O profeta Daniel, cujo nome significa "Deus é meu juiz", foi levado em cativeiro por Nabucodonosor na primeira leva de deportados no ano de 605aC, juntamente com seus amigos Hananias, Misael e Azarias.
O livro que leva o seu nome é incluído entre os profetas, mas difere destes pelo fato de não conter mensagens proclamadas em nome do Senhor. Por outro lado, embora contenha uma série de narrativas, inicialmente históricas e depois de revelações que lhe são feitas, o livro de Daniel também não poderia ser classificado como um livro histórico, a exemplo de Reis e Crônicas, pois não tem qualquer preocupação de mostrar o quadro histórico geral, limitando-se aos fatos relativos aos eventos narrados.
Em função da dificuldade de correlacionar datas e nomes com as informações vindas de outras fontes, inclusive da própria Bíblia, e também por causa da fantástica acuidade com que Daniel descreve os reinos que sucedem ao babilônico, foi sugerido, por muito tempo, obviamente por pessoas descrentes da Bíblia, que o livro fosse de autoria de alguém que viveu já na era cristã.
Quando da descoberta, em 1948, dos escritos de Qumran (pergaminhos que estavam escondidos em vasos de barro, numa caverna próxima ao Mar Morto), foi encontrada, também, uma cópia do livro de Daniel, cuja idade pode ser estimada em 200 a 300aC, fazendo cair por terra qualquer argumento de apoio à hipótese supracitada.
Podemos dizer, portanto, que, embora diferente dos livros dos outros profetas, Daniel apresenta as mais "espetaculares" profecias já cumpridas, e várias outras, não menos interessantes, ainda por se cumprir, ao mesmo tempo em que narra histórias que caem todas no rol das favoritas da Bíblia, pela forma maravilhosa como Deus atua através do próprio profeta e de seus amigos.
A TEOLOGIA DO LIVRO
Como não sou teólogo e não tenho compromisso com qualquer tradição, posso dar asas à imaginação e dizer que a teologia do livro lida com a intimidade que Daniel desenvolve com seu Deus (com a recíproca totalmente verdadeira). É de suma importância para nós porque retrata exatamente a intimidade que todos queremos alcançar, pelo que se reveste de um cunho prático igualado por poucos outros livros do texto sagrado.
Ao longo da parte histórica do livro, vemos um Daniel que opta por andar por fé e não por vista. Não importam as circunstâncias porque sua fé lhe diz que Deus proverá. Essa é sem dúvida a principal lição que temos que aprender se queremos andar com Deus. É necessário que aquele que dEle se aproxima creia que Ele existe e que é galardoador daqueles que O buscam (Hebreus 11.6).
Esse versículo não é de natureza teórica e, sim, extremamente prática. Implica em não se deixar contaminar com as iguarias da mesa do rei (Daniel 1.5), porque Deus determinara aos judeus o cardápio que deveriam ter. Não importa se aquilo lhes era impingido. Deus proveria.
Implica, igualmente, na certeza de que a Deus pertencem os segredos, bem como o desvendar dos mesmos (Daniel 2.28a). Daniel pediu ao rei um tempo para revelar o seu segredo, durante o qual ele e seus amigos dobrariam os joelhos certos de que Deus mostraria a Daniel não apenas o sonho, mas o significado do mesmo.
Sem dúvida, a prática da fé impôs que Sadraque, Mesaque e Abedenego se recusassem a dobrar os joelhos a outro Deus, que não Jeová, sabendo que Ele, se quisesse, poderia livrá-los (Daniel 3.17). A forma maravilhosa como o fez nos mostra como a busca da intimidade é recíproca.
A fé impõe ainda que Daniel não apenas revele a Nabudoconosor mais um sonho no capítulo 4, mas que mostra o seu amor para com ele, se esforçando por mostrar a necessidade de conversão do monarca. As palavras finais do monarca neste capítulo atestam o sucesso da pregação de Daniel.
A fé impõe igualmente que Daniel reconheça o tempo de chegada do juízo de Deus ao pronunciá-lo sobre Belsazar (Daniel 5.27-28), rejeitando, ao mesmo tempo os tesouros e os bens do monarca iníquo.
