PARA LER O LIVRO DE JÓ (José Maurício Cunha do Amaral)

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PARA LER O LIVRO DE JÓ

José Mauricio Cunha do Amaral

Total de capítulos: 42
Total de versículos: 1070
Tempo aproximado de leitura: 1h30m.   

 
ORIGEM DO LIVRO

Embora a maior parte do livro consista em palavras de Jó e de seus companheiros, alguns estudiosos acreditam que o próprio Jó não foi o autor. O que se pode assegurar é que o autor, sem dúvida, era israelita, uma vez que ele emprega muitas vezes o nome pactual de Deus (Iavé). No prólogo (capítulos 1, 2), nos discursos divinos (38.1 – 42.6) e no epílogo (42.7 – 17), a expressão “Senhor” ocorre 25 vezes ao todo. O autor desconhecido provavelmente tinha acesso às fontes orais e/ou escritas, com base nas quais, sob inspiração divina, compôs o livro que chegou até nós.

DATA

Não há como estabelecer a data precisa em que o livro foi escrito, a não ser que tenha sido escrito entre os século VII e II a.C. Duas datas, entretanto, podem ser levadas em consideração. A primeira delas se refere ao homem Jó e seus antecedentes históricos, uma vez que ele já realizava funções sacerdotais em relação à sua família (1.5) e amigos (42.8-9), indicando que o sistema levítico sacrificial promulgado na lei de Moisés ainda não havia sido instituído. A segunda, a data do autor inspirado que escreveu o livro, que pode se situar em qualquer período desde o reinado de Salomão até o exílio. 

TEMA E MENSAGEM

Percebemos na leitura desse livro magnífico que o seu tema é o sofrimento. Por que acontece o sofrimento? Talvez esta seja a grande pergunta a ser respondida. Embora a pergunta seja séria, o livro de Jó não apresenta uma resposta satisfatória. O livro como um todo esclarece que, às vezes, como no caso do próprio Jó, o sofrimento não vem por razão terrena alguma, mas simplesmente para justificar a alegação divina de que seres humanos podem servi-lo sem visar recompensa. Uma outra questão relacionada ao sofrimento é se pessoas inocentes também sofrem, ou o sofrimento é sempre merecido? Esta é uma questão que o livro apresenta e também responde de maneira convincente. Ao insistir que o Jó que sofre é um homem justo, o livro se opõe abertamente à ideia de que o sofrimento é sempre uma punição pelo pecado. A terceira questão a ser considerada no livro de Jó em relação ao sofrimento, é de caráter mais pessoal. Como agir diante dele? O livro oferece duas respostas. A primeira resposta é dada na introdução do livro. A reação de Jó diante dos infortúnios é de calma e resignação à vontade de Deus. A segunda resposta à pergunta: “O que fazer diante do sofrimento?” dada por Jó, é que ele faz o que tem de fazer: ele não tenta reprimir sua hostilidade para com Deus em vista do que lhe acontece, não reclama, nem brada no ar para expressar sua indignação, mas dirige a Deus sua amargura. 

ESBOÇO DO LIVRO

I.    Prólogo (caps. 1 – 2)
 A.    A felicidade de Jó (1.1 – 5)
 B.    A provação de Jó (1.6 – 2.13)
  1.    Primeira acusação de Satanás (1.6-12)
  2.    A fé de Jó, a despeito das perda dos filhos e dos bens (1.13-22)
  3.    Segunda acusação de Satanás (2.1-6)
  4.    A fé de Jó durante o sofrimento (2.7-10)
  5.    A chegada dos três amigos (2.11-13)
II.    Diálogo-discussão (caps. 3 – 27)
 A.    A lamentação inicial de Jó (cap.3)   
 B.    Primeiro ciclo de discursos (caps.4 – 14)
   1.    Elifaz (caps.4, 5)
  2.    Resposta de Jó (caps. 6, 7)
  3.    Bildade (cap.8)
  4.    Resposta de Jó (caps. 9, 10)
  5.     Zofar (cap.11)
  6.    Resposta de Jó (caps.12-14)
 C.    Segundo ciclo de discursos (caps.15 – 21) 
  1.    Elifaz (cap.15)
  2.    Resposta de Jó (caps. 16,17)
  3.     Bildade (cap.8)
  4.    Resposta de Jó (cap.19)
  5.    Zofar (cap.20)
  6.    Resposta de Jó (cap.21)
 D.    Terceiro ciclo de discursos (caps.22 – 26)       
  1.    Elifaz (cap.22)
  2.     Resposta de Jó (caps. 23,24)
  3.     Bildade (cap.25)
  4.    Resposta de Jó (cap.26)
 E.    Discurso final de Jó (cap.27)
III.    Interlúdio sobre sabedoria (cap.28)
IV.    Monólogos 29.1 – 42.6)
 A.    Jó clama por vindicação (caps.29 – 31)
  1.    Sua honra e bem-aventurança no passado (cap.29)
  2.    Sua desonra e sofrimento no presente (cap.30)
  3.    Seus protestos de inocência e juramento final (cap.31)
 B.    Discursos de Eliú (caps.32 – 37)
  1.    Introdução (32.1-5)
  2.    Os discursos propriamente ditos (32.6 – 37.24)
  a.    Primeiro discurso (32.6 – 33.33)
  b.     Segundo discurso (cap.34)
  c.    Terceiro discurso (cap.35)
  d.    Quarto discurso (cap.36, 37)
 C.    Discursos divinos (38.1 – 42.6)
  1.    Primeiro discurso de Deus (38.1 – 40.2)
  2.    Resposta de Jó ( 40.3-5)
  3.    Segundo discurso de Deus (40.6 – 41.34)
  4.    Jó arrepende-se (42.1 – 6)
V.    Epílogo (42.7-17)
  A.    Veredicto de Deus (42-9)
  B.    Restauração de Jó (42.10-17)   

O TEXTO MAIS DIFÍCIL

São vários os textos de difícil compreensão. Gostaria de destacar, por exemplo, aquele em que Jó trava um diálogo com a sua mulher quando ela o questiona sobre sua fidelidade a Deus: “Você ainda continua sendo bom? Amaldiçoe a Deus e morra! Jó respondeu: Você está dizendo uma bobagem! Se recebemos de Deus as coisas boas, por que não vamos aceitar também as desgraças?”  (Jó 2.9-10 – NTLH). Penso que o ser humano tem uma grande dificuldade em lidar  com as questões relacionadas ao bem e ao mal. Será que valeria a pena Jó continuar sendo fiel a Deus depois de todas as coisas que lhe aconteceram? Qual seria a recompensa? O maniqueísmo, religião amplamente difundida no tempo do Império Romano, trata dessa questão numa visão dualista em que o mundo se divide em duas forças antagônicas: o bem representado pela luz e o mal pelas trevas. Cabe então ao ser humano entregar-se a esse eterno combate para extinguir em si e nos outros, a presença das trevas afim de poder alcançar o Reino da luz. Essa, entretanto, não é uma visão bíblica. Sabemos que fomos resgatados das trevas pela ação de Deus em nossas vidas através de Jesus Cristo, e não por nosso esforço pessoal (Cf.Colossenses 1.13).  A grande pergunta que muitas vezes nos fazemos é se Deus seria responsável também pelas coisas ruins que nos acontecem. Ou seria o próprio homem? Ou pecado que habita em nós? Ou ainda, das atitudes que tomamos? São questões que a leitura do livro nos leva a refletir mais profundamente.

O TEXTO QUE MAIS TOCOU O MEU CORAÇÃO

O livro de Jó é repleto de textos que são verdadeiras pérolas para a nossa experiência de vida. Até porque, muitos veem o livro como uma alegoria, isto é, algo que não existiu, mas uma história que serve para ilustrar o sofrimento humano. Nada disso me importa, e sim, a mensagem que o livro nos passa que é uma mensagem de submissão à soberania de Deus e atitude humana diante do sofrimento. Dentre os vários textos que poderiam aqui ser destacados, fico com este: “Eu sei que o meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra” (Jó.19.25). Foi num dos diálogos travados com seus amigos que Jó manifesta sua indignação por tudo que já ouvira da parte deles: “Até quando vocês continuarão a atormentar-me e a esmagar-me com palavras?” (19.1). É neste contexto, depois de ouvir tantas críticas de pessoas que se diziam amigas, que essa expressão de Jó resume toda a sua confiança e dependência de Deus. Admitir a existência de Deus, muitos admitem. Mas crer que ele é Redentor, e que no final de nossa existência terrena o veremos face a face, nem todos creem. Foi  com esta convicção que Jó pode afirmar: “E depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus” (v.26). Ao comentar a atitude de Jó um autor afirma: “Qualquer ator bem treinado pode fazer o papel do homem da terra de Uz. Mas, no caso de Jó, ele não é um ator e sim um personagem real da história” ¹  . A vida de Jó não foi uma encenação, mas algo verdadeiro. Não não foi algo fictício, mas real.

Conclusão

O grande tema do livro não se resume, a meu ver, somente na teologia da sofrimento, mas também na teologia da esperança. Na verdade, o livro de Jó trata da tensão entre o que ainda é, e o que ainda será, entre o que está indo, e o que está vindo. Vivemos aparentemente num mundo real, mas que só pode ser confrontado diante dos fatos que vemos e/ou vivemos. Nada sabemos sobre o futuro. Talvez a grande lição, dentre tantas que o livro nos passa, é que vale a pena conhecer Deus de fato. Para Jó essa concepção só foi possível depois do seu sofrimento, como ele mesmo afirma no final do seu livro: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (Jó.42.5). 

¹ CÉSAR, Elben M. Lenz. Para (melhor) enfrentar o sofrimento: a resistência de Jó em meio a dor. Viçosa, MG: Ultimato, 2008. p.123.

Referências bibliografcias:

Bíblia de Estudo NVI / organizador geral Kenneth Backer; co-orgnizadores Donald Burking… [et. Al]. – São Paulo: Editora Vida, 2003.

César, Elben M. Lenz. Para (melhor) enfrentar o sofrimento: a resistência de Jó em meio a dor. Viçosa, MG: Ultimato, 2008.

Comentário Bíblico: Vida Nova / D. A Carson … [et. Al]. – São Paulo: Vida Nova, 2009.

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