1Coríntios 7.17-23: O CRISTÃO NO SEU TEMPO

O CRISTÃO NO SEU TEMPO

1 Coríntios 7.17-23

Será que o antigo Cristianismo de Jesus e de Paulo pode ser vivido nos dias de hoje com a mesma qualidade e intensidade?
Temos que ser antigos para sermos cristãos? Temos que renunciar nossas produções culturais para sermos fíéis a Jesus Cristo.
O conflito é real, já que pertencemos a Ele, no sentido que temos a Sua mente, não a mente da cultura de nossa época.
Esta seção de 1Coríntios nos ajuda a responder a alguma destas indagações.

1. Nosso compromisso é viver segundo os mandamentos de Deus, mesmo que a sociedade onde vivemos não os reconheça.
Somente ande cada um como o Senhor lhe repartiu, cada um como Deus o chamou. E é isso o que ordeno em todas as igrejas (v. 17).
A chave desta seção está no versículo 23. Nós fomos comprados por Jesus Cristo. Somos dEle. Não somos de nós mesmos. Não somos da sociedade em que vivemos.
Em nossos corações e em nossas mentes, trava-se uma guerra. Os valores da cultura em que vivemos querem dominá-los (nossos corações e mentes). Acontece que nós já os consagramos a Deus. Não há outro Senhor sobre eles senão o Senhor de nossas vidas. Devemos andar como Ele nos repartiu, isto é, segundo os Seus mandamentos.
Precisamos estar conectados com Ele para saber quais são estes mandamentos. Precisamos estar conectados com Ele para tomar as decisões que estejam de acordo com estes mandamentos. Todas as nossas decisões são decisões espirituais. É infelizmente corrente a idéia de que nosso relacionamento com Deus não tem nada a ver com nossos relacionamentos afetivos, nossos estudos ou nossos negócios. Se vivemos segundo estas convicções, saibamos que nossa vida sentimental, nossos estudos ou nossos negócios estão destinados a experimentar o fracasso.
Dividimos o que não pode ser dividido. Complicamos o que é simples. Basta, diz o apóstolo Paulo, viver com Deus quer que vivamos. Não precisamos inventar nada. Lendo a Bíblia, aprendemos como viver. Dispondo-nos a levar a sério os mandamentos de Deus, Ele nos capacita para os colocar em prática.
A obediência a Deus é vital. A atenção aos valores culturais é secundário. Nosso compromisso deve ser viver neste mundo obedecendo ao Seu Criador e Senhor.

2. Há valores na cultura, que podemos fruir (v. 18).
Foi chamado alguém, estando circuncidado? permaneça assim. Foi alguém chamado na incircuncisão? não se circuncide (v. 18).
Os primeiros cristãos discutiam se era necessário a um não judeu se tornar um judeu para se tornar um cristão. A óbvia conclusão — que não — demorou a ser um consenso. Alguns achavam que a cultura hebraica era essencial para se entender a iniciativa salvadora de Deus por Jesus Cristo.
Outras discussões têm sido debatidas ao longo destes séculos cristãos.
Há ainda, por exemplo, um grande debate acerca da música. Para uns, há um ritmo sagrado e um ritmo profano. No caso dos batistas, as baladas do Cantor Cristão e do Hinário para o Culto Cristão são sagradas. Os ritmos mais recentes, mesmo estrangeiros, como o jazz e o rock, são profanos. Os ritmos brasileiros, como o samba, são inaceitáveis no culto cristão.
Possivelmente estas pessoas estejam sacralizando seus gostos particulares e tradicionais, para recusar aqueles dos quais não gostam.
O mesmo ritmo de um samba composto para celebrar o amor entre duas pessoas pode ser usado para a adoração a Deus. Todo ritmo é uma expressão cultural de um povo (ou de parte de um povo) e de uma época. Como tal, pode ser consagrado ao Senhor dos povos, das culturas e das épocas.
Não há um volume de som mais sagrado e menos sagrado. Trata-se tudo de uma questão de hábito, conveniência e instrução, hábitos, conveniências e graus de instrução que variam no espaço e no tempo.
Não há instrumentos mais sacros e menos sacros. Nas primeiras décadas do século 20 evangélico houve um predomínio absoluto do órgão nos cultos. A chegada do piano foi marcada por muita controvérsia, sob o argumento que esse instrumento não era sacro. Nos anos 70, a discussão se travou em torno da guitarra. Depois, houve um debate em relação à bateria e aos instrumentos de percussão. Não sei que instrumentos serão objeto de controvérsia nas próximas décadas. Espero que nenhuma, por termos aprendido que não há instrumentos intrinsecamente sacros ou profanos. Profano é o uso que fazemos dele. Quando o pomos para nos ajudar a exaltar a Deus, eles são sagrados.
Há valores na cultura que podemos fruir. Podemos curtir Vivaldi e Paganini, Lulu Santos e Os Travessos. Seus ritmos podem nos fazer bem ou mal conforme nossa formação e nosso gosto. Nossa crítica estética deve se fazer a partir de nossa percepção. Agora, há um outro tipo de crítica, que é a crítica radical cristã. A mensagem que esses artistas veiculam, pelo ritmo ou pela letra, são compatíveis com os mandamentos soberanos de Deus? Não podemos ser ingênuos de aceitar uma “arte pela arte”. Mesmo “a arte pela arte” contém uma mensagem. Ao consumir esta mensagem, devemos fazê-lo criticamente.
Os mandamentos são a nossa régua para medir as produções da cultura, no campo moral, artístico, científico e tecnológico. Os recentes desenvolvimentos no campo das ciências biológicas são um enorme desafio. Não podemos aceitar tudo que as ciências podem produzir sem passar essas possibilidades pelo crivo da soberania de Deus. Nunca precisamos tanto de profissionais cristãos nestes campos do conhecimento! Eles poderão nos ajudar a evitar o vale-tudo científico! É bom saber que vão bem as pesquisas (e os brasileiros têm se destacado neste campo) na luta contra o câncer. É triste saber que há cientistas mais interessados em “brincar de Deus” do que em curar doenças que apequenam o ser humano e atentam contra o projeto perfeito de Deus!
No campo da ciência e da arte, do lazer e do esporte, da educação e da política, devemos fruir (usar)o que é bom, e rejeitar o que é ruim. Para isto, precisamos estar vigilantes, sem ingenuidade. O mundo não está feito; nós o estamos fazendo. Que mundo estamos construindo?

3. Não podemos sacralizar as experiências culturais, por melhores que sejam (v. 19).
A circuncisão nada é, e também a incircuncisão nada é, mas sim a observância dos mandamentos de Deus (v. 19)
Quando aceitamos a Cristo, não precisamos renunciar aos valores legítimos da cultura. Um índio não precisa deixar de ser índio para ser cristão. Um esquimó não precisa deixar de ser esquimó para ser cristão. Um judeu não precisa deixar de ser judeu para ser cristão. Só precisamos renunciar aos valores que estejam em contradição com as recomendações divinas.
Isto se aplica também no campo profissional. Uma professora de culinária continuará sendo uma professora de culinária. Uma dentista continuará sendo uma dentista.  Uma dona-de-casa continuará sendo uma dona-de-casa. Um médico continuará sendo um médico. Uma estudante continuará sendo uma estudante. O que será diferente nas vidas dessas pessoas quando elas se deixam comprar por Jesus Cristo e se comprometem a viver por Ele e para Ele?
Terão que deixar suas profissões? Não! Cada um fique no estado em que foi chamado (v. 20). Essas pessoas devem passar a considerar suas profissões como campos missionários, como têm feito médicos, advogados e esportistas.
Quando surgiram os Atletas de Cristo, muitos colocavam a expressão “de Cristo” entre aspas. Podiam ser atletas, mas não de Cristo. O futebol, achavam alguns, é incompatível com a vida cristã. Hoje há jogadores que fizeram do esporte seu meio de vida e seu meio de evangelização.
Toda a vida do cristão deve ser desenvolvida com uma constante missão.

4. Nosso mundo tem regras que não podemos mudar. Antes, temos que nos adaptar a elas, mesmo que a contragosto.
Foste chamado sendo escravo? não te preocupes; mas se ainda podes tornar-te livre, aproveita a oportunidade. Pois aquele que foi chamado no Senhor, mesmo sendo escravo, é um liberto do Senhor; e assim também o que foi chamado sendo livre, escravo é de Cristo (vv. 21-22)
Vivemos em constante tensão com as práticas vigentes no mundo. Desta recomendação paulina, acerca da escravidão, podemos derivar alguns conselhos para a nossa vida diária, para que não fiquemos ansiosos (v. 22a). Aliás, quanto ao problema em si, o apóstolo não estava justificando a escravidão. Ao contrário, orientou a quem fosse escravo que lutasse por sua liberdade, mesmo porque o feroz sistema escravagista romano era algo passageiro, não absoluto, como ensinava o Império.
Somos escravos de um conjunto corrompido de valores.
Quem viaja profissionalmente sabe do que estou falando. Quando se pede uma nota fiscal, o garçom ou o atendente pergunta, com a cara mais tranqüila do mundo, qual o valor que deve ser colocado nela. Este tipo de compromisso com os valores seculares nós podemos evitar, fazendo coincidirem nossas despesas com a declaração do quanto gastamos. Se erramos nisto, estamos comprometendo nossos valores, por mais que todo mundo faça e por mais que possamos justificar nossos atos (com os baixos salários, etc.).
Às vezes, não temos como escapar do estilo de vida da cultura predominante. Às vezes, fazemos coisas que não são justas, mas somos obrigados a fazê-las. Um médico pode cobrar apenas pelo serviço que fez, mas um médico de uma equipe em hospital não pode fazer muito quando sua equipe ou seu hospital decide aumentar os itens da fatura para receber mais do plano de saúde ou do paciente. São as chamadas regras do jogo.
Um construtor terminou sua obra em dia com os impostos e taxas. No entanto, ele se recusou a pagar um valor a mais para receber um documento de quitação. Ele resistiu por um ano contra isto. No fim, os moradores do prédio de cotizaram para a dar o que queriam aqueles funcionários, e o documento foi liberado.
O ideal, diz Paulo, é evitar as situações em que temos que abrir mão dos nossos valores. Conheci um cristão que trabalhava numa fábrica de cigarros quando se converteu. Ele só sossegou quando conseguiu outro emprego. Paulo lhe teria dito: não fique ansioso; busque se livrar desta situação; quando puder, fique livre.

5. Não podemos permitir que a cultura nos escravize e nos afaste de Deus (vv. 23-24).
Por preço fostes comprados; não vos façais escravos de homens. Cada um permaneça diante de Deus naquilo em que foi chamado (vv. 23-24).
Por fim, o apóstolo Paulo apresenta o princípio principal. Não podemos ser escravos de nenhum valor cultural, mesmo que predominante em nossa sociedade e mesmo que aparentemente aceitável. Não podemos seguir a nenhum outro senhor.
Não era fácil ser cristão em Corinto. A religião pagã dominava todas as áreas. Era muito difícil a uma pessoa ser romana sem ser pagã. Os prédios, as aulas, os esportes e as atividades profissionais estavam impregnados de paganismo. Paulo então lhes diz: vocês podem continuar romanos, exceto quando ser romano lhe exija uma lealdade completa que só devemos a Quem nos comprou. Um cristão, por exemplo, não podia ser professor, porque na escola ele era obrigado a ensinar o politeísmo greco-romano como verdade.
Não é fácil ser cristão na sociedade de hoje. O secularismo domina todas as áreas. Deus foi expulso de nosso tempo. Mesmo onde Deus parece que permanece, sob a forma, por exemplo, de um crucifixo num tribunal, o que permanece é uma herança cultural sem valor existencial. A vida da maioria das pessoas gira em torno de prestígio, poder e dinheiro. A corrupção se tornou um estilo aceitável de viver. A sonegação é algo natural e só não sonega quem não consegue. Esta linda palavra “política”, a arte de viver em sociedade, tornou-se impronunciável. Tornou-se um território onde os bons não querem estar, para alegria dos maus que a dominam…
Expressões como “soberania de Deus”, “propósito de Deus”, “misericórdia de Deus” sobrevivem apenas nos cultos. Mesmo os que as afirmam num templo não encontram espaço e estímulo para afirmá-las no seu dia a dia.
Então, Paulo, nos lembra que fomos chamados a viver diante de Deus precisamente neste tempo e não em outro, nesta sociedade e não em outra. E ao viver neste tempo e nesta sociedade, temos que viver como pessoas que têm um dono: Jesus Cristo.
Só viveremos segundo este princípio, quando estivermos lembrados que Cristo nos comprou com o seu próprio sangue. Nós custamos caros demais para Deus: a vida do Seu Filho.
Não pertencemos ao mundo em que vivemos. Nós pertencemos a Cristo. Às vezes, tanto nos envolvemos com o mundo em que estamos que parecemos ser dele. Estamos nele, mas não somos dele. Nós somos de Cristo.
Há muitos senhores desejosos de nos escravizar, para que façamos a cultura girar a favor deles. No entanto, nosso compromisso é fazer a cultura girar em direção a Deus. Como nos lembra John Piper, o sentido de nossa vida é obedecer a Jesus Cristo e desfrutar da presença de Deus no tempo em que vivemos.
O trabalho quer nos escravizar. Por isto, diante do emprego, por melhor que seja, devemos dizer: “Minha vida não é este emprego. Minha vida é obedecer a Jesus Cristo e desfrutar da presença de Deus no trabalho”.
A escola quer nos escravizar. O desejo, por exemplo, de entrar para uma universidade pública é legítimo, se esta for a meta de um cristão. Passar de ano todos os anos com média elevada é um desejo louvável, e bom seria que nossos adolescentes e jovens jamais se contentassem com médias inferiores a oito. No entanto, os fins não justificam os meios, mesmo porque nosso fim deve ser obedecer a Jesus Cristo e desfrutar da presença de Deus na escola.
A ciência quer nos escravizar. Ela precisa que lhe digamos que tudo é lícito e quer que nós façamos tudo para o seu progresso, como um culto que lhe prestamos. Por isso, nossa oração deve ser: “Minha vida não é a ciência. Minha vida é obedecer a Jesus Cristo e desfrutar da presença de Deus enquanto pesquiso, estudo e produzo”.
As amizades querem nos escravizar. Os amigos exigem lealdade absoluta, lealdade que não temos, porque já a prometemos a Jesus Cristo. Quantos amigos nos fazem convites que precisam ser atendidos na hora do culto, que demandam o tempo que dedicamos a oração e à leitura da Bíblia! A nossa meta é convidá-los, por nosso comportamento e por nossos lábios, a também prestarem lealdade a Jesus Cristo e a desfrutarem da presença de Deus em suas vidas, prazer que nós já fruímos.

Esta, pois, deve ser a nossa oração:

Oh, Senhor, que nos chamastes brasileiros,
neste tempo em que nem tudo compreendemos e muito menos aceitamos,
venha-nos ajudar a discernir os caminhos a trilhar.
Por vezes, Senhor, tudo parece tão natural, tão legítimo, tão normal,
que te rogamos que nos venhas orientar,
para que possamos fazer as escolhas que não nos escravizem,
porque nós te pertencemos.

Oh, Senhor que nos chamaste para viver neste tempo,
nós te pedimos coragem,
para conviver com o que não podemos mudar
e para mudar o que precisamos mudar,
seja qual for o preço a pagar.
Venha, Senhor, nos fortalecer,
para te enxergar nos esperando no final do caminhar.

Oh, Senhor, que nos chamastes para viver neste lugar,
nós te pedimos a alegria de Te servir,
de modo que desfrutar da Tua presença conosco
seja melhor que todas as presenças.
Venha, Senhor, nos cobrir com Tua graça,
graça que protege, desafia e capacita,
porque queremos ser completamente teus,
eis o que te rogamos em nome dAquele
que nos comprou, Jesus, o Teu Filho.

 

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