REPERCUSSÕES — Capítulo III (Ignacio Resende)

Estava amanhecendo, quando o professor Hasselman terminou a leitura do caderno que havia encontrado nos porões do museu nacional, no dia anterior.
Em sua cabeça giravam todas as informações que acabara de conhecer e que representavam uma possibilidade concreta em provocar uma reviravolta histórica de grandes proporções para a humanidade. Era a primeira fonte de luz sobre um período obscuro da história humana, além do pouco que se conhecia, através do livro de Gênesis, até então mantida velada, sobre o período pré-diluviano.
O professor tinha tantas perguntas em sua mente, como por exemplo: “Se deveria continuar a busca por material complementar, sozinho ou através de parcerias?” “Por que este assunto de tão alta relevância havia sido ignorado pelo rei consorte Pedro III?” “Seria aquele caderno um documentário ou as primeiras páginas de um livro de ficção?” “Quem da Universidade poderia ajudá-lo a enquadrar a categoria do achado, se documento ou ficção?” “Se documento, onde estariam as tabuinhas”?
Com a cabeça em febre pelo que acabara de ler e com todas as indagações que não cessavam de martelar em sua mente, tomou a decisão de telefonar para seu brilhante aluno do curso de mestrado em História, o jovem Otávio Mendes. Este atendeu ao telefone com a voz sonolenta e, tão logo ouviu que seu ilustre professor precisava compartilhar um achado de enorme relevância, colocou sua roupa e saiu correndo de sua “república” em direção à casa do professor, situada a poucas quadras dali, sem que percebesse a tênue chuva que caía naquela hora da manhã. Ao chegar ao local, bateu à porta que logo foi aberta. O professor, vendo que a cabeça de seu pupilo estava molhada, correu a buscar uma toalha que lhe entregou, enquanto lhe convidava para uma xícara de café quente. Durante a degustação do café, o professor Hasselman fez uma rápida explanação do que acabara de ler e, imediatamente, começou a falar das suas dúvidas, na expectativa de que formassem uma primeira opinião, em conjunto, visando os próximos passos.
Por volta das doze horas, já podiam considerar que havia um par de questões a solucionar e que estas poderiam ser encaminhadas sem divulgação. O ponto de partida da pesquisa seria determinar se o que havia sido encontrado era registro de um documento real ou parte dos primeiros capítulos de um livro de ficção. Ainda era necessário e aplicável a qualquer direção, se documento ou ficção, a continuidade da pesquisa por outros registros que envolvessem o mesmo assunto e o centro de suas investigações deveria estar focado nas dependências do Museu Nacional, que era a antiga sede do governo imperial do Brasil, e onde fora encontrado o primeiro caderno.
Após almoçarem, vieram de Petrópolis para o Rio de Janeiro e se dirigiram ao Museu Nacional, no qual dividiram suas buscas, cabendo ao professor vasculhar o local do achado do primeiro caderno no palácio da Quinta da Boa Vista e, ao mestrando Otávio Mendes coube a procura em cada canto da Biblioteca Nacional pesquisando, também, em todos os livros e documentos referências que pudessem dar pistas elucidativas sobre o período em que reinou como rei consorte D. Pedro III de Portugal.
Como o Museu e a Biblioteca Nacional fecham às 18:00 horas, tinham aproximadamente três horas para esta primeira incursão nos locais de pesquisa.
Ao se encontrarem às 18:30 horas no terminal Menezes Cortes, havia estampado em ambos os rostos um largo sorriso. Cada um tinha uma boa notícia para o outro. Sentados à espera do ônibus de 19:00 horas, cada um descreveu esse frenético período de cerca de três horas de pesquisas. O professor tirou de sua pasta um caderno amarelado pelo tempo e que tinha na capa o título “Registro das dez tabuinhas do achado de Harã”. Subitamente, o jovem Otávio retirou de sua mochila um recorte do que havia sido um comunicado ao rei e que tinha o timbre “projeto decifração do achado de Harã”. Portanto, a existência dos cadernos 1 e 2 não eram obras de ficção. Então, percebeu-se logo que, o “projeto decifração” significava que se tratava de uma descoberta arqueológica.
A caminho de Petrópolis, sentados um ao lado do outro, decidiram procurar o Reitor da Universidade, pois, se abria uma área de pesquisa para a qual se faziam necessários recursos para viagens, estadas, contratação de pesquisadores, seguranças e outras despesas relacionadas, uma vez que, além do Brasil, as fontes principais de pesquisas estavam em Portugal, Turquia ou qualquer outro lugar do mundo para onde tivessem ido as vinte tabuinhas roubadas pelo mestre Antônio, bem como as oitenta que faziam parte do “projeto decifração”.
Na manhã do dia seguinte, depois de mais de uma noite sem dormir, consumidos na leitura do caderno número 2, dirigiram-se à universidade para conversarem com o Reitor Ângelo Tavares, com hora marcada para as 11:00 horas. O Reitor ouviu com grande atenção o relato que lhe estava sendo feito e à medida que as informações eram despejadas pelo professor Hasselman e seu aluno Otávio, ia formando a opinião de que estava entrando na posse de um “filão de ouro”.
Quando terminou de ouvir todo o relato, enriquecido pela leitura do caderno nº 02, convidou seus colaboradores para almoçar e lhes apresentou durante a refeição, as seguintes propostas:

a)    A preparação de um convite às principais redes de televisão do mundo para uma reunião em Petrópolis, dentro de 15 dias, ocasião em que seria apresentada a fonte das informações, o registro cronológico dos eventos tratados, as pessoas envolvidas e o cenário em que estas pessoas viveram;
b)    O preço mínimo para a venda do material a ser fornecido, em etapas e ao longo do período 2012-2015, haja vista que eram necessárias algumas pesquisas complementares;
c)    A garantia que o nome da Universidade seria amplamente divulgado pelo maior ofertante.

Deu-se, então, uma avaliação acerca das pessoas que deveriam ser envolvidas neste grandioso projeto para o qual poderiam contribuir, tendo sido lembrados, além do Reitor, do Professor e do Mestrando, algumas autoridades, como o presidente da Convenção Batista Mundial, o papa Bento XVI, o presidente mundial da Sociedade Israelita, na qualidade de líder máximo do judaísmo no mundo, entre outros, isto tudo devido a relevância dos documentos que seriam divulgados (1).
Cabia ainda, ao professor Hasselman, a elaboração de uma minuta dos convites (i) aos canais televisivos e (i i) às autoridades religiosas. Essa minuta seria revisada em uma nova reunião marcada pelo Reitor para as 11:00 horas e dentro de 48 horas.
Agora, a cabeça do professor rodava a mil quilômetros por hora diante da questão: “Como convidar sem revelar o que tinha para oferecer”?
Depois de muito meditar, o professor Hasselman escreveu:
                                                

Convite:

A universidade de Petrópolis, fundada pelo Imperador D. Pedro II, instituição centenária de ensino superior, reconhecida pelas suas contribuições à pesquisa arqueológica, com destaque para a descoberta de três pirâmides, supostamente construídas pelos incas na floresta amazônica, pelo sítio arqueológico de Goiás, em que foram encontradas múmias preservadas devido a combinação da baixa umidade do clima na região e a composição química do solo, entre outras descobertas; tem a honra de convidar essa conceituada rede televisiva para que envie representante credenciado para que, possa apresentar uma firme oferta para a compra de documentos escritos por Abraão e, que tratam de informações fornecidas por Noé, acerca da civilização que viveu no período pré-diluviano.
O material que está sendo oferecido será entregue ao convidado que fizer a melhor oferta, onde o lance mínimo será de vinte milhões de dólares.
 A rede televisiva que apresentar a melhor proposta, em envelope lacrado, receberá a sinopse do documentário, mediante o pagamento de um sinal de dois milhões de dólares, conforme TED endereçado à conta corrente da universidade de Petrópolis, junto ao Banco do Brasil. A sinopse será entregue imediatamente à confirmação obtida do ingresso do sinal na conta corrente referida. Caso a sinopse não satisfaça ao representante da rede televisiva que apresentou a oferta vencedora, ela poderá ser devolvida em até 24 horas, mediante a assinatura de compromisso de que não poderá ser divulgada. Esta sinopse passará ao ofertante da segunda maior oferta e desta forma serão seguidos os mesmos procedimentos.

                           Petrópolis, 15 de abril de 2012
                                       Ângelo Tavares – Reitor

O convite às autoridades religiosas foi redigido em seguida, com o seguinte teor:     
                                              

                                            Convite

A universidade de Petrópolis, fundada pelo Imperador D. Pedro II, Instituição centenária de ensino superior, reconhecida  pelas  suas  contribuições  ao ensino e a pesquisa, encontra-se na posse de achado arqueológico de grande significado para as grandes religiões monoteístas, tais como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, para as quais a criação do homem por Deus e sua existência até o dilúvio universal, representa importante passo para o maior entendimento da vida dos patriarcas e dos motivos do extermínio de cerca de dois bilhões de pessoas através do referido cataclismo.
Estaremos oferecendo o conteúdo desse extraordinário achado, às maiores redes televisivas mundiais dentro de 15 dias. A rede que fizer a maior oferta receberá, após o pagamento de um sinal, uma sinopse do documentário oferecido.
Entendemos, no entanto, que essa sinopse necessita de análise e de um testemunho de sua importância histórica, para o que, mediante assinatura de documentos de confidencialidade, sujeito por pesada multa pelo seu descumprimento, será apresentada a representante credenciado de sua religião. Será necessário que este representante, apresentado por carta de Vossa Eminência, esteja nesta Universidade dentro de 10 dias para o exame da referida sinopse, munido também de termo de confidencialidade assinado por Vossa Eminência.

                         

Petrópolis, 15 de abril de 2012
                               Ângelo Tavares – Reitor

Desincumbido de sua tarefa de minutar os convites, o professor e seu brilhante aluno viajaram para o Rio de Janeiro e se dirigiram para os mesmos locais anteriores em busca de novos achados. Combinaram que trabalhariam naquele dia no Museu e no dia seguinte na Biblioteca Nacional e, assim, sucessivamente.
Visavam obter informações das outras tabuinhas, do destino das tabuinhas, da recuperação do achado mantido em oculto para o mundo pelo rei Pedro III, do paradeiro do mestre Antônio, etc., etc..
Quanto mais encontrassem, mais poderiam acrescentar à sinopse para os canais televisivos. E o tempo era muito curto, pois a sinopse deveria estar pronta em dez dias contados da emissão da carta às autoridades religiosas. E essas cartas-convite seriam apresentadas ao reitor na reunião do dia seguinte.
(1)    As três principais religiões abraâmicas têm semelhanças. São monoteístas e concebem Deus como a figura do Criador. As narrativas sagradas partilham muito dos mesmos saberes, histórias e lugares. Ao mesmo tempo, apresentam muitas diferenças com base em detalhes de doutrina e prática. O cristianismo é dividido em três ramos principais, o católico, o ortodoxo e o protestante; O islamismo tem duas vertentes, a sunita e a xiita; e o judaísmo tem três ramos, o ortodoxo, o conservador e o reformista.