Livro: Josué Capítulos: 24 Versículos: 657 Tempo de leitura: duas horas A leitura de Josué e Juízes é uma das mais difíceis da Bíblia. Para lermos estes livros, precisamos nos despir de nossa modernidade, porque os valores ali presentes nos chocam. Além disso, só podemos entender essas obras com os livros do Novo Testamento abertos. Josué e Juízes são preâmbulos do Evangelho de João e da carta aos Romanos, por exemplo. Quanto especificamente ao livro de Josué, temos que voltar no tempo, como numa viagem a Jericó, e pensar com a cabeça das pessoas daquele tempo, não com a nossa. Na nossa, tudo é individual, inclusive a responsabilidade. Na nossa, os filhos de Acã não deveriam morrer; na nossa, os inimigos deviam ser poupados, vencidos na guerra; na nossa, pessoas de diferentes religiões devem conviver; na nossa, religião e política são reinos distintos e incomunicáveis. Se não queremos ser anacrônicos, precisamos saber que, na antiguidade contemporânea de Josué, a responsabilidade é comunitária, porque inexiste a ideia de indivíduo; assim, os filhos de um criminoso devem morrer juntamente com ele e os animais; os inimigos devem ser exterminado, jamais perdoados, para que sua extinção mostra quem é vencedor e ninguém sobre deles para continuar seus ideais e seus governos; em Israel, não poderia haver qualquer outro tipo de culto (religião) porque a identidade nacional era dada pela fidelidade do povo a Deus, o que se aplicava às outras nações com os seus deuses; este é o quadro em que se encontrava Israel na idade do bronze, quando religião e política não são duas faces de uma mesma moeda; era uma só face mesmo. Quando Lutero começou sua revolução (no seculo 16 da nossa era) ainda predominava um princípio próximo (“cujus regius, cujos religius” – “tal rei, tal religião”), significando que o povo devia seguir à religião do seu rei. Quando lemos Josué com os evangelhos ao lado, entendemos a grandeza da graça de Deus, manifestada em Jesus Cristo. Agora, o que deve prevalecer é a lei do amor, não a do talião (olho por olho, dente por dente). O que seria de nós sob o comando de Josué e não do de Jesus, conquanto ambos os nomes tenham a mesma raiz e o mesmo significado: Salvador? Mas Deus não é o mesmo, perpassa-nos a pergunta pela mente? Deus é o mesmo, mas sua revelação é progressiva. Ele tem um grande plano (que culmina na cruz, em que o sangue derramado não é o dos outros, mas o do Seu Filho). Para chegar lá, precisa agir de um modo que as pessoas entendam. Deus fala a linguagem da lei, mas seu negócio é a graça; Deus usa o recurso do sangue, mas seu foco é a misericórdia. Por isto, mesmo em Josué, encontramos lampejos de graça: como entender a história de Raabe, se não como sendo Deus piscando para o ser humano, como a dizer: tem mais pela frente? DATAS É neste contexto que surge o livro, cuja leitura nos desconcerta. Não sabemos quem escreveu o livro, que leva seu nome pelo fato de Josué ser a personagem central e talvez tenha determinado que fosse escrito, para que as futuras gerações soubessem. A questão da autoria de uma obra não tinha qualquer valor naquele tempo, algo bem diferentes da era dos direitos autorais. Não sabemos quando o livro foi escrito, mas não o foi tardiamente (no período exílico, como sugerem alguns), pelas próprias referências internas. Mais uma de uma vez, por exemplo, aparece a expressão “nos dias de hoje” (4.9, 5.9, 6.25, 7.26, 8.28, 9.27, 10.2713.13, 14.14, 15.63, 16.10, 22.3, 23.8, 23.9), época em que o livro foi escrito ou organizado. Não há consenso sobre a data da chegada dos hebreus a Canaã. Os achados arqueológicos ainda não são suficientes para uma decisão, podendo ter ocorrido no século 13 (por volta de 1230 a 1220 a.C.) ou no século 15 (por volta do ano 1400 a.C.) Há indícios que Jericó foi destruída em 1400 a.C. TEOLOGIA Josué é uma história de conquista. Não foi escrito apenas para registar os fatos, mas para ensinar, a partir dos fatos, embora nem sempre a lição seja apresentada em letras garrafais. O livro, assim, pretende ensinar que “o Criador de toda a terra (Salmo 24.1-2; 47.4) e singular proprietário da Palestina (Levítico 25.23) fez dos patriarcas os procuradores de uma terra apropriada para reis, que manava leite e mel (Deuteronômio 31.20). Deus prometeu dar a terra como herança permanente aos descendentes dos patriarcas (Gênesis 17.8; Êxodo 32.13). A ocupação da terra, a acontecer por etapas (13.1-7), foi deslanchada por Josué de forma impressionante. Foi, então, ‘loteada’ por Deus entre as tribos de Israel mediante sorteio (Númereos 33.50-54), e se tornou, assim, algo de que tinham posse inalienável, e que ninguém poderia lhes tomar à força. Somente os levitas não receberam terra deles mesmos; pelo contrário, ‘herdaram’ o próprio Senhor, abrindo caminho para a compreensão espiritual da herança (13.14)”. (WALTKE, Bruce K. Josué. Em: Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 360) A história contada mostra, então, a unidade do povo Israel, a partir da a unidade entre os fundadores da nação. Por isto, o autor insistemente associa Josué a Moisés e identifica o povo que encontrou em Canaã com aquele que saiu do Egito. Sob esses dois líderes, o povo “viu as impressionantes maravilhas do Senhor no Êxodo e na conquista (24.7,17) e entrou em aliança com ele” (WALTKE, Bruce K., op. Cit., p. 361). Esta aliança deve ser cumprida pelo povo, por meio da fé em Deus, que implica em obediência à Sua lei. Sob este pano de fundo e sob a perspectiva da história que se desdobraria com a chegada do Messias, entendemos a guerra travada contra os outros povos. Israel foi um instrumento de juízo sobre esses povos, que não alcançou Raabe, porque ela se arrependeu. A destruição era necessária para preservar Israel da contaminação. O povo não podia correr riscos. TEXTOS DIFÍCEIS Josué 7 (A