1Coríntios 1.10-17, 3, 12.12-27: A UNIDADE E SEUS INIMIGOS

A UNIDADE E SEUS INIMIGOS
1 Coríntios 1.10-17, 3, 12.12-27

Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 27.12.2000 (manhã)

1. INTRODUÇÃO
O apóstolo Paulo pensa a igreja como um corpo, o corpo de Cristo. A idéia explícita da igreja como corpo de Cristo aparece, com todas as letras, em vários versículos de suas cartas: Romanos 7.4, 12.5; 1Coríntios 10.16, 12.27; Efésios 1.23, 4.12, 5.23, 5.30; e Colossenses 1.18 e 24.
A igreja, portanto, é o corpo de Cristo. Cristo é o cabeça; esta cabeça tem um corpo e este corpo é a igreja. Foi por isto que John Wesley pôde dizer que o Cristianismo é uma religião essencialmente social. Cristianismo, portanto, é comunidade, que, num trocadilho, quer dizer que a igreja é a instituição pela qual a unidade se torna comum, isto é, possível.

2. O CORPO DA UNIDADE
O apóstolo Paulo desenvolve no capítulo 12 uma espécie de fábula para mostrar a natureza deste corpo em sua dimensão prática.
Todos os membros do corpo se reuniram numa assembléia. Todos se achavam um pouco sobrecarregados e pretendiam se eximir de suas responsabilidades.
O pé, insatisfeito, por carregar todo o peso do corpo, declarou:
— Como não sou mão e estou cá embaixo, não faço parte do corpo.
A mão, por sua vez, reclamou por ser surda:
— Como não sou ouvido e nada posso escutar, não faço parte do corpo.
O ouvido queria ter outra competência:
— Como não posso ver, porque não sou olho, não faço parte do corpo.
O apóstolo encerra a fábula perguntando:
— Se todos os membros do corpo fossem um só membro, como estaria o corpo?  Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se o corpo todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? O olho não pode dizer à mão: “Não tenho necessidade de você”. Nem ainda a cabeça [pode dizer] aos pés: “Não tenho necessidade de vocês”.
Em outras palavras, se você é um seguidor de Jesus, mesmo que você não se ache parte da igreja, você faz parte da igreja. Como diz Paulo, nós somos “corpo de Cristo e individualmente seus membros” (1Co 12.27). Se um membro do corpo sofre, todos os membros sofrem (1Co 12.26a).
Este é o significado da palavra “unidade”, marca essencial da igreja, conforme o ensino de Jesus Cristo, que espera(va) que todos sejamos um nEle (Jo 17.21).

3. RETRATO DE UMA IGREJA DESUNIDA
No entanto, temos triunfado e fracassado na produção desta marca. O comportamento da igreja em Corinto, como retratado na primeira epístola que Paulo lhe escreveu, é uma indicação deste fracasso, conquanto no plano geral a unidade tenha triunfado. Para que seja o que Jesus Cristo espera da igreja neste campo, precisamos aprender com a experiência dos coríntios.
Paulo foi informado que havia contendas (divisões, desunião, partidarismo) entre eles, produzidos por vários fatores:

3.1. Muitos firmavam sua fé em pessoas, não diretamente em Cristo.
A igreja conhecera vários líderes, direta ou indiretamente: Paulo, Pedro e Apolo. Paulo fundou a igreja, mas não era seu dono. Apolo pastoreou-a por um tempo e ela recebeu o ensino (talvez indiretamente) de Pedro. Os estilos de cada um despertaram nos coríntios simpatias distintas.
Esquecidos que todos pregavam o mesmo Evangelho, apesar das ênfases de cada um, os coríntios passaram a se identificar orgulhosamente com seus mentores. Os mentores gostam de ser seguidos.
Tenho-me preocupado com algumas identificações que têm aparecido, estimuladas pelos próprios líderes: Igreja X do pastor Y, que soaria como: “Primeira Igreja de Corinto, pastor Paulo de Tarso”. Esta personalização é estranha ao espírito do Cristianismo. Por isto, por favor, jamais digam: “Igreja Batista Itacuruçá, do pastor Israel”. Esta é uma igreja de Cristo, não minha ou de quem quer que seja.
O apóstolo Paulo tinha horror a este tipo de comportamento. Quando percebeu que muitos exibiram seus certificados de batismo com sua assinatura, ele delegou o ritual aos seus auxiliares, para que não houvesse qualquer tipo de paulolatria. Assim mesmo, há muitas pessoas hoje inventando títulos para si mesmas; por isto, temos tantos apóstolos, bispos e patriarcas… Esses títulos afastam as pessoas de Cristo e as aproximam de seres humanos falíveis, chamados por Jesus de “servos inúteis”. Por que títulos, por que heróis?

3.2. Muitos não entendiam a natureza da igreja.
A igreja é um corpo, apesar de tantos não a compreenderem como tal e imaginarem que podem formar igrejas-do-eu-sozinho. Posso louvar sozinho, mas vou louvar por meio de canções ensinadas na igreja. Posso evangelizar sozinho, mas vou depender do estímulo e da capacitação recebidos na igreja.
Em Corinto, muitos não entendiam a natureza social da igreja. Por isto, Paulo usou a imagem do corpo, que é essencialmente social, por seus bilhões de moléculas…
Precisamos desprivatizar a igreja, em duas dimensões. A primeira é que temos de assumir, de uma vez por todas, que igreja é plural, nunca singular. A própria Trindade, seu modelo, é plural.
A segunda é que temos de deixar de lado a preservação extremada da privacidade. Muitas vezes nos escondemos atrás desta defesa para justificar nosso desinteresse pelos outros. Lembremo-nos que poderá chegar um dia em que nós seremos vítimas deste desinteresse.
Precisamos de um equilíbrio desta dimensão. Todas as pessoas têm o direito à privacidade, o direito de não tornarem públicas informações a seu respeito e de sua família, o direito de não serem cobradas inadequadamente, o direito de curarem sozinhas suas dores e o direito de festejam reservadamente suas vitórias. Essas pessoas, contudo, não têm o direito de cobrar uma visita, se não disseram a ninguém que estava doentes; não têm o direito de reclamar a falta de uma cesta básica, se ninguém ficou sabendo de suas dificuldades; não têm o direito de lamentar que ninguém as advertiu, se nunca confessaram os seus pecados.
Os que querem ficar anônimos não podem reclamar do anonimato. O pastor Fausto Vasconcelos, da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, contou que esteve num funeral em que participaram a viúva, ele e sua esposa e mais ninguém da igreja. O falecido entrava no culto, diretamente do seu carro, sem falar com ninguém, e saía do modo como entrava. Fausto brinca que quem quer ser conhecido na igreja tem que freqüentar os banheiros. Não sou assim tão irreverente. Quem quer ser conhecido deve freqüentar os lugares onde as pessoas estão na informalidade. Pode ser o banheiro, o salão de festas, a entrada do templo, a saída do templo. Procure variar de portas de entrada ou de saída…
A igreja, portanto, é uma comunidade, não uma individualidade. Sua natureza é comunitária, porque nós não somos nada sozinhos.

3.3. Muitos eram vaidosos de seus conhecimentos ou de sua espiritualidade.
Muitos se julgavam intelectualmente superiores. Grupos se formavam porque alguns se consideravam os verdadeiros defensores da verdade. Estavam sempre procurando erro nos outros. Sua teologia era poderosa… Eles confiavam demasiadamente em si mesmos, em sua sabedoria de palavras (1Co 1.17), que Paulo condena com veemência.
Muitos se julgavam espiritualmente superiores. Se havia os que seguiam Paulo, Pedro ou Apolo, havia aqueles que, para arrotar sua profunda superioridade espiritual, se diziam seguidores de “Cristo” e não de qualquer pregador humano.
Para todos eles, Paulo dirige uma pergunta definitiva: foi algum de nós crucificado? (1Co 1.13) Sim, porque todos tinham se esquecido de Cristo, de quem estavam vazios, porque cheios de si mesmos.

3.4. Muitos apreciavam as polêmicas estéreis.
Quando se reuniam, os coríntios discutiam temas sem nenhuma importância, temas cujo resultado da discussão não faria qualquer diferença. Essas pessoas tinham o prazer de ser polêmicas. Quando a provocação não fazia mais sentido, inventam outro, como se tudo na passasse de uma diversão.
A advertência de Paulo é clara: as igrejas de Deus não devem ter tão costume (1Co 11.16).
Isto não quer dizer que não deve haver discussão na igreja. Deve. No entanto, precisamos, antes de levantar um tema, perguntar pelo significado do seu resultado. Se não vai contribuir para a edificação da maioria, mudemos de tema ou nem mesmo o formulemos.

Estes são os inimigos da unidade na igreja.

4. A NATUREZA DA UNIDADE
A recomendação paulina é muito precisa: Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais concordes no falar, e que não haja dissensões entre vós; antes sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer (1Co 1.10).
Nossa unidade na igreja só é possível em Jesus Cristo. Por nós mesmos, não somos capazes deste dom. Devemos buscá-lo. Devemos orar pela unidade.
Se você está em dissensão com alguém na igreja, só haverá mudança depois de você orar a Deus pedindo unidade. Orar pela unidade é muito difícil, difícil porque Deus pode nos pedir para tomar o primeiro passo, que pode ser um sorriso, um telefonema, um pedido de desculpas ou perdão. Como isto é difícil, se sempre nos achamos os ofendidos da história…
Por isto, a unidade só é possível a um cristão. Se você olha para alguém na igreja com rancor, eu posso garantir que você não é uma pessoa a quem poderíamos classificar de “espiritual”. Sua razão (em relação ao caso) não exime você de culpa. Não espere que o outro tome a iniciativa; afinal, ele também está, como você, esperando. Nenhum mal-entendido resiste a uma boa conversa. O ódio não permanece o mesmo quando alguém se dispõe a dar o primeiro passo em direção ao outro.
O apóstolo Paulo pede concordância no falar, que significa três atitudes:
. transparência, que é dizer o que se pensa; um sorriso é um sorriso; uma lágrima é uma lágrima. Há que haver uma unidade entre aquilo que sai de nós e aquilo que está dentro de nós.
. disposição em discutir um assunto (seja ele teológico ou existencial) com abertura de mente, não com o interesse apenas em convencer o outro. Neste caso, não haverá unidade; no máximo, haverá imposição.
. disposição em ouvir o outro lado e conviver com o outro. Precisamos aprender a ceder, para que haja concordância, que significa mudança de lado. Quantas pessoas “antipáticas” se tornam “simpáticas” depois que conversamos com elas. Na verdade, elas não mudaram; nós é que mudamos nossa opinião sobre elas.
O apóstolo Paulo espera ainda uma unidade de pensamento e de parecer. Pensamento se refere ao conjunto de opinião que temos no campo religioso. Parecer se refere às conseqüências derivadas do pensamento. O pensamento é teórico; o parecer é prático.
Unidade de pensamento e de parecer não implica em negação da liberdade individual. Entre os apóstolos, entre os quais havia unidade, havia opiniões diferentes. Cada um impôs seu estilo, tanto teológica quanto praticamente.
Unidade tem a ver com o propósito. Para louvar a Deus, posso preferir instrumentos com certas características. Meu irmão pode preferir instrumentos com características bem diferentes do meu gosto. Os dois queremos realmente louvar a Deus? Então, temos o mesmo pensamento e o mesmo parecer.

5. OS PRINCÍPIOS DA UNIDADE
O apóstolo Paulo põe os princípios que devem reger nossos comportamentos em direção à unidade. Ele escreveu:
Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. De modo que, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, uma só coisa é o que planta e o que rega; e cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus (1Co 3.6-9).

Só haverá unidade na igreja quando vivenciarmos três princípios.

5.1. O princípio da glória da cruz.
O ensina de Paulo é contundente: “Aquele que se glória glorie-se no Senhor” (1Co 1.31b).
Se alguém está-se achando o máximo na causa de Cristo, dedique suas ações a Cristo e peça que Ele brilhe. Os aplausos que receber transfira-os para Cristo, mas não apenas de palavras.
Gloriar-se na cruz de Cristo significa reconhecer que nada foi feito sem Ele e que tudo foi feito por Ele.
Gloriar-se na cruz de Cristo significa desejar que tudo o que fizermos seja revertido para a glória de Deus. O próprio Jesus não queria glória para si, mas para o Pai. Por isso, Ele Lhe dava graças.
Na cruz de Cristo não há divisão, porque os nossos egos foram crucificados lá. Quando vivemos pela cruz, deixamos de nos idolatrar a nós mesmos, o que nos afasta um dos outros por nossa pretensa superioridade, para adorar o Rei dos Reis.

5.2. O princípio da imitação de Cristo
Quando nossos comportamentos imitarem a Cristo, esses comportamentos promoverão a unidade na igreja.

. precisamos da atitude de humildade de Cristo. Ele não pôs sua divindade como obstáculo para a nossa salvação. Não podemos pôr nossa humanidade como obstáculo à unidade. Não podemos permitir que nossos temperamentos nos encastelem, afugentando as pessoas de nós. Nós podemos educar nosso temperamento. Não podemos permitir que nosso caráter nos afaste dos outros. Nós podemos converter nosso caráter.

. precisamos de disposição para o serviço. No corpo de Cristo, uns são mãos; outros são ouvidos.
Como escreveu o apóstolo, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os membros do corpo que reputamos serem menos honrados, a esses revestimos com muito mais honra; e os que em nós não são decorosos têm muito mais decoro, ao passo que os decorosos não têm necessidade disso. Mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela, para que não haja divisão no corpo, mas que os membros tenham igual cuidado uns dos outros (1Co 12.22-25)

Não há funções menos e mais nobres. Aparentemente numa igreja a função mais importante é a do pastor, que é tão importante quanto a irmã que silenciosa e secretamente ora pelo ministério de Cristo por meio da igreja. Sem as orações dos irmãos, um pastor não faz absolutamente nada de relevante; ele não consegue sequer amar seus irmãos. O pastor é tão importante quanto o irmão da tesouraria ou da portaria. Sem uma tesouraria com pessoas dedicadas, os recursos ofertados pelos irmãos não seriam multiplicados. Sem uma pessoa dedicada e competente na tesouraria, esta igreja estaria vazia, e o pastor não teria para quem pregar. Mesmo aquele que não tem função formal é tanto importante quanto aquele que tem. Você é importante para quem está ao seu lado. Um gesto seu pode levá-lo a Cristo. Um gesto seu pode barrar seu acesso a Cristo. Um gesto seu pode aumentar o desânimo de um irmão. Um testo pode contribuir para que seu irmão saia da caverna onde se encontra sua vida. Olhar para o lado e acolher seu vizinho é tão importante quanto cantar no coro ou tocar piano.

. precisamos de coragem sentir o que o outro sente.
A atitude necessária entre os membros da igreja é descrita pelo apóstolo nos seguintes termos: Vós sois corpo de Cristo e individualmente seus membros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele (1Co 12.26-27)
O sofrimento do nosso irmão é o nosso sofrimento, assim como o sofrimento do ouvido é o sofrimento da boca.
A alegria do nosso irmão é a nossa alegria, assim como uma vitória se obtém com o cérebro e com as pernas.

5.3. O princípio da interdependência entre os cristãos.
Nada ilustra melhor o principio da interdependência entre os cristãos do que atitude de Paulo em relação ao seu ministério entre os coríntios.
Nós somos cooperadores da obra de Deus no mundo. Nós plantamos para Ele. Nós edificamos para Ele (1Co 3.9).
Nada fazemos sozinhos. Nós precisamos até daqueles que nós não conhecemos. A obra de Deus exige um tempo longo, em que um planta e outro colhe. Afinal, é Ele quem faz com que as coisas aconteçam.

5. CONCLUSÃO
Faça a sua parte para que não haja dissensão entre você e seu irmão.
Faça a sua parte para que não haja dissensão na igreja. Afinal, Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união! É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desceu sobre a barba, a barba de Arão, que desceu sobre a gola das suas vestes; como o orvalho de Hermom, que desce sobre os montes de Sião; porque ali o Senhor ordenou a bênção, a vida para sempre. (Sl 133)

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