Memórias amargas podem deixar de ser amargas

Miroslav Volf é um teólogo croata, vivendo e ensinando nos Estados Unidos, foi alvo de intensos e criminosos interrogatórios quando prestava serviço militar na então Yugoslávia. Ele acaba de publicar um livro em torno perdão e sugere que é possível amar o malfeitor.
Eis, a seguir trechos da sua entrevista, reproduzida na Folha de S. Paulo:

O perdão não é simplesmente algo que se faz de uma só vez. Ele acontece quando nos movemos em espiral, por assim dizer, em volta da memória do fato que nos feriu. Perdoamos parte do que aconteceu, mas não o todo; perdoamos, e então retiramos nosso perdão em momentos de ira, e assim por diante. O perdoar é sempre um processo, e frequentemente um processo marcado por reveses inesperados. Não, nunca devemos dizer a um pai que ele “deve” perdoar nem pedir para outros para perdoar (embora seja verdade que “deveríamos” perdoar). O perdão é uma dádiva, e, se é dado, é dado livremente.

A memória de males sofridos confere energia e legitimação ao conflito. Ao mesmo tempo em que nos asseguramos de não nos expor à violência de outros, podemos fazer da memória dos sofrimentos que nos foram impostos pontes que nos unem aos outros e fontes de motivação para consertar o mundo.

Embora algumas terapias sejam contraproducentes, muitas são úteis -dentro de seus limites. Mas frequentemente elas não vão suficientemente longe. Por exemplo, elas frequentemente tratam apenas dos indivíduos, tentando ajudá-los a enfrentar as feridas que sofreram. Mas precisamos consertar também os relacionamentos, mesmo os relacionamentos que nos feriram. E nós mesmos não vamos nos curar a contento se nossos relacionamentos não forem consertados.

O perdão é o oposto da retaliação, mas não é oposto do castigo. Pode-se punir por outras razões que não apenas a de cobrar o castigo para compensar pelo mal feito. Uma pessoa pode ser perdoada e ainda assim cumprir pena! E uma coisa muito importante: o perdão não é o oposto da justiça. Perdoar significa afirmar o que exige a justiça, porque é afirmar que um malfeito aconteceu e que é um malfeito. É claro que perdoar também significa não nutrir ressentimento pelo malfeitor devido ao malfeito dele.

A não-recordação coroa o perdão. Depois de termos perdoado, depois de o relacionamento ter sido consertado, as memórias dos males que nos foram feitos perdem combustível emocional, porque não funcionam mais, e podem desaparecer.

O livro de Volf (“O fim da memória”) foi publicado no Brasil pela editora Mundo Cristão.

(Os assinantes da Folha ou do uol podem ler a íntegra da entrevista)