PARA LER LAMENTAÇÕES DE JEREMIAS (Nelson S. Galgoul)

 
Número de capítulos: 5
Tempo para a leitura: 50 minutos
 
INTRODUÇÃO 
"Como Deus pode ter permitido uma coisas dessas?" Essa é uma pergunta que já ouvimos muitas vezes e que talvez nós mesmos já tenhamos feito. Pois bem, este é o pano de fundo do livro contendo as lamentações de Jeremias relativas ao evento da destruição total de Jerusalém, no ano 587 A.C., depois que Nabucodonozor venceu a resistência de Zedequias oferecida principalmente pelas muralhas e invadiu a cidade que cercara por 9 anos. Essa é a pergunta que Jeremias esboça em sua poesia composta por 5 lamentos, dos quais os quatro primeiros são escritos em forma de acróstico, usando as 22 letras do alfabeto hebraico.
Não raramente ouvimos alguém dizer que "não devemos perguntar a Deus por que e sim para que". É como se questionar a Deus representasse um demérito para o servo: servos fiéis não agem assim. Pois bem, o simples fato dos lamentos de Jeremias terem encontrado lugar no Canon bíblico é prova suficiente de que Deus não esperava que ele expressasse sentimentos diferentes destes. Era um momento de perplexidade trágica e imensa dor para o povo israelita. Jerusalém era a cidade do grande Rei e o templo a morada do Deus Altíssimo e Jeremias usa de toda a sinceridade para dizer a Deus a dor que a destruição lhe causara.
Se por um lado o profeta não tem dúvida de que foi o pecado de Judá o motivo que trouxe sobre eles tamanho mal, que poderia ter sido muito maior, a ponto de serem totalmente consumidos, se não fosse pela misericórdia do Senhor (3.22), ele não tem dúvida, por outro, que o Senhor é bom (3:25) para com aqueles que O buscam.
Vale a pena explorar a riqueza do conhecimento que esse raro trecho de lamentação bíblica tem para nos oferecer.
 
A TEOLOGIA DO LIVRO
Da mesma forma como o livro de Jó trata da calamidade e suas consequências na vida de um homem, as Lamentações de Jeremias focalizam dor similar em escala nacional ao retratar a crise extrema que resultou do fim da vida comunitária de Judá.
Jeremias sabia muito bem que o povo de Judá deixara de aprender as duras lições impostas pela desobediência ao Reino do Norte e que, apostatando da fé, eles agora justificavam a Deus ao usar para com eles de castigo similar. Fica claro, portanto, que Deus é misericordioso e compassivo (um jargão da retórica islâmica), não é possível deixar de se considerar também a Sua justiça. Anos mais tarde Paulo diria que devemos considerar tanto a bondade como a severidade de Deus (Romanos 11:22): a primeira para com aqueles que O temem, enquanto a segunda fica reservada para os que persistem em viver no mal – com certeza o caso aqui. É no mínimo irônico que os profetas tenham testificado por séculos, dizendo que um castigo como esse estava a caminho. Desta forma Deus é justificado ao aplicá-lo.
Mais uma vez somos testemunhas do papel sacerdotal do servo do Senhor. Jeremias confessa a Deus o pecado de seu povo (1:8 e 2:14) ao mesmo tempo em que conclama os seus irmãos ao verdadeiro arrependimento (3:40-42).
Outra verdade teológica revelada nas Lamentações de Jeremias diz respeito ao fato de que Deus não castiga seus filhos apenas como retribuição ao pecado e, sim, como forma de correção. Por esse mesmo motivo Jeremias não deixa de reconhecer  (capítulo 3:25-30) que à tribulação se seguirão a restauração e a bênção no âmbito da Aliança, que Deus não deixa de cumprir. Assim sendo, as Lamentações são totalmente coerentes com o autor de Hebreus, que nos lembra que "o Senhor disciplina a quem ama e castiga a todo aquele que aceita como filho" (Hebreus 12:6).
 
ESBOÇO DO LIVRO
O livro de Lamentações de Jeremias pode ser resumido como a seguir, conforme exposto em PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2006):
 
I. A desolação de Jerusalém foi devida a seu próprio pecado (1:1-22)
 
a) A grandeza e a beleza de Jerusalém são lamentadas por Jeremias (1:1-11)
 
1 – A grande miséria de Jerusalém é lamentada.
 
2 – O remorso de Jerusalém devido à sua situação é descrito (1:7-11).
 
b) Jerusalém ecoa a tristeza do profeta quadto assume que seu estado é devido às suas próprias deficiências espirituais diante do Deus da aliança (1:12-22).
 
1 – Jerusalém chama a atenção para o seu estado lamentável (1:12-17).
 
2 – Jerusalém confessa sua culpa e apresenta suas consequências (1:18-19).
 
3 – Jerusalém clama a Deus por lembrança e vingança (1:20-22).
 
II. A ira de Deus foi a consequência direta do pecado de Jerusalém e teve extensas implicações, que Jeremias não podia deixar de lamentar (2:1-22).
 
a) O caos de Jerusalém foi causado pela total vazão da ira de Yahweh (2:1-10).
 
1 – Yahweh destruiu completamente o esplendor e o poder de Jerusalém (2:1-4).
 
2 – Yahweh trouxe uma guerra de cerco tão destrutiva contra Jerusalém que suas estruturas física e social foram eliminadas (2:5-10).
 
b) Jeremias lamenta que todos os segmentos da sociedade foram expostos à ruína da guerra e ao escárnio dos inimigos de acordo com os planos de Yahweh para o seu povo (2:11-22).
 
1 – A lamentação do profeta é sobre a dificuldade de um povo que foi enganado em suas esperanças (2:11-14).
 
2 – A lamentação do profeta é causada pelo escárnio das nações vizinhas (2:15-16).
 
3 – A lição do profeta ao povo é que essa cena patética fora há muito predita [mas ignorada] (2:17-19).
 
4 – O anseio do profeta diante de Deus é que Ele devia considerar a desesperança e a debilidade de Jerusalém (2:20-22).
 
III. A visão representativa do profeta mistura a dor e a esperança na preservação nacional máxima sob o cuidado do amor leal de Deus (3:1-66).
 
a) Deus é reconhecido como a causa máxima do sofrimento nacional, mas também como Aquele para quem a nação precisa se voltar para alento (3:1-18).
 
1 – Esse sofrimento induzido por Deus foi prolongado além da medida (3:1-3).
 
2 – Esse sofrimento induzido por Deus foi indescritivelmente doloroso (3:4-13).
 
3 – Esse sofrimento induzido por Deus foi patético além do suportável (3:14-18).
 
b) A esperança e o consolo de Israel é que o hesed de Yahweh o fará passar pela sombra da destruição e o ajudará a vencer seu atual desalento (3:19-39).
 
1 – Concentrar no hesed de Yahweh em meio às sempre presentes memórias de sua situação traz de volta ao cenário a esperança (3:19-24).
 
2 – Concordar com a disciplina divina traz uma atitude de submissão a um Deus soberano (3:25-39).
 
c) A real necessidade de Israel são o arrependimento e a confissão humildes (3:40-42).
 
d) A esperança na intervenção de Yahweh motiva a oração imprecatória contra os inimigos de Israel (e de Deus) (3:43-66).
 
1 – A expectativa de que Yahweh finalmente verá a situação de Israel é motivo para lamentar Sua disciplina (3:43-54).
 
2 – A certeza de que Yahweh já respondeu faz com que a oração imprecatória se dirija contra os inimigos escarnecedores (3:55-66).
 
IV. A ira justa de Yahweh acarretou maldições da aliança sobre Jerusalém (4:1-22)
 
a) A beleza perdeu seu sentido, e a vida tornou-se barata durante o cerco prolongado (4:1-8).
 
b) A ira de Deus assolou a nação cujos líderes levaram o povo pelo caminho de desobediência à aliança (4:9-13).
 
c) Os resultados do cerco são abrandados pela consciência de que a desgraça de Israel não é fatal e que o triunfo dos seus inimigos não é final (4:14-22).
 
V. A visão do povo em relação à vida é um misto da atual dor e da esperança futura na restauração divina (5:1-22).
 
a) O último pedido por lembrança divina (= intervenção) revisa a vida vergonhosa e lamentável de uma nação conquistada (5:1-18).
 
1 – A intervenção de Yahweh é mais uma vez requisitada (5:1).
 
2 – Os sofrimentos sociais, econômicos, físicos e políticos do cerco e captura de Jerusalém são recitados (5:2-6).
 
3 – A causa de tal sofrimento é destacada, os pecados de seus antepassados (5:7).
 
4 – Os sofrimentos políticos, econômicos e sociais do cerco são novamente descritos (5:8-14).
 
5 – A condição infeliz, impotente e irremediável, brota da destruição de Jerusalém (5:15-18).
 
b) O último pedido por restauração divina reconhece a soberania eterna de Yahweh e sua capacidade de trazer de volta as bênçãos da vida na aliança como resposta ao arrependimento (5:19-22).
 
TEXTOS DIFÍCEIS
A linguagem utilizada neste texto não apresenta qualquer dificuldade de entendimento quanto ao que está sendo dito. A dificuldade neste caso reside em conciliar o inconformismo de Jeremias com a destruição da Cidade Santa (em certos momentos ele parece não crer que isso realmente tem acontecido) com a certeza que ele ostenta de que Deus foi justo ao aplicar tão duro castigo, aliado, em uma terceira instância, ao fato de que Deus é bom, pelo que Ele certamente sarará a ferida.
 
TEXTOS QUE TOCAM MESMO O CORAÇÃO
O bom poeta é aquele que toca o coração das pessoas com a sua sequência de pensamentos. Sob este prisma devemos ver em Jeremias um fantástico poeta nos versículos 20 a 25 do terceiro capítulo de seu Salmo de Lamentações. No versículo 20 ele leva seus leitores ao fundo do poço ao falar de seu total desfalecimento diante de tudo que se passou com a Cidade Santa. 
Em meio a esta situação de desesperança, contudo, ele volta os seus pensamentos para "aquilo que pode dar esperança" (3:21). 
Curiosamente ele deixa seus leitores em grande expectativa, imaginando o que será que ainda pode dar esperança em meio a tanta desgraça. Pois bem, ele arrebata a seguir o coração dos seus leitores dizendo que o "grande amor" do mesmo Deus que não os poupara de tão catastrófico castigo, é o Aquele que os impediu de serem totalmente consumidos, pois a Suas misericórdias são inesgotáveis (3:22), renovando-se a cada manhã, por ser igualmente grande a Sua fidelidade (3:23).
Sabendo disso ele dá ânimo totalmente novo aos seus leitores, dizendo que ele mesmo já se decidira: sua porção seria o Senhor e seria nEle, que o profeta depositaria a sua esperança (3:24).
Finalmente ele estende um convite implícito aos seus leitores para que façam o mesmo, pois "o Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nEle, ou seja, para com aqueles que O buscam.
No âmago das palavras de Jeremias, pronunciadas em meio a tanta dor, encontramos a mesma verdade apresentada por Paulo em Romanos 8:28, qual seja, que "Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que O amam". Não importa, portanto, se o sofrimento vem por uma questão de disciplina (como no caso de Jerusalém: que filho há que Deus não corrija) ou se faz parte de um programa de treinamento do Deus que nos adestra para a batalha (Salmos 144:1). Fato é que Ele nos ama e o sofrimento é para o nosso bem.
 
TEXTO PARA MEMORIZAR
Não há dúvida, portanto, que o texto a ser memorizado e que se aplica a todos os problemas que enfrentamos em nossas vidas é exatamente o mesmo:
 
"Lembro-me bem disso tudo, e a minha alma desfalece dentro de mim.
Todavia, lembro-me também do que pode me dar esperança:
Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos,
pois as suas misericórdias são inesgotáveis.
Renovam-se cada manhã; grande é a sua fidelidade!
Digo a mim mesmo: 
A minha porção é o Senhor; 
portanto, nele porei a minha esperança.
O Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nele, 
para com aqueles que o buscam".
(Lamentações 3.20-25)
 
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