POLICARPO DE SMIRNA: a glória da fogueira

Ser cristão não é fácil. Nunca foi.
Cada época tem suas próprias dificuldades. Hoje, por exemplo, quando você fala que é crente, logo lhe lembram os escândalos de alguns pastores famosos ou o exemplo de algum crente que pisou na bola.
Além do mais, nossa sociedade é bastante materialista. O maior importante é ter. E sem querer a gente entra na dança e o senhorio de Jesus Cristo sobre a gente vai pro espaço.
Na época forte do Império Romano, a dificuldade era outra.
Havia religião demais. Havia deuses para todos os gostos. O imperador, por exemplo, era uma espécie de deus também.
[Eles toleravam o Deus de Jesus Cristo. Os cristãos, por sua vez, toleravam a idolatria dos romanos, apenas porque respeitavam as autoridades. Em geral a convivência foi pacífica.]
Os romanos simplesmente ignoravam os cristãos. Em alguns lugares, os conflitos foram inevitáveis. Como o número de cristãos aumentava, isso incomodava.
Toda aquela porcaria religiosa era abandonada quando uma pessoa se convertia. Ela se tornava livre daquelas obrigações, inclusive de comprar certos prontos para a sua prática religiosa. Muita gente vivia deste comércio agora ameaçado. Ameaçados, reagiam.
O cristãos tinham uma frase que habitava seus lábios não só na hora do culto mas em todo o tempo e em todos os lugares:
— Jesus Cristo é Senhor.
A frase era muito forte, porque a crença geral era de que o imperador era o Senhor.
De certo modo, o próprio Império se viu ameaçado. Ameaçado, reagia.
Houve muitas vítimas.
Policarpo foi uma delas.
Esse cristão teve o privilégio de ouvir sermões da boca do apóstolo João, que era de Éfeso, uma cidade pertinho de Smirna. Policarpo ficou como pastor (naquela época usava-se a palavra bispo, para pastor) da igreja na sua cidade.
Sua influência, no entanto, foi além. Escreveu muitas cartas, das quais infelizmente só sobrou uma.
[Um de seus seguidores, o pastor Irineu de Lion, escreveu o seguinte sobre seu mestre:
— Eu posso descrever o lugar onde o abençoado Policarpo sentava e ensinava; suas idas e vindas; toda a rotina de sua vida; seu rosto; como ele falava da conversas que teve com João e com outros que tinham visto ao Senhor.]
Como pastor, Policarpo sempre esteve interessado em que os cristãos vivessem sua fé com simplicidade e coragem. Ele dizia que o fruto da fé em Cristo é uma vida de amor e pureza; o próprio Cristo dá o exemplo que os cristãos devem seguir. Ensinava também que os cristãos são cidadãos de um reino celestial e reinarão com Cristo se forem obedientes aos seus mandamentos. Para ele, os cristãos devem orar pelas autoridades políticas, mesmo quando estas os perseguem e os odeiam.
Como bispo, preocupou-se com a prática correta da doutrina e da vida. Lutou profundamente para que a essência da fé cristã não fosse distorcida.
Uma vez, ele foi a Roma. Aí discutiu com o bispo da cidade, Aniceto, sobre a data correta para a celebração da Páscoa. Os dois não chegaram a um acordo, mas ficaram tão amigos, que Aniceto lhe autorizou a celebrar a Ceia do Senhor na igreja da cidade. Para que ser duro? A data da Páscoa não era importante.
Com Marcião foi diferente. Marcião ensinava coisas muitas estranhas. Ele pregava, por exemplo, que o Deus do Velho Testamento não é o mesmo do Novo. Formou uma Bíblia só com algumas cartas de Paulo. E assim por diante.
Policarpo se encontrou com ele em Roma. Marcião foi logo perguntando:
— Você me conhece?
Policarpo não deixou por menos:
— Sim, eu o conheço. Você é o primogênito de Satanás.
Pouco tempo depois, Policarpo voltou para Smirna, onde foi morto.
Num livro muito antigo (`O martírio de Policarpo’), escrito por uma pessoa que viu tudo, sua morte é contada em detalhes.
Os cristãos estavam proibidos de cultuar a Deus, mas as autoridades faziam vistas grossas para eles. Se, no entanto, alguém os delatasse, as autoridades eram obrigadas a investigar. Alguns cristãos foram acusados de serem ateus.
Acredite, se quiser.
Os cristãos eram acusados de serem ateus por não adorarem os deuses romanos e orarem de olhos fechados. E eles oravam de olhos fechados para não terem que ver os muitos símbolos do politeísmo romano.
Eles queriam o líder. Eles queriam Policarpo. Aconselhado pelos membros da sua igreja, ele fugiu para uma fazenda. Quando foi descoberto, fugiu para outra. Aí, foi denunciado por um jovem que, sob tortura, contou onde estava o velho. Quando soube disto, Policarpo achou que as coisas estavam longe demais e resolveu se entregar. Descoberto, foi levado para a cidade.
Na presença do juiz, este lhe disse:
— Olhe bem a sua idade. Adore a César e diga: `Abaixo os ateus’.
Policarpo olhou para a multidão e, apontando para ela, disse:
— Abaixo os ateus.
O juiz ainda deu uma oportunidade:
— Rejeite a Cristo e eu te libertarei.
Policarpo respondeu:
— Há 86 anos eu O tenho servido e Ele nunca me decepcionou. Como poderei blasfemar contra meu Rei e meu Salvador? Já que tu estás inutilmente insistindo para que eu adore a César, parecendo não saber o que eu sou, deixe-me declará-lo com toda a clareza: eu sou um cristão. Se desejas aprender as doutrinas do Cristianismo, escolha um dia e te farei ouvi-las.
O juiz pediu-lhe para convencer não a ele mas a multidão. Policarpo não o fez, porque seria inútil tal o ódio que nutriam. O juiz ameaçou com as feras e depois com o fogo.
Assim, amarrado e enquanto o fogo o cercava, ainda orou:
— Senhor Deus Todopoderoso, graças Te dou por me considerares digno deste dia e hora, permitindo que eu tome parte no número dos Teu mártires, no cálice de Cristo, para a ressurreição da vida eterna.
Nós, cristãos, devemos muito a este homem, capaz de morrer para manter sua fidelidade ao seu Senhor.

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PRINCIPAIS MOMENTOS
Nome: Policarpo de Smirna
Nascimento: perto do ano 65
País: província da Ásia Menor, no Império Romano (hoje Turquia)
Cidade principal: Smirna (hoje Izmir — Turquia)
Livro: `Carta aos Filipenses’
Morte: perto do ano 155
Forma: queimado vivo numa fogueira
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PENSAMENTO
“Irmãos, escrevo estas coisas sobre a justiça, não porque a tenha alcançado, mas porque tenho me esforçado a realizá-la. Nem eu, nem qualquer outra pessoa, pode alcançar a sabedoria do abençoado e glorificado Paulo.
Ele, quando entre vocês, ensinou como denodo e aplicação a palavra da verdade na presença daqueles que estavam vivos. E quando ausente, escreveu-lhes uma carta que, se vocês estudarem cuidadosamente, perceberão que é uma forma de edificação na fé uma vez dada a vocês e que, se seguida pela esperança e precedida pelo amor a Deus e a Cristo e a nossos semelhantes, é a mãe de nós todos.
(…)
Perseveremos continuamente em nossa esperança e na seriedade de nossa justiça, que é Jesus Cristo. (…) Sejamos imitadores de Sua paciência. Se sofremos por Seu nome, nós O glorificamos.
(…)
Permaneçam, portanto, firmes nestas coisas e sigam o exemplo do Senhor, sendo firmes e constantes na fé, no amor uns pelos outros, desejando a companhia uns dos outros, juntos na verdade, demonstrando a paciência do Senhor em seus relacionamentos um com o outro, sem desprezar ninguém.”
(Epístola aos Filipenses, capítulos 3, 8 e 10)

ISRAEL BELO DE AZEVEDO