Israel Belo de Azevedo Quando lemos o Antigo Testamento, pode nos acorrer a dúvida sobre que instrução (regra, mandamento) ali apresentada é válida para os cristãos de hoje. O tema do sábado parece razoalvemente resolvido, embora ainda alguns aponham perguntas, já que um dos textos do Pentateuco estabelece: “Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando-o nas suas gerações como pacto perpétuo” (Êxodo 31.16). Não faltam os que defendem a pena de morte com base na legislação mosaica do “olho por olho, dente por dente”. (Êxodo 21.12-27) Outros não ingerem alimento com gordura ou sangue (como chouriço ou galinha a molho pardo), por causa de prescrições como esta: “Este é um decreto perpétuo para as suas gerações, onde quer que vivam: ‘Não comam gordura alguma, nem sangue algum’” (Levítico 3.17) ou esta: “A vida de toda carne é o seu sangue. Por isso eu disse aos israelitas: ‘Vocês não poderão comer o sangue de nenhum animal, porque a vida de toda carne é o seu sangue; todo aquele que o comer será eliminado’”. (Levítico 17.14) Diante destas instruções, que fazer, se dizemos que a Bíblia é o nosso livro de conduta e crença? 1. Comecemos por lembrar que os cristãos não mais cogitam da validade da circuncisão (a despeito do que diz Gênesis 17.13 — “Com efeito será circuncidado o nascido em tua casa, e o comprado por teu dinheiro; assim estará o meu pacto na vossa carne como pacto perpétuo”), nem da continuidade da celebração da Páscoa, também ordenados como de valor perpetuo (Êxodo 12.14) e nem da permanência do hábito da pena capital para blasfemos ou adúlteros (que ainda existe em alguns países islâmicos), como determinado em Levítico 20.10: “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados”. Assim, para lermos com proveito o Antigo Testamento, devemos levar em conta alguns pressupostos, para nos emaranharmos nos equívocos. Para lermos com proveito o Antigo Testamento, devemos levar em conta alguns valores gerais, para não nos deixarmos prender na teia da confusão. 2. Precisamos ler TODAS as instruções do Pentateuco e não apenas ALGUMAS. No mesmo capítulo, por exemplo, que estabelece a pena de morte, estão as instruções sobre a escravidão, prática que horripila a todos. Se quisessemso, não poderíamos cumprir TODAS as instruções, porque seriamos presos. (O jornalista norte-americano A.J. Jacobs relacionou 700 regras e mostrou como é bizarro segui-las…) Lendo-as todos, notaremos que a maioria delas é transitória, isto é, tinha uma finalidade datado no tempo, para um fim específico, no caso, a sobrevivência do povo no êxodo do Egito a Canaã. Essas regras tratam sobretudo de higiene, segurança e adoração, para que o povo não ficasse contaminado com alimentos que não fossem saudáveis, para que o povo se autodizimasse com a violência desenfreada (daí a justiça retribuitiva do tipo “mata, morre”, com a conclusão: “se eu matar, morrerei; então, não matarei”) e o culto desordenado, centro no adorador e não no Adorado. Poderá alguém questionar: “mas não está escrito que alguns mandamentos são perpétuos?” Está. E o são, para que aquele povo, no seu contexto e no seu tempo. Os mandamentos de Deus são para ser cumpridos por aqueles a quem forem dados. 3. Precisamos ver se as instruções do Antigo Testamento são confirmadas no Novo Testamento. Os chamados “Dez Mandamentos” são referendados por Jesus, sendo apenas o sábado relativizado por Ele, que trabalhou (curou e ensinou nesse dia), para mostrar um princípio que não pode ser esquecido: o sábado foi feito para o homem e não o contrário (Marcos 2.27). O princípio por trás do sábado deve ser obedecido: precisamos de um dia de descanso; o dia do sábado é transitório, enquanto o princípio do descanso é perpétuo (seja sexta, sábado ou domingo). Ao tempo do Antigo Testamento os judeus também ofereciam “continuamente perante o Senhor todos os holocaustos, nos sábados, nas luas novas e nas festas fixas” (1Crônicas 23.31) No Novo Testamento, o nosso, é clara a instrução do apóstolo Paulo: “Não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado” (Colossenses 2.16-17b). Tomemos o caso da proibição de alimentos com sangue (Levítico 7.26-27). Os cristãos judeus e os cristãos não-judeus debateram este assunto bem no começo da história da Igreja. Os cristãos não-judeus concordaram em se abster da “comida sacrificada aos ídolos, do sangue, da carne de animais estrangulados e da imoralidade sexual” (Atos 15.29; cf. Atos 21.25). Em suas epístolas, o apóstolo Paulo adverte contra a idolatria e a imoralidade sexual, mas nada diz sobre sangue e carne de animais estrangulados. O entendimento implícito é que, se ele estivesse em território judeu, estava obrigado a se abster de ingerir alimentos com sangue e carnes de animais estrangulados, bem como outros rituais (Atos 21.26). Fora do contexto judeu, estas instruções não faziam o menor sentido, como não faz hoje. Essas eventuais práticas não têm nenhuma conotação religiosa no contexto brasileiro, como tinham no mundo hebreu. Em Gênesis 9.4, temos a mesma proibição, junto com a determinação da pena de morte (Gênesis 9.6). Em todos estes preceitos sobre o sangue, devemos levar em conta o princípio da sacralidade da vida e a dependência de Deus por parte do homem. Em todos os tempos, pessoas e grupos religiosos têm bebido ritualmente o sangue de animais, na busca de poder pessoal (algo como fechamento do corpo) junto aos seus deuses. Ao redor do Israel antigo, outros povos tinham estes rituais. Jesus, quando pede que tomemos o seu sangue, na sua Ceia, pede que o façamos de modo simbólico. Ele não tomou sangue e nem o deu a seus discípulos, substituindo-o pelo vinho(Lucas 22.20, João 6.55, 1Coríntios 11.25). A norma da não-ingestão de alimentos com sangue põe ênfase, portanto, na sacralidade da vida. 4. Precisamos compreender que TODAS as normas