ONDE ESTÁ A BÊNÇÃO?
Salmo 103
Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 14.6.1998
1. INTRODUÇÃO
Estamos aqui, e temos estado, para sermos abençoados por Deus. A busca da bênção de Deus é uma constante em nossas vidas. Que seja sempre assim.
No entanto, o texto que lemos (salmo 103) nos diz que devemos abençoar a Deus. A expressão-chave é “bendize, oh minha alma, ao Senhor”, que podemos passar para “abençoa, oh minha alma, ao Senhor”.
O salmo 103 é um convite a que se bendiga a Deus por sua misericórdia, manifesta em benefícios testemunhados pelos seus filhos. O convite é dirigido a cada um de nós em particular (1-5), a todos os que o temem (6-18) e ao cosmo inteiro (19-22).
Hoje este salmo nos servirá para considerarmos a natureza da bênção de Deus. Quando Ele nos abençoa?
2. SOMOS ABENÇOADOS POR DEUS QUANDO NÓS O ABENÇOAMOS EM RESPOSTA AOS SEUS BENEFÍCIOS (1,2, 20-22)
Pedir a bênção de Deus é uma atitude própria dos homens. A bênção de Deus é uma decorrência do seu caráter.
2.1. Quando o salmista nos conclama a bendizer a Deus, está pedindo uma resposta. Nossa religião é uma resposta; foi Deus quem tomou a iniciativa de nos amar (1Jo 4.19). Bendizer a Deus é, em si, uma bênção de Deus. Esta é a primeira das bênçãos. Nós não o faríamos, se não fôssemos abençoados primeiramente por ele.
2.2. Quando o salmista reforça o convite (“tudo o que há em mim”), insiste que esta bênção deve envolver a totalidade do nosso ser e não apenas alguma de suas dimensões. A contemplação de seus benefícios nos permite ficar em silêncio ou circunscrever o louvor ao tempo em que estamos no culto. Nossa bênção a Deus é fruto de um desejo interno profundo.
É verdade, como escreveu Agostinho, que a bênção já saiu de nossa boca quando nos pomos a cantar louvores. Cantamos por um tempo e ficamos em silêncio; mas: podem nossos corações ficar silenciosos diante da bênção do Senhor?
Por isto, quando estamos na igreja e cantamos um hino, nossas vozes entoam louvores a Deus como podemos; quando deixamos a igreja, deixemos nossas almas louvar a Deus. Quando estamos envolvidos no trabalho de cada dia, deixemos nossas almas louvar a Deus. Quando estamos comendo, lembremos do que disse o apóstolo: `Seja no comer e no beber, faça tudo para a glória de Deus’. (…) Quando estamos dormindo, deixemos nossas almas louvar a Deus. Não deixemos que pensamentos ruins surjam; não deixemos que a maquinação do roubo se forme; não deixemos que os planos voltados para o erro nos envolvam. Que a nossa inocência enquanto dormimos seja voz das nossas almas. (Agostinho – tradução adaptada)
2.3. O pecado nos impede de vermos os benefícios de Deus.
De fato, só podemos ver os benefícios do Senhor se tivermos consciência de nossos pecados. (Agostinho)
2.4. Tendemos, erroneamente, a nos lembrar apenas dos benefícios grandiosos (espetaculares). [Digressão: nossa época é a do espetáculo e acabamos querendo um Deus espetacular, um culto espetacular. Só não queremos um compromisso espetacular…]
O salmista nos recomenda a lembrar de todos, não esquecendo nenhum, nem aqueles que Zacarias chama de “humildes começos” (Zc 4.10).
3. SOMOS ABENÇOADOS POR DEUS QUANDO RECONHECEMOS A SUA MISERICÓRDIA PARA CONOSCO (3-16)
Antes de pedirmos uma bênção a Deus, lembremos que já nos abençoou.
3.1. O salmista nos traz à memória o quanto Deus é misericordioso, para reforçar o convite a que nós o abençoemos (3-12)
. Ele olha para sua experiência pessoal (3-5) e vê que tudo o que era e tinha vinha de Deus:
— a salvação (3a – perdoando as iniqüidades);
— a força para vencer sua tendência para o mal (3b – curando as enfermidades, isto é: o perdão remove o pecado, mas não remove nossa tendência para o pecado);
— o livramento da depressão espiritual (4);
— a prosperidade material (5a – entendida como o suficiente para a vida);
— o vigor físico em meio a/depois da experiência da fraqueza (5b)
. Ele olha para a história do seu povo (da nossa igreja, da nossa família, podemos dizer) por meio da Bíblia (6-7) e nota que a sua justiça é radicalmente diferente da nossa:
— Ele é paciente (8 – sem a nossa pressa de fazer justiça…);
— não guarda (alimenta) as tristezas que lhe trazemos (9);
— não usa o nosso método (justiça retributiva) de fazer o bem (10-12).
Esta contemplação nos tira o medo do fracasso e põe em nosso lábio o louvor completo.
3.2. O salmista nos mostra que a bênção de Deus é sempre imerecida (14-16)
A descrição, perfeita descrição, que o salmista faz de nós não deixa dúvida que não merecemos ser abençoados por Deus. Antes, pelo contrário.
Embora nós sejamos o que sejamos, ou talvez por isto, ele nos faz justiça (a sua, não a nossa): isto é: Ele nos abençoa.
Logo, não é algo que possamos merecer, que possamos planejar, que possamos conquistar.
4. SOMOS ABENÇOADOS POR DEUS QUANDO NÓS O TEMEMOS (17-18)
Cumprimos o pacto que fizemos um dia com Deus, não recordando o pacto, pela memória, mas vivendo-o. Não basta conhecer (sentido racional), é preciso pôr em prática (sentido existencial) a aliança.
4.1. O salmista nos mostra que precisamos ir além da memória (18)
Não basta contemplar as ações de Deus em nossas vidas, na historia e na natureza. Precisamos transformar a memória em algo que invada o nosso ser por inteiro.
4.2. De nós só é pedida a fé, para sermos abençoados (17)
Uma certa teologia do pacto diz que, se cumprirmos a nossa parte no pacto com Deus, Ele cumprirá a sua parte. No entanto, só precisamos temer ao Senhor. A fé não é uma cara diferente para as obras. A fé (abandono de si mesmo, negação de si mesmo, temor ao Senhor, etc.) é muito difícil; a obra (ação humana) é fácil.
[EXCURSO: Não estamos nós colocando a fé em segundo plano (isto é: em plano nenhum), contentando-nos apenas com as obras. Não pode ser o nosso culto (este culto que prestamos a Deus) uma forma de obra? — DESENVOLVER]
O culto deve ser uma experiência de vida e não um intervalo em nossas vidas. Como pregava o pastor Tércio Gomes Cunha, na IB Tijuca (hoje Icaraí), “se você não trouxe Deus de casa, não vai encontrá-lo na igreja”.
Se o culto for uma expressão do seu bendizer a Deus, você o encontrará aqui, porque O trouxe consigo. O culto não é uma obra; é uma experiência de fé.
5. CONCLUSÃO
A bênção não é uma troca entre Deus e homem. Deus não faz negócio com o homem.
A bênção não é uma conquista humana, mas uma dádiva de Deus.
“Grita com tua voz, se há alguém para ouvi-la; cala tua voz, se não há ninguém para te ouvir. Nem sempre há quem que queira ouvir o que vai dentro de ti” (Agostinho)