Folheei, recentemente, numa livraria, um livro sobre aforismos. Não comprei por causa do tratamento que deu a Jesus Cristo. No entanto, achei genial a idéia do autor. Em “O Mundo em Frase” (Rio de Janeiro: Objetiva, 2007), James Geary diz que um aforismo é capaz de expressar o que livros inteiros não conseguem e que nossas vidas são muito influenciadas por essas frases.Enquanto folheava outros livros (comprei dois, para um livro que estou terminando de escrever; a internet, rica, pobre também é), fui passando em revista os aforismos da minha vida.Quando era adolescente, li no quadro da sala da (minha) união de adolescentes na Igreja Batista da Tijuca (à rua Barão de Itaipu), um aforismo para o resto dos meus dias: “Um homem vale pelo que diz,diz pelo que pensa,pensa pelo que lê”. Nunca descobri seu autor, que no quadro não o puseram. Mas o aforismo me descobriu ou no aforismo me descobri. Eu já era um leitor, mas a partir daí eu me apaixonei. Fiz da minha vida uma vida de leitura: poesia, ficção, Bíblia, dicionário, gramática, crônica. Foi tanta a paixão que fiquei torto: nunca me interessei por música, cinema ou televisão. Livro pra mim é música, cinema e televisão. Mais tarde, ouvi, contente, o enciclopédico Darci Ribeiro dizer que o livro é um instrumento civilizatório por natureza. Devo a minha vida àquele aforismo, bendito aforismo e benditas as mãos que riscaram o quadro de giz com estas palavras. Por causa desta paixão, topei com Ludwig Wittgenstein. Não entendi nada, mas é muito bom ler autor que a gente não entende, como um exercício de humildade e como um desafio à profundidade. Mas li Wittgenstein (só a pronúncia do nome dele é uma aula…) por causa de sua biografia de obcecado pela precisão da palavra. Então, li dele que “O olho que tudo vê a si não vê”. Quanto mais vivo, mais certo estou da equidistância entre nossa capacidade de ver os erros dos outros e não perceber os nossos. O auto-engano (título de um livro de Eduardo Gianetti da Fonseca [Companhia das Letras], que não consegui terminar a leitura) é uma competência que todos temos. Esta nossa auto-ignorância (que Sócrates imortalizou ao dizer que sabia que nada sabia) me remete a outro aforismo, este sem autor como o primeiro: “Todo prazer tem seu preço”. Não sei como este aforismo entrou na minha vida, mas sei que não há bônus (prazer) sem ônus (peso). Erramos menos quando, na busca do prazer, pensamos nas suas conseqüências. Pecamos menos quando pensamos no salário do pecado. (Aliás, frasista como o apóstolo Paulo, nem Oscar Wilde, Mark Twain ou Chesterton, considerados os maiores, mas aí é concurso desigual: o autor da Carta aos Romanos tinha um parceiro simplesmente divino). Davi não pensou diante do corpo de Bate-Seba e que ônus pagou! José do Egito pensou diante do convite da esposa de Potifar e que bônus recebeu! O livro de Provérbios é um livro de aforismos, recolhidos por ordem governamental por todo o reino de Israel e somados aos da lavra do próprio governante que deixou a tarefa (Salomão). Ele tem tantos aforismos, mas um me povoa: “Suave é ao homem o pão da mentira, mas depois a sua boca se enche de pedrinhas” (Provérbios 10.17). O vulgo tem outro aforismo para dizer a mesma verdade: “a mentira tem pernas curtas”. No entanto, a mentira nos seduz, talvez por causa do seu bônus imediato. Posso ter certeza que a minha se encherá de pedras (maiores que aqueles que, para nosso desagrado, escapam para nossos pratos, em meio ao arroz e ao feijão), mas será que a certeza é a mesma para aqueles que convivem com tanta impunidade para os crimes cometidos pelos engravatados empodeirados encastelados nos palácios executivos, legislativos, judiciários e empresariais? Jovens, a Bíblia adverte: o pão da mentira é doce, mas, na boca, fica amargo depois. Esse pão não precisa ser experimentado; o aviso está dado. A corrupção é algo tão natural (somos todos filhos de Adão, aquele que aceitou uma propina intelectual de Satanás, desgraçando-se), que tem suscitado muitas frases. Para mim, a melhor delas é esta, de Robert Caso, escrevendo sobre a política norte-americana: “O poder não corrompe; o poder revela”. Aprendi muito recentemente esta verdade. Na verdade, não sei se Caso a criou ou a citou, porque a li depois na boca do Frei Betto, após sua experiência de conselheiro no governo federal. Autoria à parte, não é muito animador pensar que um corrupto ou corruptor apenas revelou o que é. Seria melhor pensar que ele se deixou levar por más companhias (como no outro aforismo do apóstolo Paulo: “As más companhias pervertem os bons costumes” — 1Coríntios 15.33); acontece que o coração não é nada animador, porque é mesmo enganoso (segundo o aforismo do extraordinário Jeremias [“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem o conhecerá?” — Jeremias 17.9], que logo informa a memória com outro, igualmente terrível: “Maldito o homem que confia no homem” — Jeremias 48.10). Memorizei Paulo e Jeremias desde cedo, junto com outro que eu achava que vinha do povo, até saber que veio de Jesus (Mateus 12.34), o Mestre maior dos aforismos: “A boca fala do que o coração está cheio”. E quem tem esperança no coracao vive em esperança. Então, quando diante de uma tarefa maior que minha capacidade, quando visitado por um sentimento menor que o Espírito Santo residente em mim, eu me animo com os convites de Jesus e sigo em frente, tendo na mente o aforismo de Martin Luther King Jr, certamente inspirado em Jeremias, que nos chama a correr com os cavalos. “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”. Quais são os aforismos da sua vida? ISRAEL BELO DE AZEVEDO