O que precisa ouvir uma mulher com câncer ou um pai com uma filhinha com uma síndrome que a impedirá de se desenvolver ou um irmão cujo irmão tombou esmagado ao lado da carreta que dirigia?
Todos precisam ouvir que o câncer numa jovem mãe tem uma causa natural, que a deficiência motora permanente de uma criança tem uma causa natural, que um acidental fatal com um parente tem uma causa natural.
O câncer não é um "espírito imundo" posto por Satanás para perturbar (pelo que abomino a leitura literalista da Bíblia); a deficiência motora não é um castigo divino para um eventual pecado no passado (pelo que abomino a ideia do carma) ou dos seus pais no presente (pelo que abomino o pseudocristianismo que faz de Deus um sádico); um acidente mortal não foi uma fatalidade (pelo que abomino todo tipo fatalismo) com uma embutida lição a ser aprendida pelos familiares do morto.
Há cânceres que conhecemos suas causas (e devemos fazer o que estiver ao nosso alcance para impedi-los) e cânceres que ainda não conhecemos os fatores que os provocam. O fato de não conhecermos as causas de alguns tipos de câncer não os coloca numa dimensão espiritual, como se fossem parte de alguma trama divina.
As síndromes que acometem crianças e adultos (como o autismo, a esquizofrenia ou a esclerose múltipla) são resultados de algum malfuncionamento cujas causas são intrínsecas e não extrínsecas. Suas causas não estão fora do corpo-mente, mas dentro, mesmo que pouco conhecidas ainda. Não há qualquer metafísica em seu aparecimento.
Um acidente com vítimas (inclusive por meio de balas de fontes desconhecidas) tem causas naturais, algumas previsíveis (provocadas ou potencializadas, por exemplo, por prefeitos que não recolhem os lixos das suas ruas e que deviam ser presos por isto) e outras também naturais, embora perceptíveis apenas pelo estrago que fazem.
Deus não tem nada a ver com isto.
São coisas humanas.
Deus entra na história, se o convidamos, para evitar (e raramente disto ficamos sabendo, já que ele não faz marketing de suas intervenções) ou para confortar (através de pessoas que tomam as dores dos outros como sendo suas e se tornam parceiras de Deus no cuidado e na amizade para com as vítimas ou pelo senso de esperança que inocula em seus corações).
Algumas respostas inaceitáveis parecem vir da Bíblia, onde lemos que Jesus expulsou espíritos imundos e que Deus castiga os pecadores e seus descendentes. Destas ideias, aparentemente bíblicas, trataremos posteriormente, se Deus nos permitir.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO