Êxodo 20.2-3: AMAR, CONFIAR, COMPROMETER

AMAR, CONFIAR, COMPROMETER

Êxodo 20.2-3

QUEM DEUS É
O primeiro mandamento nos adverte a tomarmos cuidado para não termos um deus que não é Deus. A advertência negativa contém uma mensagem positiva, na qual Deus começa por se auto-apresentar. Eis o que Ele diz de si mesmo: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão (verso 2). Esta simples afirmação traz um auto-retrato perfeito do Senhor da história.

1.1. Um deus pessoal (“Eu sou teu Deus”).
Esta declaração é uma espécie de recordação do que o próprio Deus dissera anteriormente (Êxodo 3.7-10), revelando-se por inteiro como um ser real. Quando se apresenta a Moisés, convocando-o para uma tarefa especial, Ele conta a história do seu amor pela humanidade a partir de um povo: De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo. Por isso desci para livrá-los das mãos dos egípcios e tirá-los daqui para uma terra boa e vasta (…). O clamor dos israelitas chegou a mim, e tenho visto como os egípcios os oprimem. Vá, pois, agora; eu o envio ao faraó para tirar do Egito o meu povo, os israelitas.
Este não é um Deus impessoal vago, como o Fernando Pessoa.
Emissário de um rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruçöes de além
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anômalo sentido…
Inconscientemente me divido
Entre mim e a missäo que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido…
não sei se existe o Rei que me mandou,
Minha missäo será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou…
Mas há! Eu sinto-me altas tradiçöes
De antes de tempo e espaço e vida e ser…
Já viram Deus as minhas sensações.
(PESSOA, Fernando. Obra poética e em prosa. Lisboa: Aguilar, 1986. p. 1101)

1.2. Um deus próximo.
Em seu auto-retrato, e para justificar o seu convite a um relacionamento pessoal, Ele lança mão da história recente para mostrar o que Ele faz. Por isto, recorda que o tirou do Egito o povo de Israel, puxando-a de uma condição de não-povo, porque escravo.
Ao Egito não interessava perder aquela mão-de-obra, utilizada especialmente na construção de cidades e palácios. O Egito era uma nação suficientemente poderosa, militarmente falando, para impedir uma fuga ou qualquer movimento de libertação. Os ouvintes destas palavras sabiam disto. Um pouco antes, Ele chega a usar um verbo para descrever sua ação: desci (Êxodo 3.8). Aquele que estava no alto veio para o baixo. Aquele que parecia distante aproximou-se ao máximo. Agora, quando se revela ao povo para esta grande instrução, Ele vem ao monte e pede ao povo que suba para o encontro.
Graças a Jesus Cristo, este encontro se tornou completo. Ele nos revelou o Pai. Mais que isto, Ele nos ensinou que temos um Deus-Companheiro, o Espírito Santo. O deus distante é para quem quer viver distante, porque Ele é presente. O salmista experimentou-o como presente na angústia. Canta ela: Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade (Salmo 46.1). Ele é aquele que está presente no meio dos justos (Salmo 14.16).

1.3. Um deus soberano
Diante  do sofrimento, Ele tomou a iniciativa de libertar. Diante da necessidade de libertar, Ele tomou a iniciativa de chamar Moisés para liderar a retirada. Diante da fragilidade do seu povo, Ele tomou a iniciativa de se tornar um companheiro de lutas. Para o povo sozinho, o deserto era um horizonte invencível. Para o povo acuado, o mar era um beco sem saída.
Deus é soberano, não para oprimir, mas para libertar. Deus é soberano, não para se exibir, mas para usar o  seu poder para salvar.
Por isto, quando Moisés disse “sim”, entregando-lhe o controle, Deus o conduziu, junto conduzindo o povo que precisava sair da escravidão. Moisés entendeu que Deus dava as ordens; ele as seguia. O homem não determina o que Deus faz; se o homem deixa, Deus assume o controle e o leva à vitória, não importam os desertos, nem as montanhas, nem os mares, de qualquer natureza, geológicos ou psicológicos, financeiros ou espirituais. Seu convite é o que deixemos ser soberano, não que lhe apresentemos instruções sobre como proceder para que as coisas dêem certo.

2. PORQUE TER A DEUS COMO SENHOR
O primeiro mandamentos nos convida a não ter outros senhores diante de Deus. Suas credenciais estão apresentadas.
Estas credenciais podem ser tornadas reais para cada um que se dispõe a viver segundo o Seu convite.

2.1. Só devemos ter como Deus o Deus que nos tira da escravidão.
A servidão do Israel antigo era de um tipo, trazendo-lhe infelicidade e falta de perspectiva para viver. Ainda experimentamos um certo tipo de servidão, feita de miséria coletiva, composta por falta de esperança, integrada por uma avalanche de violência. Todos somos convidados a participar da reconstrução de uma sociedade que escolheu a destruição. Deus quer “descer” para libertar.
Esta libertação, cremos assim, precisa começar por uma libertação individual, que será incompleta se não incluir o desejo e o envolvimento na libertação geral.
Não há revolução que valha a pena sem que o instinto, o medo, a idolatria e a cegueira sejam dominados. Não há libertação geral sem que a identidade pessoal seja restabelecida. Fora do programa de Cristo temos programas que  se impõem pela violência, e o que precisa ser imposto pela violência não é algo pelo qual valha a pena lutar.
Aprendemos com o Deus que tira o povo da escravidão no Egito que Ele pode restabelecer a nossa identidade, quando nos entregamos a Ele.
A história de J. nos ajuda a entender o que é a liberdade oferecida pelo EU SOU O QUE SOU.
Quando me dei conta estava indo lá pra frente. Me lembro de pensar: “Caraca! O que é que eu tou fazendo aqui?”. Mas era tarde demais pra voltar. Eu estava me entregando pra Deus. (…) Um mês antes (…) meu então namorado tinha me feito um desafio: parar de fumar pelo menos por uma semana. Fez também um convite: uma Aliança com Jesus. Era aniversário do meu pai. Eu estava triste, com saudades e tinha me esquecido de comprar meu Marlboro. Só me restava um único no maço, que fui deixando pra fumar depois do jantar, com o cafezinho. Mania de fumante. Aceitei ambos: o desafio e o convite. Foi o fim de 12 anos de vícios. O início duma vida nova. “Sacrificamos” o último cigarro. Foi queimado, destroçado e jogado do oitavo andar. (…)
Acabei parando de fumar maconha e de tomar cerveja, porque as duas coisas me davam vontade de fumar cigarro. Eu já tinha abandonado as drogas pesadas há algum tempo, só que continuava fumando baseado todo dia e bebia cerveja várias vezes por semana. Ia pra shows, bares, todos os lugares em que havia agito eu bebia. E se desse pra dar dois eu dava, sempre tinha unzinho comigo. Mas tive que voltar pra casa e enfrentar meu quarto que fedia à fumaça.
O nosso namoro acabou por afastá-lo da igreja. (…)
Nós nos conhecemos batendo papo na internet. Depois de muitos e-mails, telefonemas e alguns encontros começamos a namorar. Foi uma paixão arrasadora, achamos que iríamos casar e ter filhos, mas o fogo foi diminuindo e começou a esfriar. Então ele me incentivou a procurar uma igreja perto da minha casa, pra que eu tivesse minha própria experiência, pra não ficar escorada nele. Eu fui.
Seguindo a sugestão dele, saí num domingo às 6 da tarde, sem levar nada além das chaves e carteira de identidade. Antes, orei pedindo um sinal e orientação a Deus, abri a Bíblia e me deparei com a primeira página de Ezequiel, onde dizia: “Um Coração Novo”, e a introdução ao texto indicava os três passos para a construção de um mundo novo e tal. Beleza. Coração novo, mundo novo… tá bom. Fui pra rua pensando no que tinha lido e tentando lembrar onde tinha uma igreja por perto. Lembrei de várias bem próximas, fui até elas, mas como ainda era cedo, estavam todas fechadas. Fiquei andando pelo bairro e, perto das sete horas da noite, voltei em direção a uma Igreja Batista (…).
Comecei a sentir sede, mas não tinha nem um real pra comprar água. Entrei na igreja, peguei a programação daquela noite e fui pro santuário. Estavam terminando um ensaio das músicas do culto. Esqueci da sede. Guitarra, violão de aço, bateria, baixo, percussão, piano, flauta, vocalistas e coristas. Aquilo mexeu comigo. Pensei: “Uma banda na igreja. Que legal! Esse baixista tem uma pegada de jazz… a guitarra tá com distorção… que som maneiro!”. Fiquei escutando e lendo o que tinha pego na recepção, esperando o começo do culto. Lá na Igreja Batista eles fazem a programação do culto impressa e têm também, um papel que vai junto, com um resumo para leitura e estudos diários. Esse papelzinho escorregou e, fiquei surpresa ao ver que a leitura programada para aquela semana era sobre Ezequiel. Lembrei da sede. Guardei o papelzinho de volta no boletim do culto e comecei a lê-lo. A palavra da noite era sobre água. Logo no início estava escrito: “Precisamos de Deus como a terra árida precisa de água”. Fiquei com mais sede, mas nem lembrei de procurar um bebedouro. O culto estava começando.
Entrou um coral enorme e eles cantaram uma música linda que me fez chorar logo nos primeiros compassos.
Fizemos depois a leitura de Atos 8:36-38 que me mostrou que qualquer um que creia e que queira ser salvo por Jesus, será salvo e batizado. Eu podia ser salva.
(…) O pastor chamou uma pessoa pra dar testemunho — haveria um batismo no domingo seguinte. O testemunho dele me fez chorar mais ainda, porque era uma história muito parecida com a minha: ele também é músico e, a partir da perda de uma pessoa muito querida, caiu no “mundo” de boca e braços abertos. Rendi-me às coincidências e resolvi deixar que Deus me mostrasse o que poderia fazer por mim.
Eu tinha também a esperança de que meu namorado se reaproximasse de mim, pois as coisas entre nós estavam meio mornas. Dois dias depois de saber da minha conversão, ele terminou comigo.
Voltei na quarta-feira seguinte. Estava desesperada. Passei quase dois meses chorando em todos os cultos que ia. Ficava emocionada com qualquer música. Escutava as músicas do Fruto Sagrado e do Oficina G3 e chorava. Com as lentas e com as pesadas também. O ex me apresentou essas bandas e foi por causa das músicas deles que abaixei a guarda e perdi o preconceito que tinha com música de crente. Eu cresci ouvindo rock e percebi que tinha rock de Deus e era muito bom. (…)
Fui conhecendo as pessoas da igreja, reencontrei antigos colegas do colégio, entrei no coro do Natal, fui ocupando meu tempo com as coisas da igreja e um dia percebi que meu coração não estava mais sangrando. Consegui perdoar o cara e me perdoar também. Pude enxergar tudo que aconteceu comigo como quem olha um labirinto de cima. Compreendi que Deus tinha usado aquele rapaz cristão pra me tirar do meu caminho, que certamente me levaria a algo ruim, a decepções, a perigos, e que através do amor e da música Ele conseguiu chegar até mim. Quando percebeu que eu tinha aceitado Jesus, o namorado me deixou pra que Deus pudesse entrar na minha vida e tomar conta do meu coração doente. O sofrimento me fez buscar a cura com fé, entreguei tudo nas mãos do meu Pai de Amor, só me restava confiar nEle e deixar que o tempo fizesse sua obra.
Hoje estou certa de que é isso que quero pra toda minha vida nesse mundo errado e perdido. Hoje posso comemorar a cada dia a minha liberdade. Firme na Rocha. Como na música do APC 16: “Liberdade não é dominar, Liberdade é não se deixar dominar por nada”. (J. Testemunho. Disponível em <http://www.ministeriofila.org/ide/artigo.asp>. Acessado em 17.5.2003.)

Deus muda as nossas vidas. Quando Ele nos liberta, vivemos não mais nós, dominados por nossos instintos, mas Cristo vive em nós e por nós (Gálatas 2.20).

2.2. Só devemos ter como Deus o Deus que nos conduz para a plenitude.
Ele não nos tira e deixa no deserto ou no mar, mas nos leva até o lugar de descanso. Ele vai conosco até o fim. Jesus é sua grande prova. A dádiva do Espirito Santo é a continuidade deste amor. Por isto, o ministério do Espirito Santo é o ministério da companhia.
Ainda não somos plenos.
Deus se revelou, está-se revelando e ainda se revelerá.
Sua plenitude não é ausência de problemas, mas sentido para viver e lutar, mesmo diante dos problemas. O problema de todos nós é o problema da falta de sentido. de entendimento do que aquilo significa.
Sua plenitude significa pertencimento, que quer dizer que não estamos sozinhos no mundo.
Esta plenitude implia também no restabelecimento da nossa identidade. Ao nos tirar da servidão, Ele nos dá uma identidade, restabelecendo a nossa identidade original, identidade de pessoas livres.

2.3. Só devemos ter como Deus o Deus que nos envolve num compromisso.
Precisamos levá-lO a sério, conhece-lo mais. Precisamos nos dispor a sermos seus parceiros na reconstrução do mundo. É nesta esperança que vale a pena viver.

3. CONCLUSÃO (João 21.15-17)
Em síntese, não ter outro deus, ou outros deuses, significa:

3.1. Amar a Deus
Amar a Deus é querer Deus como Senhor.
Você me ama, mais que às coisas e às pessoas?

3.2. Confiar em Deus
Confiar em Deus é entregar mente e coração a Deus.
Você confia em mim, mais do que confias em coisas e pessoas?

3.3. Comprometer-se com Deus
Comprometer-se com Deus considerar Deus como valor supremo.
Você se deixa envolver por mim, para sermos parceiros na reconstrução do mundo?