1Pedro 5.1-9 — PRINCÍPIOS PARA UM MINISTÉRIO APROVADO POR DEUS (Sylvio Macri)

 

É com angústia e perplexidade que temos visto os problemas que têm acontecido com o ministério pastoral em nossos dias. Parece que perdemos o rumo, que falta um norte, uma indicação segura de como proceder – do lado dos pastores, e de como avaliar – do lado das ovelhas. Infelizmente, mais uma vez, como em outras questões, temos abandonado a nossa regra de fé e prática para adotar critérios humanos. As igrejas passaram a escolher seus pastores a partir de um perfil estabelecido segundo exigências carnais, tais como formação acadêmica, capacidade de articulação política e social, encanto pessoal, indicações e influências de terceiros, currículo, etc. (e os pastores também passaram a pautar-se por este modelo). Mas se quisermos voltar para a Bíblia, os princípios para um ministério aprovado por Deus estão lá. E nenhuma passagem resume mais adequadamente esses parâmetros do que I Pedro 5:1-9. É um roteiro básico de quatro pontos que, se obedecidos, levarão o pastor a receber a sua imarcescível coroa de glória, quando se manifestar o sumo Pastor – Jesus. Vejamos quais são tais princípios.

 

I. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter o sentimento correto.

A primeira parte do v. 2, de I Pd. 5, diz: “Cuidem do rebanho de Deus de quem vocês são pastores, e façam-no, não sob compulsão, mas por livre vontade, assim como Deus o faria.” Esta é a versão da New English Bible, da qual gosto muito porque adotou uma das possibilidades de tradução – para mim a melhor – da expressão grega kata theon (como Deus o faria). Paulo dizia que, como pastor, era constrangido apenas pelo amor de Cristo (II Co.5:14). Aos tessalonicenses ele se apresentou com um amor comparável ao de mãe: “Quando estivemos com vocês…. fomos como uma mãe ao cuidar dos seus filhos. Nós os amávamos tanto, que gostaríamos de ter dado a vocês não somente a boa notícia que vem de Deus, mas até mesmo a nossa própria vida. Como nós os amávamos!” (I Ts.2:7,8 – NTLH). Isto é o que Deus faria se estivesse no lugar de Paulo. Escrevendo aos filipenses, o apóstolo revela que há um outro pastor de igual sentimento: “Timóteo é o único que se preocupa com vocês como eu me preocupo e é o único que, de fato, se interessa pelo bem-estar de vocês. Pois todos os outros se preocupam com os seus próprios interesses e não com os de Jesus Cristo.” (Fp.2:20,21 – NTLH).   

Mas encontramos outros sentimentos no texto de I Pd.5:1-9. A espontaneidade (livre vontade) aqui mencionada é a marca da alegria. Tudo o que é feito por nossa livre escolha é feito com alegria. Não me sinto bem quando ouço candidatos ao ministério, no exame de consagração, darem a entender que foram “forçados” a seguir o ministério, por terem fracassado todas as tentativas de seguir outras carreiras.

O sentimento de humildade que está presente neste texto e em outros pontos da mesma epístola, é o mesmo que houve em Cristo Jesus (Fp.2:5-8). O pastor que é dominado pela mente de Cristo, é dominado pela humildade. Quando Pedro fala em “cingir-se da humildade”, o sentido original é o de vestir uma peça de roupa e amarrá-la firmemente. O pastor precisa agarrar-se à humildade, porque somente assim receberá graça para cumprir seu ministério (v.5). Não pode exaltar-se a si mesmo, somente Deus pode fazê-lo (v.6).

O sentimento de paz é alcançado pelo pastor que lança todas as suas ansiedades sobre Aquele que o chamou para a obra, e que por isso não se deixa dominar pela angústia, incerteza, inquietação, insegurança quanto ao seu sustento, seu sucesso, ou quanto à falta de apoio, ingratidão, injustiça, etc. Deus jamais deixará de cuidar do servo que chamou para o ministério (v.7).


II. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter a motivação correta.

A isto se refere a segunda parte do v. 2: “Nem por torpe ganância, mas de boa vontade”. Algumas traduções adotam aqui o estilo “curto e grosso”, falando claramente em “ambição de dinheiro” (Dios Habla Hoy), “mero pagamento” (Good  News Bible), ou “ganho ilícito” (Almeida século 21). A NTLH diz: “Não façam seu trabalho para ganhar dinheiro”. O sentido original é “lucro vergonhoso”. A alternativa que Pedro apresenta é fazer o trabalho “com verdadeiro desejo de servir” (NTLH), ou “com absoluta devoção” (New English Bible).

Sem dúvida, “digno é o trabalhador do seu salário” (I Tm.5:18), mas Paulo lembrou aos pastores de Éfeso: “De ninguém cobicei prata nem ouro nem roupas…. em tudo vos dei exemplo de que deveis trabalhar assim…. recordando as palavras do próprio Senhor Jesus: É mais bem-aventurado dar do que receber.” (Atos 20:33,35 – Almeida século 21). Aconselhando ao inigualável pastor Timóteo ele diz: “Tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos”, palavra inaceitável para a grande maioria dos pastores de hoje. Na mesma passagem ele observa que aqueles que “pensam que a piedade é fonte de lucro” provocam “difamações, suspeitas malignas e atritos constantes”, e acabam sucumbindo a “tentações, armadilhas e desejos descontrolados e nocivos”, mergulhando “na ruína e na destruição, pois o amor do dinheiro é a raiz de todos os males”. E diz a Timóteo para “fugir de tudo isso.” (I Tm.6:3-15 – NVI). Escrevendo aos filipenses, o apóstolo era levado até às lágrimas ao adverti-los contra os obreiros cujo “deus era o estômago”, que se orgulhavam “do que é vergonhoso” e que só pensavam “nas coisas terrenas”. (Fp.3:17-20 – NVI). Isto não nos parece tão familiar hoje? Por isso é que Pedro exorta: “Tende bom senso e vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, procurando a quem possa devorar” (v.8 – Almeida século 21). O Diabo trabalha na motivação do ministro, para destruí-lo.

Ao invés de buscar ter mais em sua conta, o pastor deve buscar que suas ovelhas “cheguem a ter mais na conta delas diante de Deus” (Fp.4:17 – Dios Habla Hoy).


III. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso estar na posição correta

A primeira parte do v. 3 de I Pd.5 diz: “Não tiranizando aqueles que foram destinados aos seus cuidados” (New English Bible). Phillips traduz: “Não procureis ser pequenos deuses”. A versão Dios Habla Hoy traz: “Comportem-se, não como se vocês fossem donos dos que estão ao seu cuidado…”. O verbo que está no original é usado para descrever a ação dos déspotas.

Trata-se de uma ressonância clara do ensino de Jesus: “Como vocês sabem, entre os pagãos há chefes que se crêem com direito de governar com tirania a seus súditos… mas, o que quiser ser grande entre vocês deverá servir aos demais, e o que, entre vocês, quiser ser o primeiro, deverá ser escravo dos demais. Porque nem mesmo o Filho do homem veio para que o sirvam, mas para servir e dar a sua vida em resgate por uma multidão” (Mc.10:42-45 – Dios Habla Hoy). Quando Jesus disse isto, estava falando de uma coisa simplesmente inaceitável para um judeu, “filho de Abraão”, que não tinha nascido para ser escravo (Cf. Jo.8:32,33), mas, para não haver dúvidas, Jesus aplicou seu ensino a si mesmo. O grande hino da igreja primitiva cuja letra está em Fp.2:5-11 mostra como ele se tornou o maior exemplo de seu próprio ensino.     

A posição correta do pastor é a de servo, não a de déspota ou tirano da igreja. Há muitos tipos de tirania, mas a pior tirania é a que se impõe sobre mentes e corações. Me assusta muito ouvir de pastores que afirmam ter sido acometidos por uma visão irresistível, e que as ovelhas que não os seguem nessa visão são desobedientes. Isto é uma prática odiosa de manipulação das consciências, totalmente contra a mente de Cristo, e geralmente acaba em destruição da fé das ovelhas mais fracas. A esse respeito mais uma vez invoco o ensino de Paulo: “Nós não somos donos da sua fé; o que queremos é colaborar com vocês, para que tenham alegria, pois vocês já estão firmes na fé” (II Co.1:24 – NTLH). É isto que os pastores devem ser: cooperadores da alegria de suas ovelhas, e não seus opressores.

 

IV. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter a conduta correta

 A segunda parte do v.3 de I Pd.5, afirma que o pastor deve “servir de exemplo ao rebanho”. Quer dizer, quando as ovelhas quiserem saber como é uma ovelha exemplar devem (poder) olhar para o seu pastor. É interessante que todas as traduções são iguais nesta parte do texto, pois a palavra no original é tipo, sobre cujo sentido não há divergências. Pedro está dizendo que o pastor deve ser um padrão de vida cristã, o tipo de cristão que as ovelhas possam imitar, que gostariam de ser.

Esta é uma tremenda responsabilidade, mas Paulo também não fez por menos, pelo contrário aplicou este princípio a si mesmo, como bem podemos ver de sua prestação de contas aos líderes da igreja de Éfeso, em Atos 20. E ao jovem Timóteo aconselhou: “Não deixe que ninguém o despreze por você ser jovem. Mas, para os que crêem, seja um exemplo na maneira de falar, na maneira de agir, no amor, na fé e na pureza.” (I Tm.4:12 – NTLH). E a Tito também: “Que tua conduta seja exemplar em tudo; na doutrina, mostra integridade, sobriedade, linguagem sadia e irrepreensível, para que todo adversário seja envergonhado, não tendo como nos criticar.” (Tt.2:7,8 – Almeida século 21).

Paulo disse que o pastor precisa saber “como proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e alicerce da verdade” (I Tm.3:15 – Almeida século 21). Aos pastores de Éfeso ele exortou: “Tende cuidado de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus (ou “do Senhor”, conforme diversos manuscritos), que ele comprou com o seu próprio sangue.” (At.20:28 – Almeida século 21). Portanto, isso nos remete a outra tremenda responsabilidade. Nesse mesmo v.3, Pedro usa a expressão “os que vos foram confiados”. No original grego é ton kleron (de onde vem a palavra “clero”, da nossa língua), que significa algo como uma porção de uma herança que foi confiada a uma pessoa para cuidar. O pastor cuida de algo que não é seu. Mais sério ainda, de algo que pertence ao Deus vivo, e cuja aquisição custou o próprio sangue de seu Filho (I Pd.1:18,19). O rebanho não é dele, mas do primeiro e maior de todos os pastores, Cristo (I Pd.2:25; 5:5). Ele não pode tratar com isso de maneira leviana! Ele é um fiel depositário, como diz Paulo: “Deveis considerar-nos como ministros de Cristo, fiéis depositários dos segredos de Deus. Ora, a primeira condição que se exige de um depositário, é que ele se mostre digno da confiança que nele depositam” (I Co.4:1,2 – tradução de J.B.Phillips, Cartas às Igrejas Novas). Que Deus tenha misericórdia dos pastores!

 

Conclusão

 É sintomático que o Novo Testamento não tenha buscado no sacerdócio levítico, ou no ministério do Velho Testamento, os termos para designar os ministros da Nova Aliança, mas os tenha retirado de outras áreas da vida do povo da Velha Aliança. O termo ancião (ou presbítero) foi derivado da figura dos conselheiros da comunidade que se reuniam à porta da cidade para julgar os casos relativos aos costumes e leis, o termo bispo foi extraído da figura do supervisor da sinagoga, cuja missão era prover que a instituição funcionasse a contento, e o termo pastor era a designação dos governantes, que eram responsáveis pelo sustento e pelo bem-estar do povo. Assim é o pastor: um homem que foi chamado para prover aconselhamento, ensino, sustento e bem-estar para uma parcela do rebanho de Deus que lhe foi confiada, missão que poderá ser melhor cumprida se seguir as pisadas daquele que é o primeiro e maior Pastor (I Pd.2:21-25), e se esperar receber dele, e somente dele, o prêmio pelo seu desempenho: “a coroa imarcescível de gloria” (I Pd.5:5).

Pr. Sylvio Macri – I.B.Central de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro