Salmo 130 — LIBELO CONTRA A SUPERFICIALIDADE

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PRELÚDIO SOBRE ORAÇÃO
A oração é a linguagem da alma. A oração não é o território do lugar-comum, da frase feita, da palavra previsível, das seqüências bem ordenadas, da razão senhora.
A oração é o espaço do encontro do homem com Deus. Não se ora se não com assombro. Nós podemos orar e Deus nos ouve. Isto é assombroso. Nós, os pecadores, nos encontramos com o Santo, Santo, Santo Deus e sobrevivemos. O encontro é maravilhoso e temos que ficar maravilhados.
A oração é o quarto do desnudamento. Deus nos vem como Ele é e nós nos vamos a Ele como nós somos. Ele não disfarça e nós não precisamos disfarçar. Não há testemunhas para nos julgar. Se é em particular, ninguém está vendo, porque estamos sozinhos com Deus. Se é em público, ninguém está vendo porque todos estão orando também.
A oração é como se fosse o último aceno que um náufrago consegue dar para pedir socorro, o último grito que a vítima de um incêndio pode dar para chamar por socorro.
A oração é a atmosfera onde o desejo humano se sente livre para se expressar diante de Deus.
A oração é um convite a uma vida de profundidade.
As pessoas superficiais não oram. 
É na profundidade que se ora. 
É na profundidade que se vive.
 
1. Quem é profundo sabe que pode orar. Quem é profundo tem o desejo de orar, como se orar fosse a sua forma de respirar. Não importa onde esteja, ele vai orar, seja no túnel que parece sem fim, seja na montanha onde parece respirar o vento dos céus. Não importa como esteja, ele vai orar, esteja caminhando em passos largos e lépidos, esteja cabisbaixo, quase a se arrastar. Se está precisando de algo, ele ora e pede. Se não está precisando de nada, ele ora e agradece. “Quando invocamos a Deus em circunstâncias impossíveis, demonstramos que ainda confiamos nele e estamos pedindo que intervenha”. (Comentário Bíblico Africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010, p. 756) Quem é profundo das profundezas clama ao Senhor (Salmo 130.1)
 
2. Quem é profundo sabe que será ouvido. Ele não precisará marcar audiência com Deus. Em outros momentos, foi ouvido e isto faz parte do livro da sua vida. Ele não precisará usar formulas, porque as fórmulas (como “Pai nosso, que estás nos céus” ou “em nome de Jesus”) são apenas para ensinar a orar, porque o “como” é com cada crente. Cada um ora do seu jeito. A forma de oração não interfere na sua resposta. Orar bonito sem profundidade é orar feio. Orar por orar é desperdiçar a oportunidade do encontro com o amado; orar displicentemente é como se encontrar com uma pessoa querida e ficar olhando para o teto. Quem é profundo pede que Deus o ouça, que Deus o atenda (Salmo 130.2)
 
3. Quem é profundo sabe que é profundamente pecador, mas também sabe que Deus é completamente perdoador. O encontro com Deus lhe revela a sua pecaminosidade. O encontro faz dele um Isaías no templo, um lábio impuro habitado uma terra de impuros lábios. O salmista se angustia, o apóstolo Paulo se agita: “Todos se desviaram, igualmente se corromperam; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Salmo 14.3). “Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer”. (Romanos 3.12) A consciência da intensidade do nosso pecado deve ser irmã da consciência do perdão de Deus. Em lugar de uma lista de pecados, devemos fazer uma lista de perdões. “Só uma coisa resolve o problema do pecado: o perdão divino” (CÉSAR, Elben. Refeições diárias com o sabor dos salmos. Viçosa: Ultimato, 2003, p. 323) Nós fazemos lista dos pecados que os nossos amigos cometem, para vermos se os perdoamos. Deus não faz lista, porque seu projeto é apagar os itens da possível lista. Jesus rasgou a lista na cruz (Colossenses 2.13-14). Devemos também rasgar nossas listas, imitando o que Deus fez conosco, mesmo que unilateralmente, exatamente como Ele fez. Esta deve ser a nossa convicção:
 
“Se tu, Soberano Senhor, registrasses os pecados, quem escaparia?” (Salmo 130.4a)
 
Outra versão nos ajuda a perceber o amor de Deus: “Se tu tivesses feito uma lista dos nossos pecados, quem escaparia da condenação” (NTLH) 
 
Esta deve ser a nossa confiança:
“Mas contigo está o perdão para que sejas temido” (Salmo 130.4b)
 
Temer ao Senhor não é ter medo, não é tremer diante dEle, mas é vê-lO como o único que pode perdoar e, então, verter-se em gratidão.
 
Outra versão amplia como deve ser nossa atitude:
 
“Mas o perdão é coisa tua e assim te fazes respeitar” (Salmo 130.4b — Shôkel-Carniti)  
Deus não se faz respeitar pelo ódio, mas pelo amor. Você quer ser respeitado, abaixe as mãos, desarme-se, desodeie, ame. Você conquistará seu inimigo. Levante as mãos, mostre força, esteja pronto para a guerra, odeie. Você, no máximo, empatará com o seu inimigo. Deus é diferente porque ama. O amor nos torna diferentes. O ódio nos iguala no que temos de pior.
 
4. Quem é profundo não se desespera, diante do seu próprio pecado ou diante do pecado dos outros, diante das suas dificuldades ou das dificuldades das outras pessoas, diante de enfermidade ou da enfermidade de uma pessoa querida, porque sabe que pode esperar em Deus. O crente sabe que não tem nenhum direito de exigir a intervenção divina em seu favor. Sua oração é a do cego Bartimeu: “Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim” (Marcos 10.47). O crente não olha para seu currículo moral ou espiritual e ora como se merecesse receber, como se fosse lógico receber, como se Deus tivesse obrigado a lhe conceder. Sua atitude, diferentemente, é a do salmista:
 
“Espero no Senhor com todo o meu ser, e na sua palavra ponho a minha esperança.   
Espero pelo Senhor mais do que as sentinelas pela manhã;
sim, mais do que as sentinelas esperam pela manhã!   
Ponha a sua esperança no Senhor, oh Israel, 
pois no Senhor há amor leal e plena redenção.   
Ele próprio redimirá Israel de todas as suas culpas”. 
(Salmo 130.5-8)
 
Das profundezas, isto é, com todo o nosso ser é que devemos esperar em Deus.
Nossa esperança se fundamenta na Sua Palavra, uma vez que é nela que encontramos o anúncio do perdão.
Nossa esperança não está em coisas, ou em nós mesmos, ou em pessoas. Esperar em Deus confiar em Deus. Confia em Deus quem depende de Deus.
Nosso desejo é ver Deus ao nosso lado. Desejamos Deus como o vigia noturno deseja que a manhã chegue e possa ir para casa. Às vezes, saio de casa, antes do vigia do prédio. Ele está ansioso para partir, para poder finalmente descansar. Ele precisa que a hora chegue e que seu colega do dia tome o seu posto. Só quando Deus nos visita, podemos descansar. Só nEle há “hesed” (misericórdia).
Todas as experiências do povo de Israel foram possíveis por causa da “hesed” divina. “Hesed” é uma palavra hebraica de tradução quase impossível por sua riqueza. Ela se refere ao amor de Deus para conosco, amor que é permanente, constante, extravagante, furioso e fiel. Lendo o Novo Testamento, aprendemos que este amor encontrou sua mais linda expressão através de Jesus Cristo. Para simplificar, os tradutores empregam palavras como graça, misericórdia, benignidade, fidelidade ou amor leal. 
Assim, como o salmista, quem crê em Deus não consegue não louva-lO, mesmo nas horas difíceis. Se não conseguimos louvar a Deus pelo que está acontecendo conosco agora, podemos celebra-lO pelo que já aconteceu conosco e pelo que ainda acontecerá. Só não louva a Deus quem não tem memória. Só não O louva quem não tem esperança.
Não bastasse nossa própria experiência, temos o convite bíblico, baseado nos atos de Deus na vida do seu povo. Nós somos seu povo, objeto de sua “hesed”, que é constante e perene.
 
POSLÚDIOS
1
Então, quem é profundo quer ter CONHECIMENTO de Deus.
Nós precisamos deseja conhecer a mente de Deus. Ele nos revela Sua mente através da sua Palavra. Precisamos ler mais e melhor este livro. 
A vontade de Deus para as nossas vidas está apresentada neste Livro.
As respostas para os problemas da nossa sociedade estão neste Livro.
 
Eis um teste imaginário para o seu conhecimento:
 
1. Quantas vezes você já leu a Bíblia toda?
2. Que tempo a Bíblia ocupa na sua semana?
3. Que recursos você usa para ler, compreender e interpretar a Bíblia?
4. É claro para você porque há dois Testamentos na Bíblia?
5. Como você compara o seu conhecimento na área de sua atuação profissional com o seu conhecimento da Bíblia?
6. Quando você ouve ou lê que a Bíblia é um livro escrito por homens como todos os outros livros, o que você diz?
7. Você sente que tem crescido no conhecimento da Bíblia?
8. Você é um bereano? (Atos 17.11)
9. Você se contenta apenas com o culto para o seu crescimento espiritual ou procura outras formas de estudo individual e em grupo?
10. Você se satisfaz com versículos bíblicos isolados ou busca as referências e lê o texto e seu contexto?
11. Como você se sente ao ler Isaias 5.13 e Oseias 4.6?
 
 
2
Quem é profundo quer ter COMPROMISSO com Deus. Estar compromissado com o Senhor é estar com Ele no sofrimento e na alegria. No sofrimento, porque Deus intervém e nos acompanha. Na alegria, porque ela veio dEle. Uma coisa que me choca na fé cristã é ver como alguns cristãos, na hora da dificuldade, se comportam como qualquer pessoa. Quando são ofendidos, reagem como qualquer pessoa. Quando ficam doentes, reagem como qualquer pessoa. Quando lhes morre uma pessoa querida, reagem como qualquer pessoa. As pessoas resolvem do seu jeito. Uma pessoa que tem compromisso com Deus resolve do modo de Deus.
Nosso compromisso com Deus tem uma dimensão intelectual, moral e espiritual.
 
Nosso compromisso com Deus no campo intelectual só se firma a partir da leitura e estudo da Bíblia. A recomendação bíblica é clara: “Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém” (2Pedro 3.18).
 
Na área moral, nossa vida precisa falar mais alto; nossos negócios têm que ser honestos e verdadeiros; nosso futebol tem que ser mais limpo.
Ouçamos a oração de alguém cuja fé lhe impunha um compromisso de ordem moral:
“Coloca, Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta de meus lábios. Não permitas que o meu coração se volte para o mal, nem que eu me envolva em práticas perversas com os malfeitores. Que eu nunca participe dos seus banquetes!” (Salmo 141.3-4)
Nosso comportamento não se dá no vazio, mas nos relacionamentos, pacíficos ou conflituosos. 
É uma prática generalizada falar da vida alheia. Não nos importamos em saber se é verdade, falamos. Sobretudo se não gostamos. Então, “coloca, Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta de meus lábios”.
Vemos o mal tantas vezes que nos envolvemos com ele. Então, Senhor, “não permitas que o meu coração se volte para o mal, nem que eu me envolva em práticas perversas com os malfeitores”. 
Recebemos convites tentadores, especialmente por parte dos que têm dinheiro. Aceitamos? Senhor, “que eu nunca participe dos seus banquetes!”
 
Nosso compromisso com Deus se revela na dinâmica espiritual de nossas vidas, no modo como cuidamos de nosso corpo, do nosso temperamento, da nossa saúde mental, do nosso tempo gasto em contemplar a beleza de Deus. Nosso corpo é um dom de Deus: precisamos comer regradamente; precisamos cuidar de nossa saúde; precisamos fazer exercícios físicos. Nossa mente é um dom de Deus: ela precisa de relacionamentos saudáveis, de boas leituras e de bons programas artísticos.; precisamos manter nossos cérebros ativos. Nossa alma precisa comunhão com Deus.
 
3
Quem é profundo almeja ter COMUNHÃO com Deus. Estar em comunhão com Deus é viver como se Deus estivesse ao nosso lado. Sim, Ele está ao nosso lado. Quando você está triste e vai a um amigo e conversa com ele, como você volta? Você volta aliviado e renovado. Deus é nosso amigo. Podemos fazer amizade com Ele.
Um poeta bíblico cantou assim: “Sempre tenho o Senhor diante de mim. Com ele à minha direita, não serei abalado”. (Salmo 16.8) Na hora do medo, podemos não ter medo. Na hora da solidão, podemos não estar solitários. Na hora da dor, podemos sofrer menos ou não sofrer.
Uma vida de comunhão ora como o poeta bíblico: “Seja a minha oração como incenso diante de ti, e o levantar das minhas mãos, como a oferta da tarde” (Salmo 141.2)   
Estar em comunhão com Deus é ter os olhos fixos em Deus (Salmo 141.8), para segui-lo em seus movimentos. É assim que devemos viver: “Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hebreus 12.1-2). 
 
A superficialidade não nos ajuda em nada. Ela só gruda mais fácil na gente. Quando precisamos, ela descola da gente. Abaixo a superficialidade.
Que nossa oração venha das profundezas. Que nossa vida cave mais fundo. 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO