Abaixo os “amigos” de Jó, 3

Ainda assim ouviremos que as doenças (digamos) físicas têm origem espiritual.
Então, se buscarmos, encontraremos até mesmo respaldo bíblico. Lucas narra um encontro taumaturgo de Jesus (Lucas 13.10-17). Foi com uma mulher que tinha uma escoliose severa, que a impedia de ficar ereta.
Sua doença a acompanhava nos seus últimos 18 anos de vida. Médico, Lucas gosta de mostrar o tempo em que o paciente sofre.
Era um dia de culto: sábado. Jesus era o escalado para pregar naquele dia. Era um dia só de celebração, impedido qualquer trabalho, inclusive o de impor as mãos para curar.
Compassivo, Jesus não se importou com a regra. A vida é mais importante que a regra. A vida é para ser preservada e defendida.
Lucas, ao fazer o diagnóstico, parte das crenças da mulher. Na anamnese a quem foi submetida, disse que a sua doença lhe acometera porque um espírito a mantinha nesse estado. As pessoas criam nisto naquela época, como criam que anjos faziam borbulhar as águas de um lago para dispensar a cura (João 5.4).
Aquela senhora, além de sua dor física, carregava ainda o sofrimento moral: culpada, culpada por permitir que um espírito (no caso, demoníaco) perturbasse a sua vida.
No entanto, quando Jesus intervém, não expulsa o espírito. Ele livra a  mulher da sua doença.
Aquela mulher precisava de saúde, não de discurso. Jesus preferiu esperar que, com a cura, sua crendice caísse no desuso.
Tinha ela uma teologia errada, que Jesus corrigiu com ações ("você está livre" + "impôs-lhe as mãos", curando-a). O discurso ficou para outro grupo, o dos fariseus, que não se importavam com a dor do outro. Para eles, a religião estava acima da vida.
Jesus tinha uma teologia certa, um senso de oportunidade e uma misericórdia imensa.
Assim, o texto (raro, neste sentido) parece sugerir, como fazem muitos ainda hoje, que as doenças são de fundo espiritual. A atitude de Jesus, como vimos, nega esta possibilidade.
Lucas selecionou este milagre, entre os tantos praticados por Jesus, para mostrar que o sistema religioso, criado para fazer viver, também pode matar.
Quem usa este texto para "provar" a natureza espiritual das doenças físicas perde o melhor dele, que é nos convidar a ter a mesma atitude compassiva de Jesus. Ele estava na sinagoga para pregar mas, diante daquela mulher, ele tomou a iniciativa. Jesus a chamou. Não foi ela (como no caso da mulher com um problema hematológico) quem o tocou. Foi Jesus, desta vez, quem tocou em seu corpo torto, corpo que muitos evitavam. Talvez sequer esperasse cura, estando ali apenas para adorar. Ela adorava a Deus em meio à sua tragédia pessoal. Quando foi curada, explodiu em adoração.

[FIM]
ISRAEL BELO DE AZEVEDO