BREVES REFLEXÕES SOBRE PROVÉRBIOS 

3. O PRINCÍPIO DE TUDO (Provérbios 1.7)

No cânon da literatura universal, há alguns livros que se tornaram famosos por seus parágrafos iniciais, ou mesmo por suas primeiras linhas. Ana Kariênina, de Tolstói, começa assim: “Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família é infeliz à sua própria maneira”. Em Moby Dick, de Herman Melville, que narra a caçada à grande baleia branca, as primeiras palavras são: “Chamem-me simplesmente Ismael”. No romance Memórias do subsolo, de Dostoiévski, o personagem principal abre a narrativa confessando: “Sou um homem doente. Um homem desagradável. Acho que sofro do fígado”. Em Cem anos de solidão, o início é: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. Grande Sertão: Veredas, do mineiro Guimarães Rosa, tem outro início famoso: “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não. Deus esteja”. E ainda há o famoso começo de A metamorfose, de Franz Kafka: “Certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama, transformado num inseto monstruoso”.

O início do livro de Provérbios não é menos conhecido. Logo no primeiro parágrafo desse tratado singular de sabedoria está escrito: “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento”. E é sobre essa fundamental afirmação que se baseia todo o restante do livro.

Para o autor de Provérbios, o conhecimento que leva à formação intelectual, à graduação acadêmica, à conquista de um diploma, às grandes teses científicas e ao Prêmio Nobel depende de estudo e pesquisa. Mas o conhecimento que conduz à sabedoria, ao bom senso e à sensatez precisa mais do que formação intelectual. Precisa de virtudes, carece da sensibilidade ética, depende de uma harmonização interior que resulta do reconhecimento humilde a respeito de quem somos e da experiência de fé em relação a quem Deus é.

O temor do Senhor é princípio do conhecimento. Quer dizer: o verdadeiro conhecimento começa quando conseguimos compreender que não somos tudo, nem somos tanto. Há alguém acima de nós, maior do que o tanto, bem maior do que o tudo que somos.

Todos os raciocínios e todas as conclusões partem de pressupostos. E só serão bons raciocínios e conclusões confiáveis se partirem de pressupostos corretos. Se os nossos pressupostos forem incorretos ou equivocados, jamais chegaremos a desfechos positivos. Por exemplo: se meu pressuposto é de que posso voar como o Super-Homem, e se eu salto de um edifício por acreditar nessa premissa fantasiosa, com certeza irei despencar janela abaixo. O resultado será trágico porque o pressuposto está errado.

Pois o pressuposto de Provérbios é claro: o princípio do conhecimento é o temor do Senhor. A palavra temor aqui não significa medo, receio ou insegurança, mas a consciência de que o Senhor está acima e no centro de tudo, de que seus ensinos são capazes de preparar para a vida, outorgando sabedoria, bom senso e sensatez — sempre necessários às boas escolhas e às decisões prudentes.

Saber disso já é um excelente princípio. E é muito bom começar bem.

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