O CRISTÃO E A CIDADANIA (Romanos 13.1-7)
O apóstolo Paulo, mesmo sendo cidadão romano, nunca tinha estado em Roma antes de escrever a Carta aos Romanos. Por isso ela é “genérica”, não trata de nenhuma situação ou problema específico, como as que ele escreveu às igrejas que fundou (com exceção de Efésios). Paulo planejava visitar a capital do império de passagem para a Espanha. Então escreveu essa carta, como uma preparação da sua visita à igreja romana e como uma exposição da doutrina cristã segundo ele a concebia, sendo, assim, um pequeno manual de teologia paulina. Entre os temas abordados está a cidadania, questão presente no dia a dia dos cristãos romanos.
Nas décadas iniciais, o cristianismo era tido pelas autoridades como uma seita dentro do judaísmo, o qual era protegido por lei imperial que lhe dava liberdade de culto. Assim, os magistrados tratavam os cristãos como uma variedade do judaísmo, dando-lhes igual liberdade. Por exemplo, quando em Corinto os judeus acusaram Paulo de propagar uma religião ilegal, Gálio, o procônsul, considerou o assunto como uma divergência interna entre judeus, negando-se a julgar a questão (Atos 18.12-16). Nesse contexto de relativa liberdade é que o apóstolo escreveu o trecho de Romanos 13.1-7. Mas não se trata de uma abordagem simpática às autoridades romanas. Pelo contrário, são princípios permanentes pelos quais o cristão deve pautar sua atuação como cidadão.
O grande princípio exarado nesse texto é que toda autoridade vem de Deus. Nas palavras de Paulo: “Não há autoridade que não proceda de Deus, e as autoridades que existem foram por ele instituídas.” (v.1). Jesus afirmou o mesmo a Pilatos, quando este alegou ter autoridade para soltá-lo ou crucificá-lo: “O senhor não teria nenhuma autoridade sobre mim se de cima não lhe fosse dada.” (Jo.19.11). Ambos, Paulo e Jesus, repercutem o que disse Daniel ao imperador Nabucodonosor, um déspota: “Que os que vivem saibam que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens. Ele dá esse reino a quem quer, e põe sobre ele até o mais humilde dos homens.” (Dn.4.17). Não há nesse princípio bíblico referência a regime de governo ou ideologia; é uma verdade absoluta: Deus é o Senhor da História, nada escapa à sua soberania, seja a pior ditadura ou a melhor democracia.
Desse grande princípio deriva um segundo, enunciado na primeira parte do versículo 1: “Que todos estejam sujeitos às autoridades superiores.” (algumas versões dizem “autoridades governamentais”) e na primeira parte do versículo 2: “Aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus.” O propósito de Deus para a sociedade humana é que haja autoridades para governá-la; aquele que se rebela contra elas o está fazendo, em última instância, contra o Senhor. Paulo está afirmando que a segurança da sociedade depende da estabilidade do governo; sem obediência à lei temos caos, confusão e insegurança. Observe-se que esse princípio se realiza no moderno conceito de Estado Democrático de Direito. Entretanto, como diz Oscar Cullman, “aqui não se trata absolutamente de uma sujeição acrítica e incondicional a toda e qualquer demanda do Estado.” (citado por John Stott, A Mensagem de Romanos, ABU, SP, 2000, p.413).
Um terceiro princípio, também derivado do primeiro, é que o Estado tem a missão de promover o bem e prevenir o mal. Nas palavras de Paulo: “Os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Você quer viver sem medo da autoridade? Faça o bem e terá o louvor dela, pois a autoridade é ministro de Deus para o seu bem. Mas, se você fizer o mal, então tenha medo, porque não é sem motivo que a autoridade traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar quem pratica o mal.” (v.3,4). É notável que a palavra aqui traduzida por ministro é diakonoi no texto original; por isso algumas traduções a vertem por servo, seu verdadeiro sentido. A palavra espada remete ao direito de julgar e punir. Paulo está dizendo que o Estado deve ser sempre um promotor do bem e não do mal, e que somente ele tem o poder de polícia, e de julgar e condenar os transgressores.
O último princípio enunciado pelo apóstolo é que todo cidadão é contribuinte natural do Estado. Nas palavras de Paulo: “É por isso também que vocês pagam impostos, porque as autoridades são ministros de Deus, atendendo constantemente a este serviço. Paguem a todos os que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.” (v.6,7). É interessante que a palavra ministro aqui é tradução de outro termo – leitourgoi – que pode ser traduzido também por servidores públicos. Serviços públicos requerem sustento financeiro na forma de impostos, tributos e taxas. Não pode o cidadão usufruir desses serviços sem contribuir para o seu custeio.
Finalizando, é importante dizer que a motivação do cristão em submeter-se às autoridades não é o medo, mas a consciência de que assim deve agir por temor ao Senhor (v.5).
Pr. Sylvio Macri