Mateus 22.34-40 — AMANDO CORRETAMENTE (André Aguiar Lisboa)

Jesus demonstra autoridade em seus ensinos. As respostas que ele oferece aos saduceus e fariseus soam desconcertantes. O grupo dos fariseus desejava testá-lo mais uma vez pois seus rivais saduceus não tiveram sucesso. Escolheram um mestre entre eles que, a seus olhos, seria capaz de armar a cilada para Jesus. “Vamos pegá-lo no contrapé, confundi-lo”, diziam! “Vamos dar uma rasteira neste charlatão”, “Puxemos o tapete deste falso mestre que se diz filho de Deus”.
A resposta de Jesus é uma de suas falas mais conhecidas. Escolhi este conjunto de versículos para estudar e cheguei a esta mensagem que compartilho agora: Como podemos amar a Deus, ao próximo e a nós mesmos corretamente?

Amando a Deus totalmente
O primeiro e grande mandamento que Jesus recorda, baseado em Deuteronômio 6.5 era o de amar a Deus sobre todas as coisas, com todas as nossas forças e com nossa vida. Esse, juntamente com o outro mandamento que o segue, são o resumo de todas as outras ordens da Lei. 

Zelo pelas coisas de Deus, mas não excesso de zelo
Geralmente confundimos o amor a Deus com um zelo desmedido pelas “coisas de Deus”. Tendemos a pensar e a agir religiosamente. Quando algo ou alguém se opõe à nossas próprias normas religiosas, ligamos a sirene do nosso excesso de zelo e defenestramos o cara ou rotulamos como não espiritual, não aceitável, não divino. Daí damos vazão aos mais obscuros preconceitos. Zelo pelas coisas de Deus foi a marca de Jesus (lembre-se do que ele fez no templo com os comerciantes que desejavam tornar a Casa de Oração em mercado – Mateus21.12-13). Ele também disse que deveríamos cumprir toda a lei, mas não como os fariseus. Todavia excesso de zelo é pecado, uma vez que não enxerga a essência da religião, mas vive desconfiada de suas formas. Os fariseus do tempo de Jesus haviam aprendido a Lei, mas ela ainda não estava em seus corações. Uma das marcas do excesso de zelo é nos preocuparmos mais com as falhas alheias do que com as nossas. Outra marca é a religiosidade sem sentido. Tiago entretanto nos diz que a  verdadeira religião é a prática de amor: “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo” (Tiago 1.27).  

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama” (João 14.21): Amar e obedecer como sinônimos
Em seu último e grande discurso aos discípulos Jesus enfatiza o elo entre obediência e amor. Quem ama a Deus obedece. Os cânticos atuais, com tanta ênfase na paixão por Deus são imprecisos quando a ideia é obediência. Não adianta respirar Deus, ser apaixonado, fascinado, envolvido e encantado, dar rodopios e revirar os olhos por Deus se não o obedecemos. David Wilkerson diz: “Estou cansado da música que faz jovens pularem ao invés de dobrarem seus joelhos.” Quem ama a Deus deve levar em conta que ele espera de nós que guardemos seus mandamentos. Mas para obedecer a Deus é necessário saber o que ele quer de nós. Portanto o conhecimento das escrituras, mesmo da lei de Deus é fundamental. Os fariseus que questionaram a Jesus sobre o mais importante mandamento conheciam a Lei, mas ela ainda não havia descido de sua mente para o coração. “Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o SENHOR: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.” (Jeremias 31.33). A lei de Deus já está escrita no seu coração? Ou você ainda se guia pelos seus próprios impulsos?  

O amor a Deus não é apenas sentimento, é uma atitude
Amor em nossos dias é entendido como sentimento. Mas sentimento dá e pode passar, não é mesmo? Quem ontem estava contente, hoje chora. Quem vive ansioso poderá em pouco tempo gozar de tranquilidade. Sentimo-nos as vezes dentro de um mesmo dia alegres, tristes, desanimados, confiantes, sombrios, eufóricos ou medrosos. Se amor fosse um sentimento (que dá e passa) nossos casamentos não poderiam ser baseados nele. Amor é mais. É uma atitude diante da vida. É uma escolha, não um sentimento. O amor de Deus não esmorece diante de nossos pecados. Ele “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (1Coríntios 13.7) Por que? Porque Deus escolheu nos amar. Essa foi a atitude dele em relação a nós, perdoando nossos inúmeros pecados. Amor é uma atitude de ir até o fim. Como vai seu amor a Deus quando ele parece ausente? Há em sua vida uma escolha pela santidade? 
 
Amando ao próximo sacrificialmente
Para todos nós o exercício de amor ao próximo é sacrificial. Sobretudo quando não nutrimos simpatia natural por alguém. Jesus diz que o segundo mandamento é “semelhante” ao primeiro. Por isso não dá pra amar a Deus se não amarmos também ao nosso próximo. Dúvidas sobre isso? Leia a primeira epístola de João, capítulo 4.

Do isolamento à solidão da alma
Historicamente o cristianismo passa por diversas fases. Uma das mais marcantes que se repete vez por outra é aquela que afirma que no isolamento silencioso está a garantia de intimidade com Deus. Há uma boa dose de verdade nisso. Mas não é no isolamento definitivo que encontramos Deus. O movimento monástico cristão cria nisso. Esses monges, ascetas e ermitões começaram sua marcha rumo ao isolamento no deserto do Egito no século III. A Bíblia todavia é pródiga em nos mostrar Deus na vida do outro. Jacó olhou para Esaú e viu sua face como a face de Deus. Não é em nossas fugas que encontramos a Deus. Ele se manifesta nas relações de amor.
“Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeito o seu amor. ” (1João 4.12).
Henri Nowen nos ensina que a solidão precisa ser cultivada para que nossos encontros sejam significativos. Mas solidão é um movimento dinâmico do meu interior para o do outro, diferente do isolamento que ergue muralhas intransponíveis.

Amar o amável é fácil. Difícil mesmo é amar o detestável
Não raro ouço a seguinte expressão: “Me chatearam, não faço mais parte deste grupo”. A incidência desta ideia relacionada à vida na igreja é assustadoramente crescente. As pessoas que experimentam desprezo ou que não concordam com o tratamento que receberam na comunidade cristã tendem a desistir dos relacionamentos. Ou mudam de congregação, para uma que aparente o ideal de perfeição (de longe somos todos perfeitos, não é mesmo?). Ou abandonam de vez a Igreja, tentando viver com Jesus sozinhos (o que convenhamos é impossível, por que ele está onde estão dois ou três ao menos).
Acontece que gostamos de amar nossos amigos. Nossa dificuldade nunca é amar as pessoas de nossa preferência, as limpas, bondosas e polidas conosco. Esses são os amáveis. Mas não há mérito algum em amá-los. O mérito está em amar o que é desprezível, detestável e que não concorda com nossas opiniões. Amar quem me machucou. Amar quem não merece meu perdão. Mas sou convocado a dá-lo de graça, sem merecimento mesmo. Para amar quem nos ama não é preciso muito esforço. Para amar quem nos detesta é necessário o sobrenatural. É milagre! Aprendemos com Deus por que ele ama inclusive quem o detesta.
Amar é pagar um preço. Jesus esvaziou-se. Ele pagou o preço. Você seria capaz de esvaziar-se por alguém?

Sermão do monte: “reconcilie-se e depois traga sua oferta para o altar” (Mt 5.23-24)
Uma de nossas tendências é pensar que basta relacionarmo-nos Jesus para experimentar o amor. “Meu negócio é entre mim e Deus” dizemos constantemente. Mas Jesus diz que a adoração que agrada a Deus pressupõe a paz com meu próximo. Não há oração quando falta perdão. Não há adoração em um coração rancoroso. Deus não dispõe a se envolver com quem não quer envolvimento com as pessoas. Entre pedir perdão a Deus (essa era essencialmente a adoração na Antiga Aliança) e perdão ao próximo, Jesus afirma que o mais urgente é reconciliar-se com o próximo. Para isso precisamos vencer nosso orgulho. É difícil pedir perdão. Às vezes é mais difícil ainda perdoar. Mas esse é o pressuposto para amarmos a Deus. “E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão.” (1João 4.21). Não quer dizer que você precise ser amigo de todo mundo, nem dá pra ser. Intimidade verdadeira é para poucos. Mas “quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (Romanos 12.18).

O meu próximo como imagem de Deus
Uma das mais belas expressões bíblicas é aquela de Gênesis 1 que afirma que fomos formados à imagem e semelhança de Deus. Todo ser humano assim o é. Refletimos esta imagem de Deus quando nos reconhecemos seres espirituais. Também possuímos razão como Deus possui, discernimos entre bem e mal, somos seres morais. Mesmo as pessoas com necessidades físicas ou doenças mentais refletem esta “marca de Deus” que apenas o ser humano possui em toda a criação. É isso que confere dignidade a todos nós. Podemos entender portanto porque Deus abomina tanto a indiferença entre seus filhos. Quando alguém odeia, aborrece, ignora seu próximo o está fazendo contra o próprio Deus.  

Amor como prova de maturidade
Paulo escreve sobre o amor:“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino” (1Coríntios 13.11).
Desde a infância me questionei o motivo pelo qual este verso estaria ali no meio de um texto sobre o amor. Quando crianças somos incapazes de olhar além do nosso próprio umbigo e dos nossos interesses – salvo exceções! Eu não fugia à regra. Mas quando amadurecemos tornamo-nos mais sensíveis ao próximo, às suas necessidades e aprendemos a amar. Só é possível amar alguém que conhecemos. E somente num passo de maturidade em direção ao outro seremos capazes de conhecê-lo além da superfície e amá-lo de fato. É possível manter várias relações de afeto ou simpatia sem, contudo, jamais dar o passo sacrificial do amor. O amor é consciente de si e sabe que precisará sofrer perda. Portanto quem é maduro e deixou as coisas de menino, ama. O problema é quando constatamos haver pessoas já com certa idade (biológica ou espiritual) que ainda continuam meninos em seus relacionamentos. Os meninos são autocentrados. Os que amadureceram são capazes de olhar para fora de si e para dentro dos outros. E mesmo com os defeitos , fraquezas e pecados alheios estão aptos a amar. Só seremos maduros quando amarmos nosso próximo de fato. Ouso afirmar que é mais fácil amar a Deus em sua perfeição do que amar as pessoas que nos cercam com suas misérias. Mas é amando estas pessoas que atestamos que de fato amamos a Deus. Todos sabemos João 3.16 de cor. Mas 1João 3.16 é o complemento difícil da promessa de salvação dada por Jesus a todo aquele que crê. Então vamos ao texto:
“Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos.”
Com temor e tremor a igreja de Jesus deve responder a esta verdade: “Que verdade  difícil… Que verdade extraordinária!”