Finalmente, a fé é recompensada maravilhosamente quando Daniel passa uma noite na cova dos leões, mas sai ileso por ter demonstrado a exclusividade de seu culto ao Deus dos céus (Daniel 6.10).
A segunda parte do livro, que aparentemente nada tem a ver com o tema, é apenas a fantástica confirmação de tudo o que foi dito até aqui no âmbito da intimidade com Deus. Deus disse que não podia esconder de seu servo Abraão aquilo que estava por fazer, tendo em vista a sua fidelidade (Gênesis 18.17-19). Ele deu testemunho de que Moisés, seu amigo com quem falava face a face, tinha revelação daquilo que estava por fazer (Amós 3.7), enquanto os filhos de Israel viam apenas os Seus feitos (Salmos 103.7). Aqui, mais uma vez, Deus faz revelações maravilhosas ao Seu servo Daniel como recompensa por sua fidelidade. A intimidade com qualquer pessoa inspira confidências. Deus também é assim. Daniel, embora listado entre os profetas menores, apresenta as profecias mais espetaculares, em termos de precisão de realização, de toda a Bíblia. A maior de todas as confidências, qual seja a data precisa do sacrifício do Messias, foi revelada a esse servo íntimo que deve servir de exemplo de inspiração para todos nós.
ESBOÇO
O livro de Daniel pode ser resumido como a seguir, conforme exposto em BALDWIN, J. G. Daniel – Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1983.
PARTE A – Histórias
O contexto histórico (1.1-21)
As nações e o Deus altíssimo (2.1-6.28)
Os sonhos de Nabucodonosor dos quatro reinos e do reino de Deus (2.1-49).
Nabucodonosor, o tirano, vê os servos de Deus sendo socorridos (3.1-30).
O julgamento de Nabucodonosor (4.1-37).
O julgamento de Belsazar (5.1-31).
Dario, o persa, vê Daniel sendo socorrido (6.1-28).
PARTE B – Visões
Daniel tem uma visão de quatro reinos e do reino de Deus (7.1-28).
O segundo e o terceiro reino identificados (8.1-27).
A oração de Daniel e a visão das setenta semanas (9.1-27).
A visão do mensageiro celestial e sua revelação final (10.1-12.13).
TEXTOS DIFÍCEIS
Todos os textos proféticos de Daniel apresentam, pelo menos em parte, dificuldades de interpretação.
Daniel 7 começa com uma visão muito semelhante à que tivera Nabucodonosor ao início de seu reinado, só que ao invés de uma estátua com 4 partes distintas, o profeta viu 4 animais de aspectos bem diferentes. O 1o destes, representativo do império babilônico, era um leão com asas de águia, cedendo seu lugar, a seguir, para um urso, cuja ferocidade simbolizava a do império medo-persa (Daniel 7.4-5). O 3o animal, um leopardo, significava o império grego, principalmente tendo em vista as suas quatro cabeças, que indicavam as 4 partes em que este foi dividido após a súbita morte de Alexandre (Daniel 7.6). Finalmente, o 4o animal, não identificado por Daniel, mas descrito apenas como sendo de aspecto terrível, com presas de ferro (Daniel 7.7), tinha 10 chifres imediatamente associáveis aos reis de Roma.
A visão, a princípio tão óbvia, se complica a seguir porque a partir de Daniel 7.8, o quarto animal passa a ser associado a um império apocalíptico e ao tempo da segunda vinda de Jesus (Daniel 7.9-14).
Surgiu, então, na visão de Daniel, um anjo, cuja função era esclarecer-lhe justamente o 4o reino. O anjo forneceu algumas informações complementares relativas aos 10 reis e à queda de três destes cedendo lugar a um de maior domínio, que se oporia ao Altíssimo, perseguiria os santos e introduziria mudanças nos tempos e na lei (Daniel 7.23-27).
Embora haja para o texto inúmeras interpretações, a maioria parece concordar que o quarto reino é uma referência, no futuro próximo, à continuidade do reino de Alexandre ou à Roma da época de Jesus e, no futuro longínquo, ao governo mundial da época do início do período apocalíptico. A primeira alternativa do futuro próximo parece ser coerente com outra visão de Daniel fornecida no capítulo 8.
Daniel 8 traz uma outra visão que o profeta teve no terceiro ano do reinado de Belsazar, poucos anos antes da queda de Babilônia, que narra com clareza e precisão notáveis os segundo e terceiro reinos mundiais das visões anteriores, tanto de Daniel (urso e leopardo) como de Nabucodonosor (prata e bronze). Mais uma vez, os reinos são representados por animais (carneiro e bode), mas desta feita o anjo, de nome Gabriel, que veio interpretar a visão, disse claramente que se tratava dos reinos medo-persa e grego.
O reino medo-persa começou com a predominância dos reis da Média (o primeiro chifre), mas sua ascensão mundial se deu com o persa Ciro (o segundo e mais alto). Sua hegemonia durou cerca de 200 anos, durante os quais parecia imbatível (nenhum dos outros animais lhe podia resistir – Daniel 8.4), até que surgiu o bode de chifre notável (Daniel 8.5b). Este, que Gabriel disse ser o primeiro rei da Grécia — Alexandre, o Grande –, dominou tão rapidamente o mundo que parecia se deslocar sem tocar o chão (Daniel 8.5a), esmagando totalmente o reino medo-persa. A quebra do grande chifre no auge de sua força (Daniel 8.8,22) cumpriu-se à risca, com Alexandre morrendo aos 32 anos e seu reino sendo dividido (Macedônia, Síria, Egito e Ásia Menor) entre os seus quatro generais.
Daniel 8.9-14 passa a falar, então, de um pequeno chifre, descendente de um dos generais, que seria de particular importância para o reino de Judá. Gabriel disse a Daniel que seu poder seria baseado em intrigas, levando a destruições, com dano para o povo santo (Daniel 8.23-24). Sabemos, pelas narrações nos livros de Macabeus, que Antíoco Epifânio (rei do norte) fez um acordo com o povo judeu, mas, além de não cumpri-lo, entrou em Jerusalém e profanou o templo, sacrificando uma porca sobre o altar, fazendo cessar os sacrifícios por 1.150 dias (2.300 tardes e manhãs – Daniel 8.14), entre 168 e 165aC, até que o templo foi purificado por Judas Macabeus (165aC).
Daniel 9 contém a mais marcante das profecias de Daniel: a das 70 semanas. Ciro, o persa, reinava sobre os medo-persas, mas o governo de Babilônia fora entregue ao medo Dario, filho de Assuero, que não deve ser confundido com Dario I, sucessor de Ciro, e nem seu pai com o Assuero do livro de Ester, cujo nome histórico é Xerxes e que reinou 50 anos mais tarde, ambos persas.
Ele fala de um período de 70 semanas (no original setenta setes), que veremos logo a seguir, com base na parte já cumprida, serem semanas de anos, ou seja, 490 anos. Neste período "far-se-ia cessar a transgressão, dar fim aos pecados, expiar a iniquidade, trazer a justiça eterna, selar a visão e profecia e ungir o Santo dos Santos" (Daniel 9.24). Seriam sete semanas para a reconstrução da cidade de Jerusalém (contados a partir da ordem oficial para fazê-lo) até a conclusão da obra, e mais sessenta e duas semanas até a entrada do Messias em Jerusalém para ser morto logo a seguir.
O cumprimento dessa parte da profecia seria literal, conforme indicado a seguir:
Édito real ordenando a reconstrução de Jerusalém, promulgado por Artaxerxes, em 445aC;
Não há registros oficiais de datas, mas é possível estimar que tenha levado cerca de 49 anos até a conclusão da obra principiada pela reconstrução do muro;
Utilizando anos de 365 dias (o que parece justificável à luz de Apocalipse 12.6,14), alguns autores têm chegado ao ano 32aD, associando o cumprimento da profecia à entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (em Seu 33o ano de vida) e Sua crucificação uma semana depois:
(-445 + 69 x 7 x 360 / 365 + 1 = +32).
Não há aqui a preocupação de encontrar números exatos, mesmo porque as datas históricas são imprecisas, mas, sim, atestar o fato do cumprimento das 69 primeiras semanas.
Obviamente faltaria, ainda, a semana 70, mas o próprio texto indica haver uma série de eventos, como a destruição da cidade (Daniel 9.26), antes que ela comece. Assim sendo, a 70a semana, descrita em Daniel 9.27, parece apontar para o período de tribulação ainda futuro em relação aos dias atuais. Trata-se de um período de sete anos em que haverá uma aliança que será rompida no meio da semana (após três anos e meio). Maiores informações a respeito disso são fornecidas na visão seguinte.
Daniel 10 narra mais uma visão que ele teve, desta feita às margens do rio Tigre, no terceiroo ano do rei Ciro, onde apresentou-se a ele um homem (Daniel 10.5-6), que não temos muita dificuldade de associar ao Cristo glorificado, tendo em vista a sua semelhança com a visão de João na ilha de Patmos (Apocalipse 1.13-16). A exemplo do que ocorreria mais tarde a João, também Daniel caiu ao chão sem forças (Apocalipse 1.17 – Daniel 10.8-9).
Ajudado por um anjo a colocar-se de pé, este começou a lhe falar que fora enviado por causa de suas orações, mas impedido de chegar, por algum tempo, devido às forças do inferno, finalmente derrotadas com o auxílio do arcanjo Miguel (Daniel 10.10-13). Esta informação nos dá conta da real luta que se trava nas regiões celestiais, da qual Paulo fala em Efésios 6.12. O anjo lhe disse, ainda, que viera para lhe fazer entender o que havia de suceder ao povo judeu "nos últimos dias".
Daniel 11 contém, então, as revelações que o anjo lhe fez, falando rapidamente do fim do império medo-persa para entrar, a seguir, em grande detalhe sobre o império grego (Daniel 11.3-35), principalmente no que diz respeito a atividades relacionadas com os judeus. A partir de Daniel 11.36 e até Daniel 12 a descrição do anjo parece se adiantar até o tempo do fim. Em Daniel 12.2-3, por exemplo, ele fala sobre a ressurreição para a vida e vergonha eterna.
É interessante que, à luz de Daniel 12.5-6, aparentemente Jesus continuou todo esse tempo, junto com mais 2 anjos, assistindo à explicação do anjo que falava com Daniel, quando em dado momento um dos outros dois anjos se virou para Jesus e perguntou quando essas coisas (talvez referindo-se à ressurreição dos mortos) haviam de acontecer. A resposta de Jesus foi de que seria depois de um tempo, dois tempos e metade de um tempo (Daniel 12.7), ou seja, o mesmo período previsto em Apocalipse 12.14, que em Apocalipse 11.2 e 13.5 são tratados por 42 meses e em Apocalipse 11.3 e 12.6 por 1.260 dias. Todas estas parecem ser referências à segunda metade da semana que antecede a volta do Messias, a 70a semana de Daniel 9.27.
Jesus disse a Daniel, a seguir, que estas palavras estariam encerradas e seladas até ao tempo do fim (Daniel 12.9), mas que ele, Daniel, seguiria o seu caminho, descansaria e se levantaria no fim dos dias para receber a sua herança (Daniel 12.13). Glória ao Deus fiel que guarda, até àquele dia, a herança de Seus filhos (II Timóteo 1.12)!
TEXTOS QUE TOCAM O MEU CORAÇÃO
Se tivéssemos que definir o que é “um texto que toca o coração” creio que chegaríamos a um consenso com as seguintes palavras: “são textos que narram feitos memoráveis de Deus realizados através daqueles que O servem”. Isso abrangeria os grandes feitos tanto dos servos comuns, como do maior de todos, que foi Jesus Cristo. Sob este aspecto o livro de Daniel tem inúmeros textos que fazem umedecer os nossos olhos. A forma maravilhosa como Deus recompensa a fé de Daniel e seus amigos Sadraque, Mesaque e Abedenego nos capítulos 1 a 6 nos tocam a todos crianças e adultos.
TEXTO PARA MEMORIZAR
É muito difícil escolher um único texto de memorização em detrimento de tantos outros lindos, mas optei por reproduzir as palavras de Nabudoconosor pronunciadas ao reconhecer que Deus reina: “Agora eu, Nabucodonosor, louvo, exalto e glorifico o Rei dos céus, porque tudo o que Ele faz é certo, e todos os Seus caminhos são justos. E Ele tem poder para humilhar aqueles que vivem com arrogância” (Daniel 4.37).