Em 2006, a revista ENFOQUE publicou a seguinte entrevista com o pastor Israel Belo de Azevedo, mantenedor deste PRAZERDAPALAVRA. Eis a entrevista. ENFOQUE – Como teve início sua aventura pelo mundo das idéias? Como passou a expressar seus pensamentos por meio da escrita?ISRAEL BELO – Aprendi a ler aos nove anos, por motivo de saúde. Como eu tinha uma otite média crônica, com crises periódicas e com longas internações, não pude freqüentar escola antes. Minha irmã foi quem me alfabetizou. Logo depois, ganhei um livro de poemas (Canções da primavera) e também passei a escrevê-los. Comecei, portanto, pela poesia. No ginásio, com 13 anos, já no Rio de Janeiro, junto com outros colegas, fundei um jornal no então Instituto Batista Americano, chamado Fatos sem Fotos, numa paródia a uma revista de grande circulação nacional, de propriedade da família Bloch. Minha vocação era o jornalismo e o ensino. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em que fiz Comunicação, participei de publicações alternativas, sempre com poemas. Ainda universitário, fui incluído numa antologia de poetas cariocas. No final desses cursos, assumi a editoria de uma revista para a juventude batista (Mocidade Batista, depois Juventude Batista) e depois fundei outra só para estudantes (Campus). Em seguida, atuei como professor do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil nas áreas de História e disciplinas afins.A poesia foi se tornando marginal. Pratiquei traduções do inglês.E meu primeiro livro próprio foi de história (As cruzadas inacabadas: uma introdução à história do cristianismo na América Latina). Então, voltando ao começo da sua pergunta, posso dizer que me tornei escritor porque não podia ser um atleta. ENFOQUE – Que maiores dificuldades tem percebido para que indivíduos adquiram uma melhor formação e conseqüente elaboração de opiniões consistentes?ISRAEL BELO – Quem lê pode não escrever, mas quem não lê não pode escrever. Devia ser proibido. Tem gente que nunca leu um livro e quer escrever um. Quem quer escrever, seja em que gênero for, precisa ler muito, sobretudo poesia, crônica e ficção. Quando eu era filho de seminarista, um missionário guardou num porão toda a sua biblioteca, e eu me refugiava lá diariamente. Li todas as crônicas de Humberto de Campos.Nas férias, quando voltava para Vitória, li todas as obras de Machado de Assis. Li todo José de Alencar, Graciliano Ramos, Castro Alves. Li muito Érico Veríssimo, João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros. Só não li os estrangeiros, com exceção de Dostoievski e Fernando Pessoa, que não há como não ler.Quem quer escrever tem que ler muito, desbragadamente, desesperadamente. Nada substitui a leitura, o instrumento civilizatório por definição. Ver televisão sem ler emburrece. Ficar na internet sem ler emburrece. Tem que ler, ler, ler. ENFOQUE – A igreja evangélica está empenhada em oferecer um bom processo de formação, seja pessoal ou profissional?ISRAEL BELO – Entre as organizações sociais, a igreja é a que mais estimula a leitura e a formação das pessoas. Falo a partir do meu contexto. Civilização e protestantismo combinam perfeitamente pela exigência do livre-exame da Bíblia. Nos púlpitos que povoaram minha vida, a começar pelo pastor Saturnino José Pereira (em Campo Grande, Vitória), sempre houve estímulo à leitura. Ele era um grande orador, e seu sermão, do qual não entendia tudo, deixava claro que estudava para pregar. Sem falar no meu pai, que não era um estilista, mas tinha uma biblioteca notável para seu tempo e seu lugar. A igreja sempre foi estimulante para mim. Devo tudo a ela. ENFOQUE – Por que há ainda certa indiferença e acomodação por parte da própria igreja para com o péssimo conteúdo que muitos líderes fornecem às suas ovelhas?ISRAEL BELO – A televisão vem moldando nossa forma de ser, não apenas de comunicar. O meio televisivo é, por natureza, superficial. A imagem já vem pronta.O texto permite que o leitor imagine. A televisão tem moldado a cultura, transformando-a em entretenimento. A cultura do entretenimento tem moldado nossos cultos. Acho que o centro do culto é a pregação. E um bom sermão exige muito preparo. Um bom sermão precisa de 15 horas de preparo.É mais fácil ao pregador, então, apelar para a historinha ou para o grito, para a repetição de idéias. As igrejas devem liberar seus pastores de atividades burocráticas. Pastor é profeta. Profeta precisa de tempo para trabalhar com as palavras, para colocar o ouvido na boca de Deus. ENFOQUE – O que tem observado de precário e inadmissível no ambiente evangélico de hoje?ISRAEL BELO – Há precariedade no preparo. Estou convencido, por exemplo, de que quatro anos de estudo num seminário é pouco, mas tem gente oferecendo curso de formação pastoral ou teológica em semanas. É uma irresponsabilidade nutrida pelo ego. Um pastor mata tanto quanto um médico ou talvez mais. Uma cirurgia errada pode ter conserto. Uma alma ferida, muitas vezes, não tem salvação, tamanho o estrago, tamanha a culpa carregada. Precisamos de pastores com melhor preparo, para atender à sua comunidade e à comunidade que o cerca. O desafio no século 21 será pior que o do século 19. Esta precariedade deixa espaço para as tragédias da demonização da vida e da teologia da prosperidade, algumas desenvolvidas sem escrúpulo e para fins próprios de enriquecimento. Meu consolo é que com Deus não se brinca. ENFOQUE – Você já teve algum tipo de engajamento na esfera política, mesmo como militante?ISRAEL BELO – Nunca participei de política partidária, mas todo o universo batista me achava comunista, quando eu era jovem. Na universidade, tive um poema censurado pela ditadura, o que me tornou um herói em minha classe. Uma estupidez, já que o poema era muito ruim, como o é a maioria dos meus poemas.O ensaísmo livrou meus leitores de um péssimo poeta. Sempre postulei o envolvimento social da igreja. Meu primeiro livro, só publicado 30 anos depois (O que é missão integral – editora MK), propunha um envolvimento total nesta área. Ainda penso a mesma coisa. Mudaram as grifes (responsabilidade social, teologia da libertação e missão integral), mas precisamos da mesma preocupação,