Amando a mim mesmo equilibradamente
Há um pressuposto que não está tão claro em Mateus 22.39 “Ame o seu próximo como a si mesmo”. É que quem ama ao próximo precisa também se amar. Isso significa que minha visão do outro passa também pelo que eu entendo e enxergo em mim. Vejo o mundo e outras pessoas com lentes próprias.

Deixando o trono da vida: o menino e o pianista
Somos todos o máximo! Somos todos uns orgulhosos! E até que nos provem ao contrário, toda verdade, capacidade e glórias pertencem a nós mesmos. Quando era criança tinha aulas de piano. Lembro-me que a professora morava no Méier, onde nos ensinava toda sexta-feira à tarde. Éramos eu e meu irmão. A professora insistia que um bom pianista precisava praticar ao menos quatro horas por dia. Eu treinava 15 minutos por semana. Você deve imaginar: eu era um malandro de primeira! Minha mãe sempre nos incentivou a tocar. Lembro-me dos seus elogios quando eu conseguia executar uma peça inteira. Não estudava muito, mas até que me saía bem naquela época. Por causa daqueles elogios de mãe eu me achava demais! Não fui apenas um pianista medíocre e orgulhoso. Era uma criança orgulhosa. Então numa linda tarde mamãe comprou entradas para o Theatro Municipal. Era um concerto de piano. Sentamo-nos no balcão simples pois os dias eram dias difíceis. O concertista era um tal de Arthur Moreira Lima. “Nunca ouvi falar”, pensei alto. Ao ouvir os primeiros minutos daquele fabuloso pianista, senti um nó na garganta e uma impressão ficou em meu coração para sempre: “Ele é um pianista, eu não. Ele é bom, eu não”
Da mesma forma precisamos olhar para Deus e constatar: Ele é Deus, eu não. Amamos a nós mesmos em demasia quando tomamos o lugar que Deus deve ocupar em nós. E não raro fazemos isso.  
“Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória, por amor de vossa misericórdia e fidelidade.” (Salmos 115:1)
Para pensar: Você se ama demais? Se acha muito mais do que os outros? Acima da média? Está cheio de orgulho próprio e com o ego inflado? Então olhe para a cruz (Filipenses 2.3-11).

Abandonando a modéstia exagerada
Se uma auto-estima muito elevada foge dos padrões de uma auto-imagem equilibrada, entendo que alguém que vive se depreciando também não se ama equilibradamente.  Humildade exagerada não combina com a visão bíblica de Jesus manso e humilde. Há pessoas que não apenas são forçadamente humildes, como também não se amam. E na visão de Jesus, se eu não me amo não consigo igualmente amar a meu próximo uma vez que devo amá-lo como amo a mim mesmo. Precisamos cultivar uma auto-imagem equilibrada de nós mesmos. Somos filhos de Deus mas não reinamos no mundo. Por outro lado precisamos exercitar a humildade sem permitir que as pessoas nos pisem ou tirem vantagem por isso. Eu e você precisamos ter um amor próprio equilibrado baseados na ótica da cruz, prisma pelo qual Deus nos enxerga.

Reconstruindo uma identidade pela cruz
Quando nos comparamos com alguém fatalmente é para mostrar o quanto somos melhores ou o quanto somos piores que aquela pessoa. Nenhuma das duas visões, seja a do “crente orgulhoso” seja a do “cristão coitadinho” combina com a forma pela qual Deus nos vê. Somos pecadores redimidos. Somos preciosos aos olhos do Pai. Não medimos nosso valor nos comparando aos outros. Sequer nosso valor está em nossas concepções pessoais mais íntimas. Satanás tenta nos ludibriar para que tomemos o trono que pertence somente a Deus. Em outros casos a artimanha diabólica é nocautear sua auto-estima para que você se veja como menos do que é e viva se lamuriando. Todavia seu valor está no sangue de Cristo derramado na Cruz. Debaixo deste sangue você possui um valor eterno. O sangue de Jesus também nivela todo mundo, não importando cor da pele, escolaridade, filiação ou conta bancária. Por isso todos podemos nos amar reflexivamente e mutuamente. Porque Ele nos amou primeiro e nos ensinou a fazê-lo. Precisamos aprender a amar como Deus ama. E isso é projeto para a vida toda.