Vocabulário do Natal, 6: JOSÉ

Há um homem na Bíblia sobre o qual pouco falamos.
Com muita razão, a Igreja Católica o celebra, destacando-lhe algumas qualidades, como a de trabalhador, chamando-o, por vezes, de São José Operário e fazendo dele um patrono dos trabalhadores.
José, marido de Maria, é isto e é mais que isto.
Destacamos o papel de Maria, com razão, mas não podemos diminuir o de Maria.
Para tanto, precisamos ver o perfil que dele traça o Novo Testamento.
José é citado 21 vezes.

TESTEMUNHOS BÍBLICOS SOBRE JOSÉ

Vejamos os textos em que seu perfil aparece.

Texto 1
Mateus 1.16
. "E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo".

Texto 2
Lucas 3.23
. "Ora, tinha Jesus cerca de trinta anos ao começar o seu ministério. Era, como se cuidava, filho de José, filho de Eli".

Texto 3
Lucas 1.26-27
. "No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria".

Texto 4
Mateus 1.18-25
. "Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo:
— José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles.
Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)". 1
Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus".

Texto 5
Lucas 2.1-7
. "Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria". 2

Texto 6
Lucas 2.16
. "Foram apressadamente e acharam Maria e José e a criança deitada na manjedoura".

Texto 7
Lucas 2.21
. "Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe 3 o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido".

Texto 8
Lucas 2.27-35
"Movido pelo Espírito, foi ao templo; e, quando os pais [José e Maria] trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a Lei ordenava, Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus (…) Simeão os abençoou".

Texto 9
Mateus 2.13-15
. "Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho, e disse:
— Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar.
Dispondo-se ele, tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: `Do Egito chamei o meu Filho`". 4

Texto 10
Mateus 2.19-23
. "Tendo Herodes morrido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse-lhe:
— Dispõe-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino.
Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe e regressou para a terra de Israel.
Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; e, por divina advertência prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia. E foi habitar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: `Ele será chamado Nazareno`".

Texto 11
Lucas 2.41-42
. "Ora, anualmente iam seus pais 5 a Jerusalém, para a Festa da Páscoa. Quando ele atingiu os doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa".

Texto 12
Mateus 13.54-58
. "E, chegando à sua terra, ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se maravilhavam e diziam:
— Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos? Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto?
E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles". O mesmo diálogo é reproduzido, parcial ou integralmente, por outros evangelistas: Lucas 4.22 — "Todos lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos lábios, e perguntavam: ‘Não é este o filho de José’?"; João 6.42 — "E diziam: ‘Não é este Jesus, o filho de José? Acaso, não lhe conhecemos o pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu?’"; Marcos 6.3 — "Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Não estão aqui conosco as suas irmãs?” E ficavam escandalizados por causa dele".

JOSÉ, O HOMEM QUE OUVIA ANJOS

Numa palavra, podemos definir José como o homem que ouvia anjos.

Temos muito a aprender com ele.

1. José era um homem atento à voz de Deus.
Todas as importantes decisões tomadas por José foram orientadas por Deus, que usou sonhos e emissários (anjos) para lhe falar. 6
A atenção que José deu a estes meios de comunicação mostra que ele conhecia as Sagradas Escrituras, sabendo como Deus age.
Ele não tomava decisões a partir de uma visão autossuficiente da vida. Sua visão incluía a dimensão do transcendente. Para ele, Deus existe e age; Deus ouve e responde; Deus está atento e intervém.
José está num patamar diferente de uma perspectiva secularizadora da vida. Ele considera a transcendência como fazendo parte da nossa vida.
Como ele, precisamos considerar que a vida não é apenas esta. Precisamos partir do pressuposto que não estamos sozinhos. Precisamos buscar a orientação de Deus para as grandes e para as pequenas coisas da vida.

Deus era o centro de sua vida. A partir desta visão, surgem outras características de José.

2. José era um cidadão cumpridor dos seus deveres.
Quando saiu a ordem para a alistamento compulsório na sua terra de origem, José pôs os pés na estrada. Teve que levar Maria. Não podia deixar uma mulher grávida, sozinha e desprotegida.
Se foram numa caravana, como era comum por razões de segurança, demoraram quatro dias para percorrer os 160 quilômetros entre Nazaré e Belém. Se foram sozinhos, parando aqui e ali, demoraram bem mais, talvez umas duas semanas.
Havia riscos, mas era um cidadão que precisava cumprir seus compromissos. Ele não usou as dificuldades para se eximir de suas responsabilidades.
Ele sabia que ser um cidadão não implica apenas em pensar nos direitos, mas nos deveres também.
É verdade que não temos muitos estímulos para votar ou pagar nossos impostos. José tinha muito menos estímulo. A ordem viera do império, que pouco interesse tinha pelas pessoas de Israel. Alistar-se era um dever e foi se alistar.

3. José protegeu seu filho.
Desde que soube que sua mulher estava grávida, e não era dele porque gerado pelo Espírito Santo, José tomou uma série de atitudes para proteger o bebê e depois o menino.
Quando Maria deu à luz ao menino, ele estava ao lado deles (Lucas 2.16).
Quando a vida do menino foi posta em risco, ele fugiu com ele para o Egito.
Quando voltou para Israel, buscou o lugar mais seguro para seu filho.
Quando deu falta do garoto nas estradas próximas a Jerusalém, voltou para buscá-lo.
Imaginemos como a vida profissional de José foi prejudicada, mas ele não levou em conta estes problemas. O que importava era proteger seu filho.
Ele protegeu seu filho até dos comentários do povo. Jesus não era seu fio biológico, mas ele guardou este segredo. Por isto, o povo dizia que Jesus era seu filho. José o adotou integralmente. (Neste sentido, José pode ser considerado o patrono dos pais adotivos.)
José é um exemplo para todos os pais. As crianças precisam de pais que as protejam.

4. José era um homem atento ao seus tempo.
Às vezes, seguimos o estereótipo que uma pessoa antenada com Deus é alienada dos homens.
José demonstra que se trata mesmo de um estereótipo. Ele ouvia os anjos. No entanto, quando o anjo lhe revelou que Herodes tinha morrido, ficou atento aos fatos. Atento, soube que o irmão de Herodes estava no poder numa certa região de Israel. Por isto, buscou outra região para se estabelecer.
José era também um homem atento ao seu tempo. Num tempo sem rádio, televisão, jornal ou internet, usou algum outro meio (talvez a pesquisa oral) para se informar, estando no estrangeiro (Egito), antes de voltar.
Estar atento ao seu tempo também lhe cabia, tanto quanto lhe cabia buscar a orientação de Deus. Parodiando Karl Barth, podemos dizer que um cristão deve se ajoelhar (para orar) sobre as páginas do jornal do dia.

5. José vivia do seu trabalho.
José era conhecido em sua comunidade (Nazaré) por sua profissão. Ele era "tekton", uma palavra comumente traduzida como carpinteiro, mas que pode significar também qualquer profissional que usava madeira para fazer artefatos ou construir casas. Há menção também de que o termo era sinônimo de "sábio". Possibilidades à parte, "carpinteiro" é uma boa tradução e indica que, como provedor da família, José vivia do seu trabalho.

6. José honrou sua esposa.
Quando soube que Maria estava grávida, José ficou ao seu lado e não coabitou com ela (Mateus 1.25). Ele sabia que aquela era uma gravidez especial. Não tocou em Maria. Depois do nascimento de Jesus, tiveram outros filhos e filhas. 7
Podemos inferir que, neste tempo de abstinência, José não procurou outra mulher para se relacionar sexualmente. Também nesta condição honrou sua mulher. Foi-lhe fiel, mesmo não tendo relações sexuais com ela.
É triste que, homens (principalmente homens) e mulheres, quando os cônjuges não podem atender aos seus desejos sexuais, procuram outros parceiros, achando-se certos diante da dificuldade do seu marido ou esposa. Não por acaso é tão grande o número de divórcios.
José não se colocou acima de sua família, que estava acima de seus interesses e suas necessidades.

7. José pastoreava sua família.
Quando chegou o tempo de o menino ser circuncidado (ao oitavo dia de vida), José cumpriu seu dever de líder espiritual da família. Quando chegou a hora de ir ao templo para consagrar o menino (aos 40 dias).
Por ocasião da Páscoa anual, José levava sua família ao templo em Jerusalém, embora morassem longe em Nazaré (a 155 quilômetros).
Todas estas ações estão documentadas no Novo Testamento
José era o pastor de sua família. Ao tempo do Jesus menino, era José quem tomava a iniciativa.
Ainda hoje os pais são os pastores de seus filhos. Não tempos a opção de ser ou não ser pastor. Temos apenas a opção de ser um pastor bom ou pastor ruim. Pastores somos sempre, se temos filhos.

8. José ponderava para decidir.
Diz-nos a Bíblia que, diante do fato extraordinário da gravidez especial de Maria, José "ponderava nestas coisas" (Mateus 1.20).
Ele não agiu por impulso. Ele pensou antes de decidir.
Ele não agiu com raiva. Se agisse ficaria com raiva de Maria, poderiam denunciá-la como adúltera, o que lhe poderia trazer a pena de morte como castigo.
Quanto a nós: como temos agido? Temos ponderado (pensado) ou explodido?

9. José era um homem justo.
O resumo do caráter de José é inspirador: ele era, como Jó, um homem justo (Mateus 1.19).
"Justo" aqui é uma qualidade moral. José era alguém que procurava fazer as coisas direito (como está na Nova Tradução na Linguagem de Hoje).
Que resumo o evangelista faz!
Podemos nós também ser chamados de justos?
Justo é quem faz o que diz.
Justo é quem considera Deus como o centro de sua vida e age coerentemente a partir disto.
Justo é quem não vive apenas atrás dos seus direitos, mas cumpre também os seus deveres.
Justo é quem pondera antes de decidir.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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1  Trata-se de uma citação de Isaías 7.14b: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel".
2  A melhor tradução para "hospedaria" ("kataluma") é quarto de hóspede.
3  O sujeito da oração aqui é José e Maria, tendo a José cabido, conforme a prescrição da lei, o papel de buscar um "mohel" (homem que fazia o corte no prepúcio do menino) para providenciar a circuncisão.
4  Citação de Oseias 11.1.
5  Isto é: Maria e José.
6  É interessante a semelhança entre este José e o José do Egito: ambos davam importância aos sonhos e Deus usou isto para se relacionar com eles.
7  Para justificar a ideia que Maria continuou virgem o resto da vida, sugerem alguns que os irmãos e irmãs referidos nos Evangelhos sejam seus primos ou meio irmãos. No entanto, esta possibilidade não existe. A palavra usada para o parentesco ("adelfoi") não deixa dúvidas de que eram mesmo irmãos.