cristo. É o amor de Jesus que dá sentido (alegria, prazer) à nossa vida.
 
Que fazemos, os cristãos? Desistimos de conhecer este amor?
Não. Continuemos a conhecer este amor. 
 
Como o conhecemos?
Nós conhecemos o amor de Jesus Cristo aceitando que somos amados por Jesus Cristo.
Nós conhecemos o amor de Jesus Cristo lendo a Palavra de Deus, onde a história de Jesus Cristo está contada, onde os seus ensinos estão registrados. (Se queremos seguir os seus passos, precisamos saber como Ele deu os seus passos.)
Nós conhecemos o amor de Jesus Cristo obedecendo a Palavra de Deus. 
Quanto mais conhecemos o amor de Jesus Cristo, mais sua luz se reflete através de nós. 
Quanto mais conhecemos o amor de Jesus Cristo, mais a igreja se torna o teatro da glória de Deus (Efésios 3.10). É a igreja que torna conhecida a multiforme sabedoria de Deus.
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1  Paulo recebeu a tarefa recebida como benção, não como incumbência.
2  Isto é: os não convertidos a Cristo.
3  Representados por poderes visíveis, significando o sistema de governo no mundo.
4  Glória porque por intermédio desta proclamação feita em meio ao sofrimento da oposição.
5  Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade.
6  Se não temos fé em Cristo, Ele não nos habita.
7  No original grego, "Ágape".
8  Isto é: os salvos.
9  Dou um exemplo. Durante um culto dominical uma pessoa chorava intensamente. No dia seguinte, fiquei sabendo o motivo das suas lagrimas. Ela disse que chamei a atenção dela em público, o que obviamente não aconteceu. O que ocorreu é que fiz um convite à pontualidade. Como esse irmão chegou atrasado, imaginou que me dirigi a ela. 
10  Amor não tem a ver com geometria. Penso que o apóstolo lança mão de uma figura de linguagem — a hipérbole — para dizer que o amor de Jesus por nós é inesgotáv