É com angústia e perplexidade que temos visto os problemas que têm acontecido com o ministério pastoral em nossos dias. Parece que perdemos o rumo, que falta um norte, uma indicação segura de como proceder – do lado dos pastores, e de como avaliar – do lado das ovelhas. Infelizmente, mais uma vez, como em outras questões, temos abandonado a nossa regra de fé e prática para adotar critérios humanos. As igrejas passaram a escolher seus pastores a partir de um perfil estabelecido segundo exigências carnais, tais como formação acadêmica, capacidade de articulação política e social, encanto pessoal, indicações e influências de terceiros, currículo, etc. (e os pastores também passaram a pautar-se por este modelo). Mas se quisermos voltar para a Bíblia, os princípios para um ministério aprovado por Deus estão lá. E nenhuma passagem resume mais adequadamente esses parâmetros do que I Pedro 5:1-9. É um roteiro básico de quatro pontos que, se obedecidos, levarão o pastor a receber a sua imarcescível coroa de glória, quando se manifestar o sumo Pastor – Jesus. Vejamos quais são tais princípios.
I. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter o sentimento correto.
A primeira parte do v. 2, de I Pd. 5, diz: “Cuidem do rebanho de Deus de quem vocês são pastores, e façam-no, não sob compulsão, mas por livre vontade, assim como Deus o faria.” Esta é a versão da New English Bible, da qual gosto muito porque adotou uma das possibilidades de tradução – para mim a melhor – da expressão grega kata theon (como Deus o faria). Paulo dizia que, como pastor, era constrangido apenas pelo amor de Cristo (II Co.5:14). Aos tessalonicenses ele se apresentou com um amor comparável ao de mãe: “Quando estivemos com vocês…. fomos como uma mãe ao cuidar dos seus filhos. Nós os amávamos tanto, que gostaríamos de ter dado a vocês não somente a boa notícia que vem de Deus, mas até mesmo a nossa própria vida. Como nós os amávamos!” (I Ts.2:7,8 – NTLH). Isto é o que Deus faria se estivesse no lugar de Paulo. Escrevendo aos filipenses, o apóstolo revela que há um outro pastor de igual sentimento: “Timóteo é o único que se preocupa com vocês como eu me preocupo e é o único que, de fato, se interessa pelo bem-estar de vocês. Pois todos os outros se preocupam com os seus próprios interesses e não com os de Jesus Cristo.” (Fp.2:20,21 – NTLH).
Mas encontramos outros sentimentos no texto de I Pd.5:1-9. A espontaneidade (livre vontade) aqui mencionada é a marca da alegria. Tudo o que é feito por nossa livre escolha é feito com alegria. Não me sinto bem quando ouço candidatos ao ministério, no exame de consagração, darem a entender que foram “forçados” a seguir o ministério, por terem fracassado todas as tentativas de seguir outras carreiras.
O sentimento de humildade que está presente neste texto e em outros pontos da mesma epístola, é o mesmo que houve em Cristo Jesus (Fp.2:5-8). O pastor que é dominado pela mente de Cristo, é dominado pela humildade. Quando Pedro fala em “cingir-se da humildade”, o sentido original é o de vestir uma peça de roupa e amarrá-la firmemente. O pastor precisa agarrar-se à humildade, porque somente assim receberá graça para cumprir seu ministério (v.5). Não pode exaltar-se a si mesmo, somente Deus pode fazê-lo (v.6).
O sentimento de paz é alcançado pelo pastor que lança todas as suas ansiedades sobre Aquele que o chamou para a obra, e que por isso não se deixa dominar pela angústia, incerteza, inquietação, insegurança quanto ao seu sustento, seu sucesso, ou quanto à falta de apoio, ingratidão, injustiça, etc. Deus jamais deixará de cuidar do servo que chamou para o ministério (v.7).
II. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter a motivação correta.
A isto se refere a segunda parte do v. 2: “Nem por torpe ganância, mas de boa vontade”. Algumas traduções adotam aqui o estilo “curto e grosso”, falando claramente em “ambição de dinheiro” (Dios Habla Hoy), “mero pagamento” (Good News Bible), ou “ganho ilícito” (Almeida século 21). A NTLH diz: “Não façam seu trabalho para ganhar dinheiro”. O sentido original é “lucro vergonhoso”. A alternativa que Pedro apresenta é fazer o trabalho “com verdadeiro desejo de servir” (NTLH), ou “com absoluta devoção” (New English Bible).
Sem dúvida, “digno é o trabalhador do seu salário” (I Tm.5:18), mas Paulo lembrou aos pastores de Éfeso: “De ninguém cobicei prata nem ouro nem roupas…. em tudo vos dei exemplo de que deveis trabalhar assim…. recordando as palavras do próprio Senhor Jesus: É mais bem-aventurado dar do que receber.” (Atos 20:33,35 – Almeida século 21). Aconselhando ao inigualável pastor Timóteo ele diz: “Tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos”, palavra inaceitável para a grande maioria dos pastores de hoje. Na mesma passagem ele observa que aqueles que “pensam que a piedade é fonte de lucro” provocam “difamações, suspeitas malignas e atritos constantes”, e acabam sucumbindo a “tentações, armadilhas e desejos descontrolados e nocivos”, mergulhando “na ruína e na destruição, pois o amor do dinheiro é a raiz de todos os males”. E diz a Timóteo para “fugir de tudo isso.” (I Tm.6:3-15 – NVI). Escrevendo aos filipenses, o apóstolo era levado até às lágrimas ao adverti-los contra os obreiros cujo “deus era o estômago”, que se orgulhavam “do que é vergonhoso” e que só pensavam “nas coisas terrenas”. (Fp.3:17-20 – NVI). Isto não nos parece tão familiar hoje? Por isso é que Pedro exorta: “Tende bom senso e vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, procurando a quem possa devorar” (v.8 – Almeida século 21). O Diabo trabalha na motivação do ministro, para destruí-lo.
Ao invés de buscar ter mais em sua conta, o pastor deve buscar que suas ovelhas “cheguem a ter mais na conta delas diante de Deus” (Fp.4:17 – Dios Habla Hoy).
III. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso estar na posição correta
A primeira parte do v. 3 de I Pd.5 diz: “Não tiranizando aqueles que foram destinados aos seus cuidados” (New English Bible). Phillips traduz: “Não procureis ser pequenos deuses”. A versão Dios Habla Hoy traz: “Comportem-se, não como se vocês fossem donos dos que estão ao seu cuidado…”. O verbo que está no original é usado para descrever a ação dos déspotas.
Trata-se de uma ressonância clara do ensino de Jesus: “Como vocês sabem, entre os pagãos há chefes que se crêem com direito de governar com tirania a seus súditos… mas, o que quiser ser grande entre vocês deverá servir aos demais, e o que, entre vocês, quiser ser o primeiro, deverá ser escravo dos demais. Porque nem mesmo o Filho do homem veio para que o sirvam, mas para servir e dar a sua vida em resgate por uma multidão” (Mc.10:42-45 – Dios Habla Hoy). Quando Jesus disse isto, estava falando de uma coisa simplesmente inaceitável para um judeu, “filho de Abraão”, que não tinha nascido para ser escravo (Cf. Jo.8:32,33), mas, para não haver dúvidas, Jesus aplicou seu ensino a si mesmo. O grande hino da igreja primitiva cuja letra está em Fp.2:5-11 mostra como ele se tornou o maior exemplo de seu próprio ensino.
A posição correta do pastor é a de servo, não a de déspota ou tirano da igreja. Há muitos tipos de tirania, mas a pior tirania é a que se impõe sobre mentes e corações. Me assusta muito ouvir de pastores que afirmam ter sido acometidos por uma visão irresistível, e que as ovelhas que não os seguem nessa visão são desobedientes. Isto é uma prática odiosa de manipulação das consciências, totalmente contra a mente de Cristo, e geralmente acaba em destruição da fé das ovelhas mais fracas. A esse respeito mais uma vez invoco o ensino de Paulo: “Nós não somos donos da sua fé; o que queremos é colaborar com vocês, para que tenham alegria, pois vocês já estão firmes na fé” (II Co.1:24 – NTLH). É isto que os pastores devem ser: cooperadores da alegria de suas ovelhas, e não seus opressores.
IV. Para ser um ministro aprovado por Deus é preciso ter a conduta correta
Esta é uma tremenda responsabilidade, mas Paulo também não fez por menos, pelo contrário aplicou este princípio a si mesmo, como bem podemos ver de sua prestação de contas aos líderes da igreja de Éfeso, em Atos 20. E ao jovem Timóteo aconselhou: “Não deixe que ninguém o despreze por você ser jovem. Mas, para os que crêem, seja um exemplo na maneira de falar, na maneira de agir, no amor, na fé e na pureza.” (I Tm.4:12 – NTLH). E a Tito também: “Que tua conduta seja exemplar em tudo; na doutrina, mostra integridade, sobriedade, linguagem sadia e irrepreensível, para que todo adversário seja envergonhado, não tendo como nos criticar.” (Tt.2:7,8 – Almeida século 21).
Paulo disse que o pastor precisa saber “como proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e alicerce da verdade” (I Tm.3:15 – Almeida século 21). Aos pastores de Éfeso ele exortou: “Tende cuidado de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus (ou “do Senhor”, conforme diversos manuscritos), que ele comprou com o seu próprio sangue.” (At.20:28 – Almeida século 21). Portanto, isso nos remete a outra tremenda responsabilidade. Nesse mesmo v.3, Pedro usa a expressão “os que vos foram confiados”. No original grego é ton kleron (de onde vem a palavra “clero”, da nossa língua), que significa algo como uma porção de uma herança que foi confiada a uma pessoa para cuidar. O pastor cuida de algo que não é seu. Mais sério ainda, de algo que pertence ao Deus vivo, e cuja aquisição custou o próprio sangue de seu Filho (I Pd.1:18,19). O rebanho não é dele, mas do primeiro e maior de todos os pastores, Cristo (I Pd.2:25; 5:5). Ele não pode tratar com isso de maneira leviana! Ele é um fiel depositário, como diz Paulo: “Deveis considerar-nos como ministros de Cristo, fiéis depositários dos segredos de Deus. Ora, a primeira condição que se exige de um depositário, é que ele se mostre digno da confiança que nele depositam” (I Co.4:1,2 – tradução de J.B.Phillips, Cartas às Igrejas Novas). Que Deus tenha misericórdia dos pastores!
Conclusão
Pr. Sylvio Macri – I.B.Central de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro