MUDOU O SIGNIFICADO DE ADORAÇÃO? (Sylvio Macri)

Curiosamente, o substantivo “adoração” não aparece na Bíblia. E o substantivo “adorador” aparece apenas uma vez, em João 4:23. Todas as vezes que a Palavra de Deus toca no assunto usa o verbo “adorar”, como nessa própria passagem de João, em que ele é pronunciado nove vezes. No Velho Testamento, na esmagadora maioria das vezes, trata-se da tradução do verbo hebraico “sahah”. No Novo Testamento é a tradução do verbo grego “proskyneo”. Em ambos, o sentido é de prostrar-se, encurvar-se, inclinar-se, e sempre com o rosto em terra. Trata-se de um ato devido somente a Yahweh ou Jesus. Por essa razão é que Mardoqueu nunca se inclinava e se prostrava perante Hamã (o verbo é o mesmo), o que provocou a ira deste último (Ester 3:1-6).

Adoração é o ato de adorar. É a palavra correta para significar o ato de culto que se presta ao Senhor. É importante frisar que tal culto de adoração pode ser coletivo, familiar ou individual. Nos últimos tempos, porém, tem havido muita confusão sobre o que é, de fato, adoração. Nos Estados Unidos surgiu até uma classe clerical para cuidar do assunto: são os chamados “worship leaders” (líderes de adoração) cujos correspondentes no Brasil vêm a ser os “ministros de louvor” (sic), os quais invariavelmente são músicos, ou pretendem ser. Tal classe é um sub-produto das mega-igrejas e da indústria de entretenimento “gospel” americanas, coisa que, infelizmente, se reproduz no Brasil. 

E aí está o primeiro problema: adoração tornou-se uma especialidade, uma parte do culto, que pode não acontecer se não houver um líder de adoração com seus respectivos colaboradores, também músicos. Portanto, adoração deixou de ser o culto propriamente dito, para ser uma parte dele. Para muitos irmãozinhos hoje em dia, se em determinado culto não houve um grupo à frente da igreja liderando uma grande quantidade de cânticos – mesmo que se tenha cantado ao Senhor, que se tenha orado e que a Palavra tenha sido lida e proclamada – não aconteceu a adoração. Ora, toda pessoa que lidera um ato de culto é um líder de adoração, seja pastor ou leigo, seja tal ato realizado num templo ou em outro lugar, simplesmente porque todo culto, em sua totalidade, é um ato de adoração.

E em relação a essa questão temos outro problema: tais líderes de adoração, ou seus equivalentes, passaram a assumir cada vez mais papeis que não lhes cabem nos cultos. Músicos são músicos, estão ali para executar e liderar a  música, e não para fazer longas orações e longos discursos, quase sempre iguais e cansativos. Ou, pior ainda, para à moda de comunicadores de TV em seus programas mundanos, bradar palavras de ordem para o povo fazer isso ou aquilo. Recentemente um pastor da minha região contou-me que a pessoa que liderava os cânticos na sua igreja costumava estender-se largamente nessa prática, e depois desculpava-se dizendo para ele o seguinte: “Mas, também, depois disso o senhor nem precisa pregar!”. Para a “infelicidade” do pastor e da igreja, tal irmão teve que ser excluído por problemas morais.

E aqui temos um outro problema sério. Antigamente, pastores e igrejas só permitiam que liderassem os cultos pessoas reconhecidamente consagradas, de bom testemunho da igreja e dos de fora, dedicadas em todo o trabalho, desde a EBD até os cultos de oração e de evangelização nos lares. Com o surgimento das equipes e dos “ministérios” (sic) de louvor, passamos a ter, em muitas igrejas, uma verdadeira aberração: pessoas sem nenhum compromisso com a igreja, sem vida cristã, passaram a liderar uma parte do culto. Muitos deles só chegam à igreja na hora de fazer a sua parte e nem participam dos demais atos do culto. Trata-se de uma verdadeira ofensa aos bons crentes que estão assentados nos bancos servindo como massa de manobra dessa gente. E mais, esses “adoradores” de domingo (na segunda-feira são outra coisa) prestam um péssimo serviço à causa de Cristo, com seu testemunho negativo. Por que as igrejas permitem isso?

Outra coisa que me incomoda e que tem a ver com o significado de adorar, é que o termo passou a incluir coisas estranhas ao culto, como dançar, pular, etc. Já viram alguém dançar ou pular inclinado com o rosto em terra? Impossível, não? Pois é, ainda que alguém, ironicamente,  possa alegar que não tem visto ninguém em nossas igrejas adorando com o rosto em terra, quero responder que devemos, sim, preservar o simbolismo da figura e ter mais respeito pelo ato de culto, que é adoração a um Deus santo e puro, uma adoração em espírito, isto é, que se processa no nível espiritual, e não corporal. Um ato de profunda humilhação perante aquele que é Dono das nossas vidas. Aliás, contrariamente ao sentido do termo, nenhum líder de adoração costuma pedir que o povo se ajoelhe e se humilhe diante de Deus; pelo contrário, a primeira coisa que pede é que o povo fique de pé e faça gestos que não têm nada a ver com sentido bíblico da adoração.

Sei que alguns vão torcer o nariz para o que está dito aqui, talvez nem terminarão a leitura, mas o propósito deste meu humilde escrito é despertar os irmãos para buscarem na Bíblia o verdadeiro significado da adoração e praticá-lo. Pois muitos de nós estamos caindo no mesmo pecado do povo de Israel, que “inventou” uma adoração que Deus repudiou: “Esse povo ora a mim com a boca  e me louva com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. A religião que eles praticam não passa de doutrinas e ensinamentos humanos, que eles só sabem repetir de cor. Por isso, mais uma vez vou deixar este povo espantado com as coisas estranhas e terríveis que farei no meio dele.” (Isaías 29:13,14 – NTLH).

Pr. Sylvio Macri