CREDO APOSTÓLICO, O CREDO CRISTÃO, 8 — Creio que Jesus desceu ao inferno

1
Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,
Criador dos Céus e da terra.

2
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,

3
o qual foi concebido pelo poder do Espírito Santo;
nasceu da virgem Maria;

6
padeceu sob Pôncio Pilatos,

7
foi crucificado, morto e sepultado;

8
desceu ao inferno [ou: à mansão dos mortos],

9
ressurgiu dos mortos ao terceiro dia;

10
subiu ao Céu;

11
está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso,

12
donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

13
Creio no Espírito Santo;

14
na santa Igreja católica;

15
na comunhão dos santos;

16
na remissão dos pecados;

17
na ressurreição do corpo;

18
na vida eterna.
Amém.

 

Diz, então, Credo que Jesus “desceu à mansão dos mortos” ou “desceu a inferno”, que é a fórmula mais utilizada.

Esta declaração é a mais complexa do Credo dos Apóstolos. Na verdade, ela só foi incluída no texto por volta do século 9 d.C. No entanto, não deve por isto ser excluída por nós, desde que tenha base bíblica.
E tem.
Leiamos esses textos.

 

O apóstolo, agora escrevendo sobre a salvação, lembra em Romanos 10.6-11:

1. “Mas a justiça que é pela fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu (isto é, a trazer do alto a Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)? Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido” . (Romanos 10.6-11- ARC)

 

Paulo, escrevendo sobre os dons espirituais, ensina, em Efésios 4.8-10:

2. “Pelo que diz: ‘Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens’. Ora, isto — ele subiu– que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas”. (Efésios 4.8-10)

 

Em Jerusalém, Pedro prega:

3. “Nesta previsão, [Davi] disse da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada no Hades, nem a sua carne viu a corrupção” (Atos 2.31 — ARC)

 

Em sua primeira carta, ele volta ao tema duas vezes. Em 1Pedro 4.6 e 1Pedro 3.18-22, ele escreve:

4. “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água, que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo; o qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências”. (1Pedro 3.18-22)

 

5. “Porque, por isto, foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens, na carne, mas vivessem segundo Deus, em espírito”. (1Pedro 4.6)

 

 

1. Vejamos o primeiro texto (Romanos 10.6-11):

. “Mas a justiça que é pela fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu (isto é, a trazer do alto a Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)? Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: ‘Todo aquele que nele crer não será confundido'” . (Romanos 10.6-11- ARC)

 

Para apresentar o Evangelho de Jesus Cristo, o apóstolo Paulo cita e conecta várias passagens bíblicas (obviamente do Antigo Testamento).
Há duas perguntas nesta passagem. A primeira é: quem subirá ao céu? A segunda é: Quem descerá ao abismo?
Com elas e suas respostas, aprendemos que Jesus desceu do alto para a terra por sua própria vontade, em parceria com o Pai. Jesus subiu ao alto, desde o abismo (isto é: desde o túmulo) pela vontade de Deus, em parceira com o Filho, Jesus.
Para sermos justificados (isto é: aceitos por Deus), ensina Paulo, precisamos confessar a Jesus como Senhor, com os lábios e com o coração. Esta confissão implica aceitar que Jesus nasceu, morreu e ressuscitou. Crer para a justiça (isto é: para ser justificado) é preciso crer. Quem crê e confessa que crê tem sua confissão ouvida por Deus e é justificado (aceito por Deus) mediante a fé. A salvação é pela fé, não por ações humanas; a salvação vem pela fé nas ações de Jesus em nosso favor.

 

2. A mesma verdade aparece mais resumidamente em Efésios 4.8-10.

. “Pelo que diz [citando o Salmo 68.18]: ‘Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens’. Ora, isto — ele subiu — que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas”. (Efésios 4.8-10)

O apóstolo sintetiza todo o ministério de Jesus. Ele desceu do céu para a terra e, na terra, ele foi ao túmulo, o lugar mais fundo a que pode chegar o ser humano (isto é: às partes mais baixas da terra). Ele é o senhor de todas as coisas, inclusive do espaço. Depois, subiu ao alto, isto é, ascendeu aos céus. Ao subir, ele nos deixou seu Espírito que aquinhoa seus discípulos com variados dons espirituais e nos capacita para viver seu Evangelho em meio às dificuldades da vida, dificuldades tão intensas que nos parecem definitivas e mortais, uma vez que vivemos nas partes na terra, que é o mundo em que vivemos ainda sombreado pelo pecado.
Paulo, portanto, nos anima, ao dizer que Jesus experimentou as maiores dificuldades possíveis ao ser humano, mas venceu. Devemos ler este texto como um hino sobre o amor de Deus para conosco, ao nos dar a certeza de que podemos confiar sempre.

 

Antes de continuar examinando os outros textos, podemos refletir um pouco sobre estes dois primeiros textos, que derivaram a declaração do Credo Apostólico, no contexto da celebração da Ceia do Senhor.

a. Lendo os texto bíblicos, alguns complexos, precisamos afirmar e reafirmar o essencial. Todas as Escrituras (Antigo e Novo Testamento) foram inspiradas por Deus para nos levar à salvação. Salvar-nos é o projeto de Deus para todos os seres humanos. Neste sentido, a arca (navio) que ele mandou Noé construir é uma antecipação deste projeto. Por amar à humanidade, convidou todos para serem livres da morte pelo dilúvio. Era a sua graça em ação. No Novo Testamento não temos um navio, mas temos uma cruz. Quem olha para a cruz de Jesus é salvo. Podemos discutir os textos bíblicos, mas, ao lê-la, temos que nos perguntar como estamos em relação convite que ela faz: convite à salvação.

 

b. Devemos ter sempre diante de nós que esta salvação é um presente imerecido de Deus para nós. Para recebê-la, precisamos confessar que Jesus é o nosso Senhor.

 

c. Precisamos ter em mente que Deus trabalha no longo prazo. Quem olha para a cruz, vê Deus perdendo para o pecado. Quem olha para o túmulo vazio, vê Deus triunfando sobre o pecado. Olhamos para os nossos problemas e gritamos, como Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. Olhamos para o que Deus que levanta Jesus dentre os mortos faz e cantamos: “Aleluia. Louvado seja Deus”. A cruz é o desespero. O sepulcro vazio é o cântico da vitória. É por isto que Paulo pede para a sua vida o poder da ressurreição de Jesus (Filipenses 3.10).

 

d. Para viver no poder do Espírito Santo,

  • Jesus nos deixou os seus ensinos. Estão compilados nos Evangelhos e explicados nos outros livros do Novo Testamento. Seus ensinos são para a salvação e são também para uma vida santa e sábia.
  • Jesus nos deixou o seu Espírito. Em Atos 2, a promessa se cumpriu. Jesus está conosco todos os dias através do seu Espírito. Não podemos viver como se estivéssemos sozinhos, porque não estamos. Além de ser companheiro, o Espírito Santo nos capacita a uma vida em que podemos crescer a cada dia. Recebi recentemente um email magnífico, que dizia mais ou menos assim: “Que livro você sugere que não pode deixar de ser lido por uma pessoa que quer crescer espiritualmente?”. Enviei uma sugestão a um grupo. A mesma pessoa respondeu: “Interessei-me, mas vou orar a respeito e lhe respondo”. Que resposta extraordinária. Quem de nós quer crescer espiritualmente? Nós crescemos orando. Nós crescemos lendo a Bíblia. Nós crescemos lendo bons livros. Nós crescemos conhecendo, agradecendo e pondo em ação os dons que recebemos do Espírito Santo.
  • Jesus nos deixou a sua igreja, formada pela comunidade daqueles que creem nEle como Salvador e Senhor. A igreja é um lugar bom e ruim. É um lugar bom porque o Espírito Santo a dirige. É um lugar ruim porque nós somos esta igreja. E onde nós estamos, a bondade não predomina. No entanto, somos chamados a ser igreja e somos chamados a edificar espiritualmente a igreja, que acontece quando somos edificados pelo Espírito Santo. Não nos decepcionamos com o Jesus da igreja mas com a igreja de Jesus. Uma destas decepcionadas (Carol Celico, esposa do jogador de futebol Kaká) comentou seu momento, em que afirma que sente “vontade de estar em alguma igreja: minha igreja é minha casa”. Carol Celico, entrevista no programa Jô Soares. Disponível em <http://programadojo.globo.com/platb/programa/category/entrevista>. Bom seria que não precisássemos da igreja. Bom seria que não precisássemos de escola. Mas precisamos. Uma vida sem escola é para os que já sabem. E quem sabe? Uma fé capaz de crescer sem igreja é só para os perfeitos, para aqueles que estão em nível moral e espiritual acima dos outros. E quem está?

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3. O apóstolo Pedro tem o mesmo projeto paulino: mostrar a grandeza do amor de Deus, manifesto de forma visível na história de Jesus e na nossa história com Jesus.

 

Em seu primeiro sermão, na madrugada do cristianismo, logo após a descida do Espirito Santo, para capacitar os crentes, ele canta, citando o Salmo 16:10 (“Pois não deixarás a minha alma no inferno [Sheol], nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”):

“Nesta previsão, [Davi] disse da ressurreição de Cristo, que a sua alma [ou espírito] não foi deixada no Hades [Sheol], nem a sua carne [ou corpo] viu a corrupção” (Atos 2.31 — ARC)

 

Jesus morreu e foi levado à casa (ou mansão, ou mundo) dos mortos. Se ali ficasse, seu corpo se decomporia. No entanto, Deus não o deixou, como não nos deixará. Deus o ressuscitou, como nos ressuscitará.

 

4. Ao retomar o tema, em sua primeira carta, o apóstolo Pedro introduz novos elementos:

. “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água, que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo; o qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências”. (1Pedro 3.18-22)

 

Sua primeira ênfase é que o sacrifício de Cristo na cruz foi definitivo.
Ele relembra que, morto (mortificado), Jesus voltou à vida (foi vivificado) pelo poder do Espírito Santo.
Então, acrescenta: pelo poder do Espírito Santo, ele pregou ao contemporâneos de Noé através de que pregou mas a maioria não aceitou sua palavra, não se arrependendo e, logo, não entrando na arca que ele (Noé) preparara para os salvar das águas torrenciais e profundas do dilúvio.

 

Sem perder esta mensagem essencial, perguntemos: o que significa que Jesus desceu ao inferno e pregou aos espíritos na prisão?
Precisamos, primeiro, fazer uma digressão em torno de três termos: Hades, Sheol e Gehena.
Na literatura bíblica, há três palavras traduzidas como inferno ou lugar (mansão, morada) dos mortos: no hebraico, Sheol, e no grego, Hades e Geena.
Sheol, no Antigo Testamento, é o lugar para onde vão os que morrem. A partir de Isaías 14 podemos descrevIe-lo. “O Sheol é o nada imaginado. A negação da vida terrestre”. Ele é um único e vasto sepulcro onde toda a humanidade jaz reunida”, um lugar sem esperança e sem futuro. 1 Por esta concepção de sheol, muitos contemporâneos de Jesus e dos apóstolos tiveram dificuldade em compreender a ressurreição, a de Jesus e a nossa. A esperança, pregada e demonstrada por Jesus, chega com a graça, como uma manifestação da graça.
No grego, a palavra é traduzida por Hades, para o mesmo sentido de Sheol. No entanto, o Novo Testamento, usa ainda outra palavra: Geena, a mesma usada no cotidiano da época para dar nome ao depósito de lixo das cidades. Neste sentido, Geena não é uma palavra neutra (apenas um depósito de mortos), mas uma palavra com um julgamento: quem está ali está num depósito de lixo (ou lixão). Inferno é, assim, uma boa tradução para Geena.
Para nós, em nossa compreensão mais teológica do que bíblica, inferno é sempre um lugar de tormento, para onde vão os que o escolheram, ao rejeitar o amor de Deus. Para aqueles que rejeitam a ideia do inferno, lembremos que o amor de Deus, para ser amor, não pode desrespeitar a liberdade humana. Não podemos imaginar um céu habitado por pessoas que lá estejam forçados. Não podemos imaginar um inferno povoado por pessoas que lá estejam contra sua vontade. O inferno é uma escolha. O céu também é uma escolha.
Observado este cuidado, voltemos à pergunta: foi Jesus pregar no Sheol?

 

a. Para alguns, esta descida representa a agonia física da morte de Jesus sobre a cruz, uma vez que sua dor foi infernal. Neste sentido, “a descida de Jesus começou no seu nascimento pela virgem Maria. Ele desceu dos céus para a terra. Ele, então, desceu da saúde para o sofrimento e a dor. Finalmente, ele desceu à sepultura, baixado por fim ao lugar dos mortos, mas o túmulo não o manteve preso”. Ao pregar seu primeiro sermão, “Pedro declara que a morte não reteve Jesus porque Deus não abandonaria a alma de seu Filho no Hades”. Assim, “Jesus experimentou a morte, a morte humana real, para que pudesse engoli-la por inteiro, tirando-lhe todo o poder, na derrota final de nosso ultimo inimigo”. 2
A sugestão é excelente, embora parcial, porque não responde à afirmação que Jesus pregou aos espíritos na prisão, a menos que entendamos que sua morte foi seu grande sermão.

 

b. Pensam outros que o inferno é o Sheol ou Hades, a morada coletiva dos mortos, antes de julgamento final. Todos morrem e todos vão para lá, inclusive Jesus, ser humano completo. Tertuliano ensinou que Jesus tornou plena sua condição humana ao permanecer no Hades nas mesmas condições e do mesmo modo que todo ser humano morto.
O problema desta ideia é que a teologia cristã vem afirmando, à luz do Novo Testamento, que, ao morrermos, todos vamos para o nosso destino final imutável. Nosso destino não é mudado depois que cessa esta vida e Jesus não poderia ter ido ao Hades pregar e oferecer aos mortos uma nova oportunidade para a salvação. A decisão é aqui e agora.

 

c. Uma terceira ideia, próxima da anterior, é que Jesus foi mesmo pregar aos espíritos que viveram antes da manifestação da sua graça. Assim, a descida ao inferno tem a ver com a questão da justiça de Deus, ao oferecer uma oportunidade para toda a humanidade — inclusive para aqueles que viveram antes de Jesus — ouvir a mensagem da redenção. 3
Entendem alguns que existe um lugar dos mortos, com dois grandes espaços: o Paraíso ou Seio de Abraão, habitado por aqueles que temem a Deus, e Geena, ocupada pelas almas dos que não temem a Deus. Para aqueles que estão no Paraíso há uma oportunidade; para os outros, na Geena, não. Então, ao descer ao inferno (Hades), Jesus levou as Boas Novas da liberdade aos mortos bons como o mendigo Lázaro (da parábola de Jesus) e o ladrão arrependido.
Novamente, não encontramos respaldo bíblico para um desenvolvimento deste. Temos que admitir a nossa ignorância sobre os fatos depois da vida, certos do que acertamos mais com uma teologia biblicamente autorizada e plena de simplicidade, sem malabarismos. Uma teologia bíblica e simples nos leva a pensar que decidimos nosso futuro aqui. O juízo final será uma confirmação ou da perdição ou da salvação.
Aqueles que vieram antes de Jesus serão julgados com a mensagem que receberam de Deus. Vejamos Abraão: apesar de não ter recebido a notícia da graça, ele viveu pela graça. Muitos outros viveram assim no Antigo Testamento e estão salvos. Noé viveu assim; seus conterrâneos, não aceitaram a graça que lhes foi oferecida.
Quando Noé estava pregando aos seus contemporâneos, era Cristo quem estava, espiritualmente, pregando. Ele existe desde o princípio. Os que recusaram estão agora no inferno longe de Deus, aguardando a confirmação de sua condenação. Assim, por meio de Noé, “Jesus foi pregar nos dias de Noé, mas as pessoas rejeitaram a pregação e, por isto, estão agora na prisão esperando o juízo final”. 4
A descida de Jesus, portanto, “só pode ser entendida à luz de sua ressurreição. Através da encarnação, da cruz e da descida ao inferno [vale dizer, ao lugar dos mortos], onde o mal parecia ter vencido, que Jesus fez sua entrada no próprio quartel-general do mal para derrotá-lo”. 5 Até hoje Jesus faz assim, por intermédio dos que creem nele e o proclamam.
Os cristãos não precisam ter medo da morte.
Os cristãos vencerão a morte, mesmo que percam a vida.

 

5. Temos um último texto a examinar.

“Porque, por isto, foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens, na carne, mas vivessem segundo Deus, em espírito”. (1Pedro 4.6 — ARC)

 

Como entender este texto?

  • Uma sugestão é que a justificação foi dada, pelos méritos de Cristo, até mesmo aos rebeldes contemporâneos de Noé. 6 Trata-se de uma visão, esta, universalista, segundo a qual todos serão salvos, não importando se continuam rebeldes ao amor de Deus.
  • Outra proposta é que, ao “afirmar que Jesus desceu ao inferno”, isto é, ao Hades, lugar dos mortos, o Credo declara que Jesus foi completamente humano, experimentando a morte como qualquer um de nós. 7
  • Pensam outros que “assim como Jesus foi crucificado mas estava vivo no espírito e ressuscitou dentre os mortos, os que crêem podem sofrer a morte física (…) que permanecerão vivos e entrarão na promessa da vida eterna”. 8

 

Lendo o mesmo texto numa tradução contemporânea, captamos outro sentido: a mensagem do Evangelho “foi pregada aos cristãos que agora estão mortos, mas, ainda que estejam mortos (como acontece com todos), eles vão continuar na vida que Deus concedeu a eles em Jesus”. (Versão A MENSAGEM)
O texto se refere, então, às pessoas que ouviram o Evangelho e morreram, não aos que morreram e ouviram o Evangelho, porque à luz da Bíblia toda, esta possibilidade inexiste. Aqui estamos diante de uma exaltação a Jesus Cristo, que foi morto, mas não continuou morto.
Pedro encoraja a uma vida digna do Evangelho hoje. Acontecerá conosco o que aconteceu com os nossos antepassados cristãos: tendo ouvindo o Evangelho, aceitaram-no e morreram. Por a terem aceito Cristo, agora estão com Cristo.
Todos estávamos separados de Jesus, até ouvirmos a sua boa notícia e a recebemos com boa notícia de salvação para nós também.
Todos estávamos destinados ao inferno, merecendo, por causa do nosso pecado, a Geena por escolha, mas eis a grande, nova e esplêndida notícia: Jesus vem e nos proclama a salvação através da fé nele, não através de qualquer obra.

 

CONCLUSÃO

Que significa que Jesus desceu ao lugar dos mortos?

 

1. Jesus é o amor de Deus manifesto a nós. Para receber este amor, só (e é só mesmo) precisamos confessar que Jesus é a prova deste amor. Esta confissão implica que abrimos mão de nossas boas ações  para merecer a salvação. Como a recebemos, derramamo-nos em amar a Deus e ao próximo.
É totalmente clara, neste sentido, a Bíblia Sagrada, que diz:

 

Se, com a tua boca,
confessares ao Senhor Jesus
e, em teu coração,
creres que Deus ressuscitou [a Jesus] dos mortos,
serás salvo.
(Romanos 10.9)

 

2. Jesus experimentou as maiores dificuldades possíveis ao ser humano, mas venceu. Diante de um hino deste (Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” — Efésios 4.10), que podemos fazer, se não cantar, que nada nos separa do amor de Deus? Nem a morte nos destrói, como não destruiu a Jesus. Podemos confiar para sempre em Deus.

 

3. Jesus morreu. Morto, conheceu o mesmo destino (a sepultura) de todos os seres humanos. No entanto, ele não ficou no lugar dos mortos, como não nos deixará.
Diz Pedro em sua mensagem no Pentecoste que a alma de Jesus “não foi deixada no Hades [Sheol], nem a sua carne [ou corpo] viu a corrupção” (Atos 2.31 — ARC).
Em outras palavras, Deus o ressuscitou aos terceiro e nos ressuscitará no tempo que ele determinar, desde que estejamos prontos desde agora.

 

4. Jesus existe desde o princípio. Podemos dizer que, por meio de Noé, por meio de Abraão, por meio de Moisés, por meio de Elias, por meio de Isaías, Jesus pregou. Os do passado e os do presente que aceitaram a sua mensagem estão salvos. Os do presente e os do passado que não aceitaram esta mensagem estão presos, aguardando o julgamento que os condenará a viver longe de Deus para sempre. Os que receberam a graça que lhes foi oferecida não precisam ter medo do julgamento.

 

5. Quem rejeita o sacrifício de Jesus na cruz tem um destino garantido e definitivo: o inferno (geena), o lixo total, a incomunhão com Deus, a separação de Jesus.
Quem aceita o sacrifício de Jesus recebe a graça da salvação. Não tem mais o que temer.  Esta é a linda notícia de Jesus.

 

 

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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1  MCKENZIE, John L. Os grandes temas do Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 261.
2  VREELAND, Derek. Primal credo. [S.L.:] Doctrtina press, 2011. Kindle book.
3  LOCKERBIE, D. Bruce. The Apostle’s Creed: Do You Really Believe It. Wheaton: Victor Books,1977, p. 53-54.
4  PIPER, John. Strengthened-to-suffer-christ-noah-and-baptism. Disponível em <http://www.desiringgod.org/resource-library/sermons/strengthened-to-suffer-christ-noah-and-baptism>
5  GONZALEZ, Justo L. The apostles’ creed for today. Louisville: Westminster John Knox Press, 2007. Kindle book.
6  Nota da Bíblia de Jerusalém. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 1438.
7  DODDS, James. Exposition of the Apostles Creed. Kobobooks.
8  MACARTHUR, John. 1Peter. Chicago: Moddy. 2004. Kobobooks.

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