1. Sacrifício é uma norma. O relacionamento com Deus é o princípio.
Sacrificar a Deus é oferecer algo a Deus, prática presente nas religiões em geral e na cristã em particular, em que o ato supremo foi o sacrifício do Filho de Deus em lugar dos seres humanos. O sacrifício é oferecido como forma de obter o perdão de Deus pelo pecado.
No período cristão, o sacrifício por excelente é o culto, individual ou coletivo, prestado a Deus e diante de Deus. Nele o cristão louva ao Senhor por Seu atos de bondade.
Pede Deus tais sacrifícios?
O Pentateuco pode ser visto também como uma coletânea de orientações sobre os sacrifícios. No entanto, Deus diz, pela boca do profeta Jeremias:
. “Quando tirei do Egito os seus antepassados, nada lhes falei nem lhes ordenei quanto a holocaustos e sacrifícios” (Jeremias 7.22)
Um salmista cantou, feliz:
. “Sacrifício e oferta não pediste, mas abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não exigiste” (Salmo 40.6).
Outro profeta, no entanto, diz que Deus restabelecerá os sacrifícios:
. “Esses [o povo fiel] eu trarei ao meu santo monte e lhes darei alegria em minha casa de oração. Seus holocaustos e demais sacrifícios serão aceitos em meu altar; pois a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Isaías 56.7).
Nos sacrifícios estabelecidos ao tempo de Moisés o que importava era o princípio subjacente a eles: Deus quer que nos relacionemos com Ele. A prática tinha um sentido: relacionamento. Ela em si mesma não tinha valor. O valor estava no que remetia.
2. Sacrifício não é algo em que se confie. É em Deus que se confia.
A idolatria (colocar pessoas ou coisas no lugar de Deus) é uma ameaça constante, é uma possibilidade permanente.
Então, o poeta convida:
. “Ofereçam sacrifícios como Deus exige e confiem no Senhor” (Salmo 4.5).
O que Deus exige é que confiemos nEle.
Podemos manipular os sacrifícios, e por isto gostamos de os oferecer, mas não podemos controlar Deus.
Confiar em sacrifícios e confiar em nós mesmos. Um culto bonito é um perigo. Ele pode se tornar um fim em si mesmo. Mas um culto não pode nada. Um cultuante não pode nada. Deus pode tudo; por isto, confiamos nEle.
3. O sacrifício como moeda de troca não é aceito por Deus.
A advertência do sábio nos deixa atônitos:
. “O sacrifício dos ímpios já por si é detestável; tanto mais quando oferecido com más intenções” (Provérbios 21.27).
Cada um de nós precisa pensar porque louva, porque evangeliza, porque dizima. Pode ser que Caim nos habite. E o sacrifício de Caim não é aceito.
4. A religião implica em conhecer a Deus profundamente
O sacrifício, com toda a sua arte, com todas as suas regras, pode nos afastar do conhecimento (relacionamento, algo prático, não meramente intelectual) de Deus.
O conhecimento de Deus (relacionamento com Deus) é a nossa raiz, a partir do qual cresce árvore sólida. O amor a Deus, que é cultivado todos os dias, nos fortalece para o sofrimento, nos robustece para as idéias antiDeus que circulam. Sacrifício pode ser tão sólido quanto uma neblina. Relacionamento pode ser tão forte quanto uma árvore vigorosa.
Deus ainda nos pergunta:
. “Que posso fazer com você, Efraim? Que posso fazer com você, Judá? Seu amor é como a neblina da manhã, como o primeiro orvalho que logo evapora. Pois desejo misericórdia, e não sacrifícios; conhecimento de Deus em vez de holocaustos” (Oseias 6.4 e 6).
Como diz um hino antigo, muitos que um dia andaram perto de Deus hoje longe vão por falta de conhecimento de Deus. Uma decepção os levou para longe de Deus. Um ensino (mesmo fora da Bíblia) se tornou verdadeiro para eles.
5. A prática do sacrifício (culto) não nos exime de uma vida reta.
O sábio da Bíblia toca na ferida:
. “Fazer o que é justo e certo é mais aceitável ao Senhor do que oferecer sacrifícios” (Provérbios 21.3).
Esta é uma difícil axiologia. Cantar é mais fácil. Dar o dízimo é mais fácil. Falar do amor de Deus é mais fácil. Oferecer sacrifícios é mais fácil. Conseguimos fazer isto dando jeitinhos nas coisas para levarmos vantagem. Conseguimos fazer isto desprezando o nosso irmão.
Se o nosso cântico não nos abrir os olhos para o nosso próprio pecado, não passa de espetáculo.
Se o nosso dízimo não nos mostrar que somos todos (os outros e, sobretudo, nós mesmos) dependemos de Deus, não passa de uma tentativa vã de fazer negócio com Deus.
Se a nossa fala sobre Deus não vem de dentro de nós mesmos é repetição sem valor.
Se a nossa adoração não nos faz pessoas melhores, não passa de crassa idolatria.
Como nos adverte o autor aos Hebreus, “se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (Hebreus 10.26).
6. A religião precisa se expressar em ações concretas em favor da justiça.
Lemos, mas parece que não aprendemos, tal a força dos sacrifícios:
. “Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã. A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (Tiago 1.26-27).
Tiago é o livro da justiça, não, a Bíblia é o livro da justiça. Provérbios, por exemplo, trata de relações justas em 105 versículos.
Ao longo do Livro divino, as recomendações são desafiadoras:
. “Não se esqueçam de fazer o bem e de repartir com os outros o que vocês têm, pois de tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13.16).
Jesus mesmo nos ensinou:
. “Se vocês soubessem o que significam estas palavras. ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios’, não teriam condenado inocentes” (Mateus 12.7).
. “Amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas” (Marcos 12.33).
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Que estamos fazendo, se somos cristãos?
ISRAEL BELO DE AZEVEDO