Ler a Biblia é uma atividade cheia de surpresas.
Páginas aparentemente cheias de pó parecem — quando nos aproximamos delas — tiradas dos jornais do dia.
Vejamos o caso do profeta Miqueias de Moresete. Ele escreveu há tanto tempo (quase três milênios) que nos apressamos em pensar que seu livro não tem nada a nos ensinar sobre a vida.
Enganamo-nos, se pensamos assim, como nos demonstram alguns versos:
"Ouçam, todos os povos;
prestem atenção, ó terra e todos os que nela habitam;
que o Senhor, o Soberano, do seu santo templo testemunhe contra vocês.
Vejam! O Senhor já está saindo da sua habitação;
ele desce e pisa os lugares altos da terra" (Miqueias 1.2-3)
Somos convidados a prestar atenção no que Deus diz.
Precisamos nos livrar da linguagem meramente narrativa para, entrando na riqueza da poesia, deixar Deus nos falar.
Notemos primeiramente as imagens.
. Deus mora no "seu santo templo". — O templo é o lugar principal de adoração a Deus porque é nEle que prestamos atenção as Suas palavras. Não quer dizer que devemos "prender" Deus ao seu templo, mas podemos, pelo menos ali, tratá-Lo como o que é: o centro de nossas vidas.
. Deus sai da "sua habitação". Para que a nossa visão de Deus não fique tão abstrata, Deus se movimenta. "Deus sai" nos diz que Ele é um Deus que age.
. Deus "pisa os lugares altos da terra". Os "lugares altos" eram os lugares onde as pessoas sacrificavam aos seus deuses. Até hoje boa parte dos templos é erigida em colinas, para que todos possam ver. O problema é que, no caso de Israel, os "lugares altos" eram territórios para adorações que Deus não aprovava. É por isto que Ele os pisa.
Os "lugares altos" são também os espaços fortificados, a partir dos quais as pessoas se sentem em segurança. Os "lugares altos" são também os espaços dominados pelos arrogantes e crueis. Os "lugares altos" são os problemas (de saúde, de relacionamento, de dinheiro) que enfrentamos ao longo da vida, quem sabe agora.
Deus, então, canta Miqueias de Moresete, testemunha contra os pecadores. Esses pecadores vão ao templo como se fossem santos, escondendo suas práticas, inescondíveis de Deus, que então os mostra.
Quando adoramos a Deus de verdade, nós nos sentimos como Isaías (Isaías 6), achando que vamos morrer, mas só precisamos morrer para o pecado. Quando morremos para o pecado, nascemos para Deus, nascemos para a vida.
Quando morremos para o pecado, permitimos que Deus aja. Ele está sempre pronto para agir em nosso favor. E, quando permitimos, não há lugares altos que não pise para destruir. Não há problemas que, em nosso favor, Deus não possa esmigalhar.
Miqueias escreveu, portanto, páginas para a nossa edificação ainda hoje. Se há pó nelas, fomos nós que as colocamos. E nos cabe removê-lo.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO