Efésios 5.31-32a: DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO

DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO

Efésios 5.31-32a

“Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Este é um mistério profundo”.
(Efésios 5.31-32a)

Tudo o que diz respeito à vida do cristão é discutido na Bíblia, que oferece orientação segura para todas as áreas da vida, às vezes indiretamente, mas sempre claramente.
O tema do divórcio e do novo casamento é destes tratados diretamente. Podemos até ter nossas opiniões (que geralmente não são nossas, mas do século em que vivemos), mas desejamos ser moldados pela Palavra de Deus, por uma questão de obediência e por uma questão de sabedoria ou bom-senso.

1. PRINCÍPIOS GERAIS
Antes de tratarmos do tema especificamente, precisamos reafirmar os princípios gerais para a vida familiar, neste contexto.

1.1. Em todas as questões da vida, inclusive na conjugal,  precisamos nos lembrar que fomos feitos para o louvor da glória de Deus.
O ideal de vida para o cristão está expresso em toda a Bíblia. Num deles, o convite é claramente apresentado: “Salva-nos, Senhor, nosso Deus! Ajunta-nos dentre as nações, para que demos graças ao teu santo nome e façamos do teu louvor a nossa glória” (Salmo 106.47).
Noutro texto, os cristãos somos definidos em função dessa glória a ser buscada como razão da própria existência: [Em Cristo] “fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua glória. Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória” (Efésios 1.11-14).
Este é o hedonismo que vale a pena. Viver para o louvor da glória de Deus é viver uma vida que testemunha Quem Deus é.

1.2. O casamento é a oportunidade estabelecida por Deus para a completação da vida por meio da complementariedade da união conjugal.
A narrativa da criação, ou melhor, do estabelecimento da união conjugal, não deixa dúvida para isto: “Assim o homem deu nomes a todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens. Todavia não se encontrou para o homem alguém que o auxiliasse e lhe correspondesse. Então o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e a levou até ele. Disse então o homem: `Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada’. Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gênesis 2.20-24).

1.3. O casamento é um compromisso para sempre. O ideal de Deus é a indissolubilidade do casamento. O casamento é para sempre. Este é o ideal de Deus.
A recomendação de Jesus é bastante clara: “Porquanto o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Marcos 10.9); “Assim já não são mais dois, mas um só carne. Portanto o que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mateus 19.6).

1.4. Fiel ao propósito da indissolubilidade da união conjugal, Jesus aboliu a lei mosaica que, por causa da maldade humano, acabou admitindo o divórcio por razões banais. À permissão mosaica, Jesus contrapôs um de seus divinos “eu, porém, vos digo”.
Além de ser injusta para com a mulher, que não tinha direito algum para se divorciar, a lei judaica banalizara o casamento, nos seguintes termos: “Se um homem casar-se com uma mulher e depois não a quiser mais por encontrar nela algo que ele reprova, dará certidão de divórcio à mulher e a mandará embora.  Se, depois de sair da casa, ela se tornar mulher de outro homem, e este não gostar mais dela, lhe dará certidão de divórcio, e a mandará embora. Ou se o segundo marido morrer, o primeiro, que se divorciou dela, não poderá casar-se com ela de novo, visto que ela foi contaminada. Seria detestável para o Senhor. Não tragam pecado sobre a terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança” (Deuteronômio 24.1-4).
Jesus reconhece o esforço de Moisés, ao procurar preservar a mulher. Naquela época, uma mulher separada, quer dizer, abandonada, não tinha sequer como sobreviver, porque a sua sobrevivência se dava no interior do casamento. Diante de situações concretas, Moisés queria que, pelo menos, diante do inevitável, que a mulher pudesse ficar liberada para um novo casamento.
Jesus também tem o mesmo interesse e, por isto, é ainda mais radical, sempre pensando na proteção das mulheres. “Foi dito: ‘Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de divórcio’. Mas eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério” (Mateus 5. 31-32).

1.5. Longe da banalização verificada na prática do Antigo Testamento, o Novo Testamento admite a existência de situações absolutamente extremas e totalmente fora da vontade de Deus em que o divórcio é admissível. Há, portanto, cláusulas de exceção à indissolubilidade. Estas cláusulas são apresentadas em decorrência do pecado humano.

2. CLÁUSULAS DE EXCEÇÃO À INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO
Nos Evangelhos há quatro textos sobre o divórcio. Neles Jesus é instigado ora por adversários (os fariseus) e ora por seus amigos (seus discípulos) a falar sobre o assunto.
Também aqui temos que derivar da Bíblia nossa teologia acerca do casamento, do eventual divórcio e do possível novo casamento. É da Palavra de Deus que tem que vir o conselho para a vida conjugal, desde o seu preparo e até o seu desfazimento, se for o caso, ou o seu refazimento, se também for o caso.

2.1. Em Marcos e Lucas, Jesus fala da indissolubilidade do casamento, sem referência a qualquer cláusula de exceção.

O texto de Marcos 10.1-12 registra:

“Então Jesus saiu dali e foi para a região da Judéia e para o outro lado do Jordão. Novamente uma multidão veio a ele e, segundo o seu costume, ele a ensinava.
Alguns fariseus aproximaram-se dele para pô-lo à prova, perguntando:
— É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher?
— O que Moisés lhes ordenou? — perguntou ele.
Eles disseram:
Moisés permitiu que o homem lhe desse uma certidão de divórcio e a mandasse embora.
Respondeu Jesus:
— Moisés escreveu essa lei por causa da dureza de coração de vocês. Mas no princípio da criação Deus ‘os fez homem e mulher’. ‘Por esta razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe.
Quando estava em casa novamente, os discípulos interrogaram Jesus sobre o mesmo assunto. Ele respondeu:
— Todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério contra ela. E se ela se divorciar de seu marido e se casar com outro homem, estará cometendo adultério”.

Lucas 16.18 é mais sintético, mas no mesmo tom:

“[Jesus disse:] Quem se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher estará cometendo adultério, e o homem que se casar com uma mulher divorciada estará cometendo adultério'”.

O texto de Lucas não sugere o contexto, mas o de Marcos é explícito a este respeito.
No diálogo com os fariseus, eles tentaram colocar Jesus em dificuldade diante da multidão a que ensinava.
Jesus sabia que havia duas posições em evidência naqueles dias e que dividiam os fariseus. O rabino liberal Hillel permitia o divórcio por qualquer motivo. O conservador Shammai só o admitia por infidelidade conjugal. Os fariseus queriam saber qual era a posição de Jesus diante daquela controvérsia. A resposta de Jesus o coloca na contramão de um e de outro, ao dizer “não” ao divórcio. O casamento é um compromisso para sempre.
No diálogo com os discípulos, seus seguidores mostraram a sua perplexidade diante do fato de que o Mestre ficou eqüidistante das duas visões até então conhecidas. Neste contexto, pediram mais orientação e ouviram sobre o ideal divino para o casamento.

2.2. Os dois textos de Mateus introduzem a cláusula do divórcio, admitido por Jesus em apenas uma situação: a da porneia.
Os dois textos de Mateus sobre o divórcio põem o complemento da exceção:

. “[Jesus respondeu:] Foi dito: ‘Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de divórcio’. Mas eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério” (Mateus 5.31-32).

. “Jesus respondeu: `Moisés permitiu que vocês se divorciassem de suas mulheres por causa da dureza de coração de vocês. Mas não foi assim desde o princípio. Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério” (Mateus 19.8-9).

O texto essencial é Mateus 19.3-12, que precisa ser lido integralmente:

“Alguns fariseus aproximaram-se dele para pô-lo à prova. E perguntaram-lhe:
— É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo?
Ele respondeu:
— Vocês não leram que, no princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’? e disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’. Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe”.
Perguntaram eles:
— Então, por que Moisés mandou dar uma certidão de divórcio à mulher e mandá-la embora?
Jesus respondeu:
— Moisés permitiu que vocês se divorciassem de suas mulheres por causa da dureza de coração de vocês. Mas não foi assim desde o princípio. Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério.
Os discípulos lhe disseram:
— Se esta é a situação entre o homem e sua mulher, é melhor não casar.
Jesus respondeu:
— Nem todos têm condições de aceitar esta palavra; somente aqueles a quem isso é dado. Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda se fizeram eunucos por causa do Reino dos céus. Quem puder aceitar isso, aceite”.

O ideal da indissolubilidade está claro. A exceção admitida está posta. Um cristão só pode desistir da união conjugal em caso de porneia por parte do seu cônjuge. Quem comete porneia e se separa, casando-se ou não, comete pecado. Quem se separa sem ter sido vítima da porneia do seu cônjuge comete pecado.

Fique, então, afirmado: 1. Jesus admite o divórcio, seguido ou não de novo casamento. 2. Jesus admite o divórcio, seguido ou não de casamento, para a vítima da pornéia.

2.3. Antes de conceituarmos o que é pornéia, precisamos de ler o outro texto neotestamentário sobre o divórcio, embora ali a palavra não apareça.
Na igreja em Corinto havia dificuldades no relacionamento conjugal de muitas famílias. Um dos problemas advinha do fato de que alguns casamentos eram mistos, com apenas um dos cônjuges sendo cristão.
Paulo ensina os casais com este tipo de problema (1Coríntios 7.10-16):

“Aos casados dou este mandamento, não eu, mas o Senhor: Que a esposa não se separe do seu marido. Mas, se o fizer, que permaneça sem se casar ou, então, reconcilie-se com o seu marido. E o marido não se divorcie da sua mulher.
Aos outros, eu mesmo digo isto, não o Senhor: Se um irmão tem mulher descrente, e ela se dispõe a viver com ele, não se divorcie dela.  E, se uma mulher tem marido descrente, e ele se dispõe a viver com ela, não se divorcie dele. Pois o marido descrente é santificado por meio da mulher, e a mulher descrente é santificada por meio do marido. Se assim não fosse, seus filhos seriam impuros, mas agora são santos. Todavia, se o descrente separar-se, que se separe.
Em tais casos, o irmão ou a irmã não fica debaixo de servidão; Deus nos chamou para vivermos em paz. Você, mulher, como sabe se salvará seu marido? Ou você, marido, como sabe se salvará sua mulher?” (1Coríntios 7.10-16)

Primeiramente esclareçamos que, quando diz “não eu, mas o Senhor”, Paulo está usando um recurso estilístico para informar que está apenas repetindo o que Jesus ensinou sobre a natureza do casamento. Assim, como está nos versos 10 e 11, uma mulher não deveria se separar do seu marido não crente, sendo a recíproca verdadeira, pela razão de que não houve pornéia, embora houvesse uma diferença de natureza religiosa. Nenhuma mulher, ou nenhum homem, pode se achar justificado para se separar por motivo religioso. Se o fizer, cometerá pecado se se casar de novo.
Uma outra situação poderia surgir, dada pelo cristão abandonado por um cônjuge descrente (versos 12-15). É neste contexto que Paulo afirma: “digo eu, não o Senhor”. Ele está lançando mão de uma frase que deixa claro que está se pronunciando a respeito de um assunto não tratado especificamente por Jesus, embora o que escreva seja fiel aos princípios dos ensinos do Senhor, e não poderia ser diferente já que é instruído pelo Espírito Santo.
Paulo insiste que o ideal ainda é a manutenção do casamento, que pode ser um instrumento de salvação de um dos cônjuges, salvação que pode acontecer e pode não acontecer, porque o cônjuge é um instrumento do Espírito Santo mas nunca o próprio Espírito Santo. Como consola o verso 16, não há garantia que a mulher salvará seu marido ou que o marido salvará sua mulher? O que fica evidente é que, se o cristão foi abandonado por causa de sua fé, ele está livre para celebrar o divórcio e contrair novas núpcias. O cônjuge cristão não pode ser condenado (ficando “debaixo da servidão” — cf. verso 15) por algo que não fez, se a razão do abandono foi mesmo a sua fé, e não outro comportamento aparentemente religioso. [Devo esta interpretação de 1Coríntios 7 a Luiz Alberto Sayão, em comunicação particular.]
Paulo, portanto, acrescenta uma cláusula de exceção: o abandono. O apóstolo se refere ao abandono por motivo religioso, em resposta à consulta que recebeu por parte dos coríntios. A luz do espírito de todo o parágrafo, pode-se inferir que a pessoa abandonada, por motivo religioso ou não, está livre para um novo casamento. Será preciso levar em conta, no entanto, se o abandono não é conseqüência do comportamento do outro, que força o abandono para se sentir livre. Este tipo de abandono forçado não está incluído nesta categoria, para não beneficiar o verdadeiro infrator.
Não estão na categoria de abandono aquelas práticas sintetizadas com expressões como “não gosto mais dela/dele”, “o amor acabou”, “nossos projetos não são mais os mesmos”, “não sou mais feliz com ele/ela”, “nossos gênios são incompatíveis”, “não agüento o temperamento do meu cônjuge”, “encontrei outra pessoa”, “não sou compreendido por ele/ela”, “meu cônjuge já não me atende mais”, “meu cônjuge está doente irreversivelmente”. Quem se separa por estas razões banais e egoísticas comete pecado.

Temos até agora, então, duas cláusulas para o divórcio: pornéia e abandono.

2.4. Precisamos então nos debruçar sobre a expressão pornéia.
O grego falado por Jesus tinha duas palavras para comportamentos imorais. Uma era moicheia, usada para o adultério (infidelidade conjugal). Nesses textos, Jesus usa a palavra pornéia, que inclui o adultério mas é mais que adultério. pornéia é imoralidade sexual, expressão em que podem estar as práticas do adultério, do homossexualismo, da pedofilia, do incesto e de qualquer perversão sexual.  A maioria das separações se dá mesmo por pornéia.
Está livre, portanto, para um novo relacionamento conjugal o cristão que não perdoou (e ninguém é obrigado a fazê-lo) o adultério, a prática homossexual, o comportamento pedófilo ou a perversão sexual do seu cônjuge, que pode incluir ainda a exigência (palavra por si mesma repugnante num relacionamento de amor) de práticas sexuais pervertidas ou mesmo a recusa à vida sexual ativa (que preocupava o apóstolo Paulo, que introduziu uma advertência à recusa ao intercurso sexual — cf. 1Coríntios 7.4-5), esta também uma perversão.
Portanto, pornéia (que inclui várias formas de imoralidade sexual) e abandono são cláusulas de exceção à indissolubilidade do casamento, que pode, então, ser dissolvido nestas dolorosas situações.

Há outra cláusula, além de abandona e pornéia?

2.5. Lemos em Gênesis 2.20-25 o ideal do casamento.

“Assim o homem deu nomes a todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens. Todavia não se encontrou para o homem alguém que o auxiliasse e lhe correspondesse. Então o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e a levou até ele. Disse então o homem:
— Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada.
Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne. O homem e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha” (Gênesis 2.20-25)..

O casamento é entre iguais, é entre pessoas que se correspondem, que  respondem um a outro com respeito, que recebem um a outro com alegria e prazer.
A mulher foi dada ao homem para que ele se realizasse e se tornasse efetivamente gente.
A recíproca é verdadeira. Não é ela para se tratada como inferior ou como objeto ou como escrava ou como prisioneira. A recíproca é verdadeira.
A mulher foi dada ao homem para a vida. A recíproca é verdadeira.
Não há casamento quando há violência moral, sexual ou física.  O casamento não pode ser uma ameaça à vida do outro. O casamento não pode pôr em risco a integridade física e emocional do outro. Um cônjuge noa pode pôr o outro à mingua. A família não pode ser o lugar da agressão. Um cônjuge não pode aceitar que um filho seja violentado por seu cônjuge.
À luz do estabelecimento do casamento, fixado neste texto e em outros, podemos também afirmar que a violência torna livre do casamento a sua vítima. Se isto lhe acontecer, ele/ela tem o direito de refazer a sua vida com outro cônjuge. O mesmo direito não tem o agressor.

3. APLICAÇÕES PRÁTICAS
As conseqüências dos ensinos bíblicos devem importar a todos: a casados e a não-casados; a casados que vivem bem e a casados que enfrentam crises; e não-casados, que pretendem se casar e a não-casados que um dia o foram.

3.1. Para os cristãos em geral
Devemos respeitar os divorciados, recasados ou não.
A graça é para eles também. Em certo sentido, os divorciados precisam mais da graça do que os outros que não têm ou não tiveram problemas no seus casamentos.
Devemos abrir mão do desejo de julgar os outros. Temos a tendência, conhecendo ou não as situações, em tomar partido de um dos cônjuges. Até podemos fazê-lo, mas nunca sem antes ouvir os dois lados. Deus seja o juiz, não eu — eis aí um bom e sábio lema.
Pensar graciosamente a vida não implica em pensar libertinamente a graça.
Quando pensamos graciosamente sobre um casal de vida conjugal despedaçada, assumimos um risco, que é errar libertando, quando podíamos que errar prendendo (escravizando). Que contribuição trazemos para um descasado, trazendo-lhe à memória a sua culpa, real ou imaginada por nós?

3.2. Para os casados com boa qualidade de vida conjugal
Os casados que vivem bem, não importando há quanto tempo, devem investir no companheirismo e na fidelidade, na valorização e no cultivo das diferenças, no diálogo constante e na busca do bem-estar do seu cônjuge.
Uma forma de atenção é investir em práticas, como:

. cuidem da saúde física e emocional de cada um dos cônjuges;

. vivenciem férias em conjunto e, preferentemente, fora de casa (nem que seja por um período curto);

. programem as próximas bodas, com um culto de gratidão ou, se possível, uma festa, não importam de quantos anos sejam:

ANO    BODAS
 1     Algodão
 2     Papel
 3     Trigo
 4     Cera
 5     Madeira
 6     Perfume
 7     Lã
 8     Cobre
 9     Cerâmica
10     Estanho
11     Aço
12     Seda
13     Linho
14     Marfim
15     Cristal
16     Safira
17     Rosa
18     Turquesa
19     Cretone
20     Porcelana
25     Prata
30     Pérola
35     Coral
40     Rubi
45     Platina
50     Ouro
60     Diamante
70     Cobre
75     Brilhante
80     Carvalho`

. planejem a velhice juntos;

. envolvam-se num ministério com casais, que oferecem ajuda mútua, para os casais que oferecem e para os casais que recebem.

Quem vive bem deve cuidar para não cair. Quem vive bem não deve se orgulhar de viver bem, mas agradecer a Deus por viver bem.
Sejam humildes. Não pensem que vocês se conhecem. Antes, vocês precisam se aplicar em conhecer a natureza do ser do outro, não para explorar mas para servir.
Não pensem que o amor seja suficiente. Vocês precisam cultivar o amor, para que ele aumente.
Não pensem que poderão construir sozinhos a felicidade. Vocês precisam buscar a Deus. Não há chance para vocês, se o Senhor não ljes edificar o casamento.

3.3. Para os casados em dificuldades
LUTEM PELO CASAMENTO. O casal deve esgotar todos os recursos para não se separar. Não há situação que deva ser vista como irremediável; até para a tragédia do adultério há solução.
A melhor maneira de se livrar de um mau casamento é lutar para que não seja mau; é investir na graça e na cura (diálogo). Diferentemente do que se diz, uma separação nem sempre é melhor que um mau casamento.
Aqui vai um convite: não sirva de tropeço para o seu cônjuge, fazendo-lhe exigências que não pode atender, negando-se sexualmente ao outro, tendo a murmuração (não a cortesia e a gratidão) como estilo de vida; poucos agüentam por muito tempo um cônjuge rixoso, queixoso, autoritário, irascível. Se necessário, para não servir de tropeço, procure ajuda, de um amigo competente ou de um profissional capaz.
Invista na recuperação do seu cônjuge, por grave que seja o seu pecado. Perdoe-o. Lute pelo outro. Aposte até o o fim no casamento para que ele não tenha fim.

NÃO TOMEM DECISÕES PRECIPITADAS. Em caso de separação, se ela for mesmo inevitável e esstiver segundo as três cláusulas de exceção biblicamente admitida, não decida rápido, não decida sozinho ou só dos dois. Nenhum casal se casou sozinho (mas envolveu familiares e testemunhas e/ou invocou a bênção de Deus); nenhum casal deve se separar sozinho, nenhum casal deve tomar esta decisão por si só. Antes, deve instruir-se com alguém para se aconselhar acerca deste limite. É alto o custo (emocional, moral e financeiro) de uma separação. Separar-se nem sempre resolve.
Conquanto a lei judaica, por banalizar o casamento, tenha sido abolida por Jesus, há dois princípios que permanece até mesmo nessa instrução. Quando se admite o divórcio (Deuteronômio 24.1-4), há o cuidado para que tudo seja feito com dignidade. Uma separação deve ser feita com dignidade, que inclua respeito aos direitos do outros, cuidado com os sentimentos do outro, generosidade em relação aos bens, santidade no comportamento com outras pessoas. Por isto, um cristão separado não deve começar a namorar outra pessoa antes de ter a sua separação homologada perante a lei; para que tanta pressa? O padrão moral para os descasados é o mesmo para os jamais casados.
O segundo princípio subjacente a este mandamento abolido e que permanece é a atenção que dever ser dada ao cônjuge mais fraco, no caso, naquele tempo e também na maioria dos casos contemporâneos, à mulher. A lei mosaica prescria que o marido não podia apenas se separar, mas devia, com a carta, liberar a ex-esposa para um novo relacionamento. Esta era uma forma de cuidado. Podemos ampliar esta atenção, recomendando que o marido deve pensar nas condições materiais da esposa a separação. E ele deve fazer isto com justiça e generosidade.

3.4. Para os casados que se divorciaram
O DEVER DA FIDELIDADE. Não se sintam obrigados a casar de novo. Divórcio implica necessariamente na permissão (que não significa obrigatoridade) de um novo casamento para o cônjuge que foi vítima de pornéia, abandono ou violência. Divórcio legítimo sem permissão de novo casamento é legalismo.
Os divorciados não devem se sentir obrigados a casar de novo. Não há garantia que o segundo matrimônio será melhor que o primeiro. Afinal, um dos cônjuges é o mesmo…
Aos divorciados não se deve requerer que não se casem; uma proibição deste tipo atenta contra a natureza humana (que precisa de companheirismo e espaço para o desenvolvimento sadio de sua sexualidade) e contra a natureza humana (que promove vida — vida verdadeira, não vida promíscua; é perdoadora — quando há arrependimento; e oferece sempre uma nova oportunidade, quando é buscado em espírito e verdade).
O divórcio não deve ser visto como um direito a ser exercido pelo cônjuge ferido (vítima do abandono, da pornéia ou da violência). É uma possibilidade que a graça produz. O direito tem um nome: fidelidade.

O SEGUNDO CASAMENTO PARA QUEM SE DIVORCIOU ANTES DE SUA CONVERSÃO A CRISTO. Se você se divorciou antes de se converter a Cristo, não pode se achar culpado por não alcançar padrões que ainda não conhecia. Você é responsável por suas decisões. O fato de ter se convertido não o livra das conseqüências dos seus erros. A graça perdoa; as conseqüências podem ser vistas como meios disciplinadores da graça. O fato de ter se convertido deve levá-lo a rever suas atitudes, no que precisa ser revisto. Menciono algumas situações:
É próprio o rancor que eventualmente nutra para com o ex-cônjuge ou com membros da sua família? Se anda mergulhado na amargura, peça a Deus a coragem de perdoar e virar de vez a pagina que pode ser virada na sua vida.
É justo o valor que você paga como pensão para o ex-cônjuge e os filhos? A justiça de um cristão deve exceder aos dos fariseus, que é a justiça da lei. Procure rever o que pode ser revisto. Veja com graça.
Além de apoio material, tem dado atenção aos filhos, mesmo que a separação tenha sido litigiosa? Talvez você tenha que reconquistar seus filhos. Faça isto sem os jogar contra seu ex-cônjuge. Ore pelo seu ex-cônjuge. Ore pelos seus filhos. Procure tê-los próximos. Você ainda é responsável por eles, mesmo que os relacionamentos tenham sido rompidos.
Tem criado dificuldade para que o ex-cônjuge contraia novas núpcias? Liberte-o, mesmo que, a seu critério, não mereça.

O SEGUNDO CASAMENTO PARA QUEM SE DIVORCIOU DEPOIS DE SE CONVERTER A CRISTO. Se você se divorciou sendo já um cristão, leve em conta a instrução bíblica. Se o divórcio teve como causa a infidelidade, o abandono ou a violência por parte do outro, não fique se culpando. É incrível como, mesmo quando uma mulher é vítima de uma dessas coisas, ainda assim é vista como culpada. Uma mulher vai à delegacia dar queixa do seu marido covardemente espancador: ainda assim não falta quem diga algo como “alguma coisa ela aprontou”, como se isto legitimasse a violência do marido. Muitas vezes até o adultério é debitado na conta do outro… Você é vítima; não seja duplamente vítima; não receba uma culpa que não tem. Você está livre para se casar outra vez. Se já o fez, agradeça a Deus e cuide para que não reviva dificuldades antigas. Se não o fez e deseja se casar de novo, peça a Deus um cônjuge amoroso, leal e bom. Submeta a sua vontade à vontade de Deus.

O SEGUNDO CASAMENTO PARA O DIVORCIADO QUE PROVOCOU A SEPARAÇÃO.  Se você, sendo um cristão, divorciou-se por ter sido infiel, por ter sido o agente do abandono ou da violência, leve em conta a instrução bíblica. Você pecou. Embora possa ter padecido já as conseqüências do seu ato, nada é pior do que a consciência do seu pecado, pequeno ou grande tenha sido o estrago produzido. Peça perdão a Deus, que lhe perdoará, se seu pedido for sincero e inclua a disposição de não pecar mais. Se já pediu perdão sincero, já foi perdoado; neste caso, sua culpa foi cancelada, embora as conseqüências precisem ser vividas. Peça a perdão ao cônjuge ferido. Se for preciso se humilhar, humilhe-se. Uma auto-humilhação, por mais dolorosa que seja, dói menos que o sofrimento já impingido ao outro.
Veja se é possível reparar os danos gerados. Se for, repare.
Se o ex-cônjuge está sozinho, e há amor por ele, busque a reconciliação. Se ele está casado, a reconciliação não deve ser buscada. Se você está casado, continue como está. Não se separe de novo, para restabelecer o que foi rompido. O casamento transforma as duas carnes e uma só carne. É claro o texto bíblico: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Este é um mistério profundo” (Efésios 5.31-32a).
Se você foi o provocador do divórcio, não voltou a se casar, não está autorizado a fazê-lo. A permissão é para as vítimas, não para os agentes.
Se você, o provocador do divórcio, voltou a se casar, peça perdão a Deus, peça perdão ao cônjuge prejudicado, e continue casado com quem você foi agora tornado uma só carne. Não traga mais dor a outras pessoas.
Agora, cuide para não cair de novo na tentação da infidelidade; se isto se tornou um padrão na sua vida ou uma tentação muito forte, busque toda a força em Deus para mudar de vez.
Cuide para não cair na tentação de abandonar sua família outra vez. Pode ser que este caminho faça parte de sua aprendizagem ou mesmo de alguma dificuldade emocional, como a incapacidade para a permanência em vínculos afetivos, condição que o leva sempre a desistir de algo quando os problemas vêem. Aprenda a persistir, inclusive nos relacionamentos.
Cuide para não recorrer à violência para impor suas idéias e valores. Se você aprendeu isto com seus pais, quebre esta maldição na sua vida, para que também seu filho não seja o sucessor desta herança maldita. Se for preciso apanhar, apanhe, mas não bata.

O CASAMENTO PARA QUEM ESTÁ AMASIADO. Se você, vitima ou agente do divórcio, dentro ou fora das cláusulas de exceção, vive uma união irregular (mesmo que a lei do Estado a considera estável), procure regularizá-la. Se esta união se deu com você antes de conhecer a graça de Deus, e agora você a recebeu, acerte sua condição e torne regular o seu casamento. Se sua união se deu com você já um conhecedor da graça, peça perdão ao Senhor da graça e regularize civilmente o seu relacionamento.
O casamento não é um assunto privado; é um assunto público. Pare de achar que o Evangelho não tem a ver com o que você faz na vida particular, porque tem. Quando abrimos as cartas apostólicas, vemos nelas as orientações, instruídas pelo Espírito Santo, para a vida em comunidade. A graça nos autoriza a fazer o que queremos, mas nos fortalece para fazer o que devemos, sem que isto seja um peso que nos negue a liberdade.

OS FILHOS DE PAIS DIVORCIADOS. Se você é filho de pais divorciados, legitimamente ou ilegitimamente, nos os julgue. Honre-os. Aprenda com eles, para que, quando se casar, não siga o padrão que viu. Não transforme o comportamento dos seus pais (ou um deles) como padrão. Seu modelo é outro.
A experiência dos seus pais, quando boa, não garante que a sua também o será no casamento. Você é que vai escrever, junto com o seu cônjuge, uma nova história. A experiência dos seus pais, quando ruim, não obriga você a repeti-la. Só a repetirá, se quiser, porque você é livre.

4. PARA QUE O SEU CASAMENTO NÃO ACABE
A verdade bíblica, repetida seis vezes na Palavra de Deus, é que, no mistério profundo do casamento (Efésios 5.32a), o homem deixa pai e mãe e se une à sua mulher, e os dois se tornam uma só carne (Gênesis 2.24, Mateus 19.5, Mateus 19.6, Marcos 10.8, 1Coríntios 6.16; Efésios 5.31).

Para que o mistério continue, o desejo da esposa em Cântico dos Cânticos deve ser o do casal, no discurso e na prática: “Coloque-me como um selo sobre o seu coração; como um selo sobre o seu braço” (Cântico dos Cânticos 8.6).

Não há dúvida que

Das decisões, casar é delas a maior.
Compartilhar todas noites a mesma cama
na promessa de trocas tecidas de amor
é coragem para quem profundamente ama.

Das decisões, ficar casado é a melhor,
porque é querer para o outro toda a estima,
ver defeitos, mas as virtudes no alto pôr.
É baixar a voz quando tenso está o clima.

O amor é de Deus, como o mais belo poema,
dele e nosso, que juntos criamos com paixão
se o cultivo das diferenças for um lema…

que aqueça a todo instante o nosso coração.
O casamento, ainda que a razão trema,
é plano de Deus para a nossa salvação.
(CORAGEM DO CASAMENTO — Israel Belo de Azevedo)

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