QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? (Sorte ou destino?) As oito estatuetas do Oscar para “Quem Quer Ser um Milionário?” (“Slumdog millionaire”), do diretor britânico Danny Boyle, renderam diferentes comentários por parte dos críticos, que oscilaram entre os adjetivos “maravilhoso” e “péssimo”.Embora se trate de uma história bem-sucedida de amor, o filme põe em jogo uma questão: por que Jamal, o “cachorro favelado” indiano, virou um “milionário”, ao ganhar no programa de pertuntas e respostas o prêmio de 20 milhões de rúpias indianas, algo equivalente a 390 mil dólares (americanos) ou quase um milhão de reais (brasileiros)?O filme dá uma resposta simples: o sucesso de Jamal se deveu ao destino. “Está escrito” — é a explicação para sua vitória. Este tipo de determinismo é muito comum nos meios de comunicação de massa. No seriado televisivo “Lost”, de audiência mundial, o personagem John Locke é retratado como alguém que toma decisões como base naquilo que considera ser o seu “destino”. Muitos filmes, especialmente aqueles com heróis que salvam o planeta, são tributários do fatalismo. É como se a vida tivesse um script, do qual não se pode fugir, como não pode fugir o herói de “O curioso caso de Benjamin Button”, com sua vida transcorrendo ao contrario, mas transcorrendo seguindo o que estava predeterminado.No caso de “Quem Quer Ser um Milionário?, o autor do livro (“Sua Resposta Vale um Bilhão” — “Questions and Answers”, no original) em que se baseou o filme, Vikas Swarup, afirma ter uma perspectiva diferente da vida. Para ele, diferentemente do argumento da película, o triunfo do adolescente foi uma questão de sorte. Thomas (o nome de Jamal no livro), explica Swarup, “adquire conhecimento sem necessariamente estar atrás dele. E isso é algo que nos passa sempre na vida sem nos darmos conta. Ele teve sorte de tropeçar em coisas que lhe seriam valiosas no futuro. Mas será que isso não é comum a todos nós? E só precisamos prestar atenção no que nos passa diante dos olhos? Reparar nos acasos também é construir conhecimento. Ele sai vitorioso ao notar isso”.Temos aí, portanto, uma oposição de perspectivas. Evidentemente, não dá para se fazer uma filosofia ou teologia da história a partir desta obra de arte. Os autores (tanto do filme quanto do livro) colocam as suas posições muito claramente. Sobretudo, traçaram o enredo a partir destas perspectivas. Cabe-lhes ficar com as suas visões de mundo, que são (uma e outra) de muitas pessoas.No entanto, podemos nos perguntar: por que algumas pessoas são bem-sucedidas e outras não o são?Uma resposta recorrente é que a aparece num livro-filme lido-visto por milhões de pessoas no começo do século 21 (“O segredo”). Nele, Rhonda Byrne ensina que “aquilo em que você mais pensa ou se concentra se manifestará. Sua realidade atual ou sua vida atual é resultado dos pensamentos que você tem”. No ano em que eu nasci (1952), Norman Vicent Peale já dizia a mesma coisa no seu “O Poder do Pensamento Positivo”, que li aos 20 anos: “Mude seus pensamentos e você mudará seu mundo”. Eis o segredo da vida, nesta perspectiva: você terá o que desejar.Segundo o ideal de Doyle-Swarup, o favelado indiano (ou brasileiro) que não tiver sorte ou não estiver destinado a ser um vencedor continuará sendo um favelado, sem qualquer chance. Neste contexto, terá que fazer escolhas, como a que fez Salim, o irmão de Jamal. E nisto o filme é exemplar: a escolha de Salim levou à morte porque era um caminho de morte. E esta não foi a escolha de Jamal. Precisamos de uma perspectiva que nos distancie das visões de Danny Boyle ou de Vikas Swarup ou de Rhonda Byrne, por mais popularidade que tenham. 1. O futuro é o resultado de nossas escolhas. Das nossas e das dos outros.Temos dificuldade em aceitar o preço de nossas escolhas, as ruins, é claro. Temos mais dificuldade ainda em aceitar o preço das escolhas dos outros, com suas conseqüências sobre nós. Não importam as nossas dificuldades em aceitar os resultados das escolhas: é assim que a história se dá. Nós somos seres livres, mas isto inclui outras pessoas. Os exercícios das liberdades se realizam nos territórios dos conflitos. Pode ser mais cômodo conviver com a idéia de que as coisas estão “escritas”, porque elas nos eximem de qualquer culpa por escolhas de conseqüências ruins. Um dos momentos numinosos do líder Josué, no século 15 a.C., foi a sua pública declaração, dirigida aos hebreus: “Escolham hoje a quem irão servir, se aos deuses que os seus antepassados serviram além do Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra vocês estão vivendo. Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor” (Josué 24.15). Nós somos responsáveis por nossas escolhas, que nos afetam e também afetam aos outros. Os outros são responsáveis por suas escolhas que lhes afetam e nos afetam também. Enquanto escrevo estas linhas, escuto duas notícias vindas do Zimbabwe. Na primeira, o partido do presidente Robert Mugabe arrecadou 250 mil dólares para festejar o seu aniversário. Na segunda, o primeiro-ministro visita um hospital cujo CTI está fechado porque não tem 35 mil dólares para a reforma necessária. A escolha de Mugabe afeta a vida do seu povo, que o mantém no poder e sofre as conseqüências de seu apoio, não importa de fruto do medo ou da simpatia. 2. O futuro é o resultado de nossos esforços para a sua construção.Em todos os tempos o fácil nos seduz. Para que trabalhar, se podemos ganhar uma “bolada” na loteria? Para que nos esforçar se podemos participar de um programa tipo “Big Brother”, em que o prêmio é muita grana ou muita fama, passageiras ou não? No caso de um cristão, para que ficarmos ansiosos se Deus pode nos dar o que precisamos enquanto dormirmos, como aparentemente ensina o salmo 127.2? É bem verdade que, numa sociedade injusta e desigual, nem sempre o trabalho é justa e igualmente remunerado, como é verdade que alguns triunfam sem esforço e suor. Voltando ao salmo 127, o que