2Coríntios 4.6-11: MAS NÃO

Mensagem pregada na Igreja Batista Itacuruçá em 11/12/2006.

Vi recentemente a entrevista do jogador de futebol Pedrinho, do Palmeiras (ex-Vasco da Gama). Ele falava sobre a substância considerada dopante flagrada em seu corpo. Tratava-se de uma substância encontrada num remédio que tomara para a depressão. Sua narrativa era triste. Tendo se submetido a várias cirurgias no joelho, tivera problemas familiares e passara a usar o remédio que não sabia (nem ele, nem seus médicos). Em sua entrevista, ele lamentou sua possível suspensão, agora que começava a se recuperar, com um “agora, mais esta”.
Fiquei impressionado com o desalento do jogador, com a falta de esperança do esportista, desejando apenas, de cabeça baixa, um pouco mais de sorte. Não sei se Pedrinho é cristão, mas sei que os cristãos também ficam deprimidos. A diferença deve ser que o desespero não pode ser a visão definitiva do cristão, porque esta é a visão dos que seguem os deuses deste século. Pedrinho parecia contemplar o vaso de barro, esperando tirar dele força e resistência. Parecia ainda preso à ilusão da independência, faltando-lhe a visão do tesouro, que nos mostra que o poder para viver não vem de nós, mas procede de Deus, cuja transcendência contrasta com a humanidade do barro que somos.

1. VASOS DE BARROS

O cristão é aquele em quem a luz de Deus ainda brilha, embora seja um vaso de barro (versos 6-7)
Precisamos aprender a conviver com o paradoxo essencial da fé cristã: nossas vidas, em que se deve manifestar a glória de Deus, desenvolvem-se num vaso de barro. Devemos nos lembrar que é plano de Deus que Seu poder seja mostrado por meio de vasos de barros.
Quando menciona o vaso, Paulo pode estar se referindo àqueles utilizados para guardar um documento de valor, como no caso de Jeremias (Jeremias 32.14), ou mesmo àqueles utilizados como suporte para escrita (com mensagens). Esses vasos são de terra batida e cozida, não de ferro e não de ouro, para nos lembrar a nossa fragilidade humana e a grandeza da força divina. O vaso é uma coisa, e o tesouro é outra coisa (John Fairley, 1729-1806).
Eis o que somos: vidas que portam a luz de Deus, vidas onde Deus inscreve a Sua vontade, para nós e para os outros. Apenas portamos a luz, porque não temos luz própria, mas isto já é muito. Nossas vidas seriam melhores se nos lembrássemos disto: Deus mesmo brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. Se Ele brilhou, ainda brilha, porque sua luz não se apaga.
Por isto, devemos olhar para o barro que constitui os nossos vasos, mas não podemos ficar presos a esta perspectiva. Precisamos olhar para o tesouro contido neste vaso: o poder de Deus em atuação. A visão do tesouro acontece quando o cristão olha para a face de Jesus, como Moisés contemplou Yahweh no monte do encontro.
O cristão é uma pessoa que tem o coração iluminado, graças tão-somente à luz do conhecimento de Deus. Quem não tem este conhecimento se desespera.

2. DEUS EM AÇÃO

O cristão é aquele que tem o poder de Deus operando nele (versos 8-9)

Mesmo aqueles que portamos a luz do poder de Deus experimentamos situações que nos colocam no limite. O apóstolo Paulo descreve esses dramas cristãos com quatro contrastes, salientados por uma sonora expressão: “mas não”. Assim, podemos ser pressionados (ou atribulados), perplexos, perseguidos ou prostrados.
Os cristãos são pressionados. Os cristãos ficam perplexos. Os cristãos enfrentam perseguições. Os cristãos se prostram, caídos. Estas são verdades óbvias que alguns tendemos a encobrir diante dos ensinos que cativam nossas mentes. Há um certo cristianismo, bastante popular, a nos dizer que “se somos cristãos, Deus nos guardará de todos os perigos e problemas. Por isto, não podemos adoecer. Se somos realmente cristãos, os problemas simplesmente vão se evaporar, sem jamais  nos alcançar”.
Esta visão está completamente errada. Não é isto que o apóstolo Paulo diz. Todos sabemos que os cristãos, não importa o quanto estejam íntimos de Deus, contraem câncer, têm problemas financeiros, passam por dificuldades diversas e até se divorciam. Daqueles que lhe são íntimos, no entanto, Deus espera que demonstrem uma atitude diferente, uma reação diferente das outras pessoas. Por intermédio desses vasos de barro, “Ele quer demonstrar que há uma alegria e uma paz em nossas vidas que não pode ser explicada por nós mesmos, mas apenas por um Deus agindo em nós” (Ray Stedman).
O problema surge quando almejamos o que Deus não promete. Nós queremos ver o poder de Deus em nossas vidas, mas queremos que este poder nos construa uma caminhada sem problemas. Afinal, Deus já nos tirou das trevas, onde estas realidades predominam, para iluminar as nossas vidas com a Sua glória manifesta no rosto de Cristo.
Então, nós esperamos e oramos para que o poder de Deus opere entre nós; todos queremos ver este poder em ação. Quando nossas vidas estão com o vento a favor, achamos que estamos sendo abençoados. Quando nossas vidas parecem barcos num mar descontrolado, passamos a achar que há algo errado com a nossa fé, porque Deus não nos está abençoando.
O que aprendemos com o apóstolo Paulo é que o que distingue um cristão de um não cristão é a atitude do cristão diante dos problemas, não de não os ter. Essa é a vitória dos cristãos.

Ser abençoado não consiste em não ser pressionado, mas em não ficar desanimado.
Ser abençoado não consiste em não ficar perplexo, mas em não se tornar desesperado.
Ser abençoado não consiste em não ser perseguido, mas em não se sentir desamparado.
Ser abençoado não consiste em não ser pisoteado, mas em não ser derrotado.

Quem lê a autobiografia de David Brainerd (1718-1747) entende melhor o apóstolo Paulo. Jovem, Brainer queria ser missionário entre os índios norte-americanos, entre os quais não havia qualquer ação pastoral. No entanto, a nomeação exigia preparo e o candidato entrou para uma excelente universidade, da qual foi expulso porque sua saúde impediu continuar nos estudos. Brainerd não desanimou. Um de seus biógrafos chega a especular se o moderno movimento missionário existiria se Brainerd não tivesse sido expulso da Universidade Yale e pudesse ter servido a Deus como pastor! (PIPER, John. David Brainerd. Disponível em <http://www.desiringgod.org/Online_Library/OnlineArticles/Biographies/90Brainerd.htm>
Uma vez no campo missionário, não sabia falar a língua dos indígenas, tendo que contar com os serviços de um intérprete. Seu diário revela sua profunda solidão, mas também a certeza que cumpria o propósito de Deus para a sua vida. Diante da falta de companhia, da falta de saúde e da falta de resultados, Brainerd não se desesperou. E continuou seu trabalho, até ter que deixar o campo para se tratar na casa de Jonathan Edwards.
Mesmo em meio a crises profundas de depressão, Brainerd não se sentia desamparado por Deus, por causa do Seu poder. Ele enfrentou doenças constantes, uma depressão recorrente, uma solidão insistente, privações materiais permanentes e o deserto gelado, tendo ainda que lutar para amar os índios a quem ministrava e para ter certeza da sua chamada.
Nada disso o impediu de anotar as seguintes palavras: “Quando realmente experimento Deus, sinto que meus anseios por Ele ficam mais insaciáveis e minha sede por santidade ainda mais indessedentável. Quero mais santidade. Quero mais de Deus na minha alma. Oh dor prazerosa. Ela me aproxima mais de Deus. Que eu não perca tempo em minha jornada celestial” (PIPER, John. Idem).
Quando, enfim, a tuberculose o venceu, aos 29 anos de idade, Edwards tomaria seu diário e construiria uma espécie de autobiografia que incendiaria o mundo para missões. O poder de Deus continua operando mesmo depois de sua morte. Seu livro se tornou um dos mais importantes documentos a impulsionar a obra missionária, ao ponto de William Carey o considerar como um autêntico texto sagrado.
Sua vida é “um testemunho vívido e poderoso da verdade que Deus pode usar e usa santos fracos, doentes, desencorajados, desolados, solitários e em crise constante para realizar coisas maravilhosas para a Sua glória” (PIPER, John. Idem).
Brainerd era alguém que trazia no corpo o morrer de Jesus, mostrando que “o poder de Deus é o milagre de as outras pessoas verem em nós, em meio às pressões e provas, o caráter e a vida de Jesus em operação” (Ray Stedman). Brainerd entendeu que há circunstâncias em que Deus nos coloca para morrer, queiramos ou não (verso 11)

Quando pressionados, quando perplexos, quando perseguidos, quando abatidos, venceremos quando nos lembrarmos que há um poder pessoal, amoroso, transcendente, isto é, superior. É este Poder que não permitirá que a pressão nos cerque, que a perplexidade nos confunda, que a perseguição nos atinja, que o medo nos paralise.

Sofremos pressão de todos os lados, mas jamais seremos cercados.
Chegamos perto do nosso limite, mas não perderemos a esperança.
Somos perseguidos pelos homens, mas Deus nos retém Sua aliança
Na luta somos derrubados, mas não ficaremos no chão derrotados.
(2Coríntios 4.8-9)

3. POSTOS PARA MORRER

O cristão é aquele que carrega no seu corpo o morrer de Cristo (versos 10-11)

A vitória cristã acontece porque trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal.

Precisamos aprender a querer o Reino de Deus em primeiro lugar. Precisamos aprender a abrir mão de nossos interesses. Queremos o Reino, mas queremos também os nossos direitos. Onde nossos interesses prevalecerem, o Reino não estará em primeiro lugar, Deus não será Senhor.
Sem isto, que é o morrer de Cristo, o poder de Deus não será sentido e a sua glória não será vista.
Morrer em Cristo é aceitar o que Cristo fez na cruz, tomando-a como o fim de nossa dependência de nós mesmos (que é outra forma de preconizar a ilusão da independência). Quando o fazemos, descansamos, na certeza que Deus está operando em nós, sem nenhuma espetacularidade, mas de forma amorosa e calma, para mudar nosso caráter até que ele fique como o de Jesus.

Nós estamos sendo levados em triunfo, não importa como estejamos nos sentindo no momento. É Deus que faz isto, não nós.

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