Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 12.11.2000 (manhã) e 26.11.2000 (manhã e noite)
1. INTRODUÇÃO
Precisamos começar nosso estudo sobre a escatologia confessando nossa ignorância. Nós sabemos muito pouco, mas sabemos o mais importante: nosso futuro está guardado no Livro da Vida, escrito por Deus.
2. VIVENDO EM FUNÇÃO DA RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO
Os versos 3 e 4, complementados pelos versos 5 a 8, formam uma síntese do Evangelho. Foi este o conteúdo que Paulo recebeu e transmitia. (Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, e depois aos doze; depois apareceu a mais de 500 irmãos duma vez, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormiram; depois apareceu a Tiago, então a todos os apóstolos; e por derradeiro de todos apareceu também a mim, como a um abortivo.
2.1. A narrativa da ressurreição
Este é o Evangelho que nós recebemos e devemos transmitir. Por isto, precisamos começar falando do fato da ressurreição de Jesus e o faremos primeiramente de forma poética.
ELOGIO À MULHER
O teu olhar para dentro da noite
é o olhar de quem busca a vida
e não teme o sepulcro.
A tua lágrima que salta de dentro
é a lágrima de quem perdeu
toda a luz que da alegria nasce.
A tua visão de dois anjos na noite
é a visão de quem enxerga o mistério
e ouve a sua voz em meio ao silêncio triste.
Soluça, mulher, maria , madalena,
que no fundo dos teus olhos
dois anjos proclamarão a manhã.
Chora, mulher, maria, madalena,
que nos intervalos dos teus soluços
ouvirás a palavra de quem procuras.
Mulher, reclama o corpo que roubaram.
Ladrões, para onde o levaram?
Mulher, de quem é esta voz que te olha?
De quem é este olhar que te chama?
Olha, mulher, e vê que é rosto do homem que querias morto.
E agora tu o chamas pelo nome das flores.
E agora tu o vês pela imagem das águas
antes que ele Deus todo seja
e marche para o azul ao encontro deste Pai
que se fez filho conosco
e se deixou enterrar nas horas das pedras
Tu o viste, não entre a reclusão das lápides,
nem a respirar a quietude dos troncos tombados,
mas a caminhar por entre as pétalas,
a ouvir o teu lamento sem luz.
Tu o viste, não a anunciar a vitória da noite,
nem a chorar a dor por quem partiu para sempre,
Mas a proclamar o sorriso suave dos teus lábios,
tu que sorriste com ele
na mais feliz de todas as madrugadas:
quando a rocha se fendeu
e ele pôde enxugar da fronte o orvalho que anunciava a sua ressurreição.
(Israel Belo de Azevedo)
2.2. O fato da ressurreição (v. 11-11,20)
A morte de Jesus é um fato histórico não mais questionado e, junto com ele, o seu sepultamento. No entanto, a sua ressurreição tem sido questionada em sua veracidade histórica e isto não é de hoje. Também, e igualmente não de hoje, tem sido questionada fortemente a possibilidade da ressurreição dos homens no final dos tempos, especialmente pela dificuldade de elas (tanto a de Jesus quanto a dos cristãos) fazerem sentido à luz da razão.
2.2.1. Contestações à ressurreição
Quanto à ressurreição de Jesus, os argumentos em contrário, são, entre outros:
- A falta de documentos extrabíblicos que a registrem;. As contradições nas narrativas bíblicas sobre o mesmo fenômeno;
- A impossibilidade da ressurreição à luz da razão;
- A natureza não essencial da ressurreição para a fé cristã.
Quanto à ressurreição dos mortos em geral, argumenta-se que o fenômeno, tal como aconteceu com a de Cristo, não tem amparo na razão, à qual devem estar subordinados todos os fatos.
2.2.2. Respostas às contestações
De fato, não há narrativas extrabíblicas para o fato da ressurreição de Jesus. Não o há também para o nascimento e para a morte de Jesus.
A ressurreição é apontada como um fato essencial para a fé. O apóstolo Paulo várias vezes o afirma, deixando bem claro, em Romanos 10.9-10, que a salvação vem pela confissão de Jesus Cristo como Senhor e pela crença de que o Pai ressuscitou Jesus dentre os mortos.
Depois de ressurreto, Ele ficou 40 dias na terra, dando provas de que estava vivo (Atos 1.3). Ao todo, Ele apareceu a 500 pessoas de uma só vez (isto é, em grupo), o que é bem diferente de uma alucinação (cf. 1Coríntios 11.6). Nesse tempo, Ele preparou seus discípulos.
Quanto às chamadas contradições, tratam-se antes de narrativas com focos particulares. Cada testemunha narrou segundo a sua perspectiva e segundo o que viu. Aliás, o teórico comunista Karl Kautsky começou a levantar estas contradições para desmascarar o Cristianismo. Sua conclusão, que ajudou a expulsá-lo do Partido Comunista foi outra: se a ressurreição de Jesus fosse uma lenda, as versões seriam previamente combinadas; o fato de guardarem uma subjetividade entre elas é uma evidência que nada foi inventado. Por isto tem razão também outro não cristão, o historiador judeu Pinchas lapide, para quem a ressurreição é a certidão de nascimento do Cristianismo.
Os símbolos cristãos são símbolos da Ressurreição. O que é o batismo? A imersão simboliza a morte para o pecado e a ressurreição para uma nova vida. O que é a Ceia, senão a afirmação da morte de Cristo e sua volta, que só é possível por ter ressuscitado.
Não podemos esquecer ainda que parte das testemunhas do túmulo vazio era formada por mulheres. Se a história fosse uma lenda, seus inventores não colocariam essas narrativas nas bocas das mulheres, incapazes, na lógica da época, da falar a verdade e, portanto, indignas de crédito. Que judeu iria crer numa ressurreição testemunhada por mulheres.
Há outra evidência interessante. Quanto custou para os primeiros a fé na ressurreição? Além do escárnio, muitos pagaram com a vida. Não seria razoável morreriam por uma lenda. Eles pregaram o Evangelho da Ressurreição como testemunhas.
Alguém dirá que Paulo não foi testemunha ocular e, de fato, não o foi. Ele pelo se autodenomina de apóstolo (testemunha) nascido fora do tempo (v.8). Os versículos 3 e 8, especialmente 3 e 4, não são da lavra do Paulo, que afirma tê-los recebido. Quando ele começou a pregar, já pregava segundo as Escrituras, isto é, segundo o que recebera de outras testemunhas. A fé na Ressurreição não foi inventada por Paulo. A fé na Ressurreição não foi inventada por Paulo. Ele creu nela depois que o próprio Jesus lhe apareceu e depois do que aprendeu com os outros cristãos.
Se é difícil crer na Ressurreição de Jesus, e o é, porque fruto da fé, é mais difícil ainda crer nas idéias, há muito esposadas, que o corpo dele foi, na verdade, roubado.
Os antigos judeus não sustentaram esta farsa diante de José de Arimatéia. Mais recentemente, muitos creram noutro delírio: que ele não ressuscitou, mas se reincarnou. Há gente de provas documentais e racionais para a perspectivas cristã leva pessoas a forjarem teses delirantes, sem qualquer apoio documental contemporâneo e sem qualquer elemento de racionalidade.
O problema do crivo racional é tão sério que até mesmo cristãos, como Rudolf Bultmann, no início do século 20, chegaram a considerar como não essencial a ressurreição de Jesus. Ensinava aquele teólogo que o importante era ter a fé que os primeiros cristãos tiveram, pouco importando a historicidade desta fé.
3. A FELICIDADE DA FÉ NA RESSURREIÇÃO
Paulo cria na Ressurreição como um fato histórico e deriva o fato da nossa própria ressurreição daquela.
É como ele que devemos crer. Ele lembra que a crença na Ressurreição era parte da pregaçào da Igreja. O autor de !Coríntios relaciona esta ressurreição com a nossa. (Se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé, e somos tidos como falsas testemunhas de Deus. (…) Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens. (v. 12-19)
Sem a fé na Ressurreição de Cristo e sem a esperança em nossa ressurreição no fianl dos tempos, nós somos infelizes.
Por que somos infelizes sem a Ressurreição?
- Somos infelizes porque cremos numa Bíblia que nos ensina uma farsa e nos faz crer numa lenda ou numa alucinação coletiva, mas acontecia em blocos, porque pessoas isoladas e grupos viram Jesus com o corpo glorificado.
- Somos infelizes porque cremos num Cristianismo, que faz de uma lenda o pilar do seu conteúdo existencial e teológico. Neste caso, somos parte de uma Igreja que se formou a partir de uma alucinação.
- Somos infelizes porque abrimos mão da bênção regeneradora da ressurreição (1Pedro 1.3). Sem a ressurreição, o evangelho está incompleto. Sem a ressurreição não podemos ser salvos. Não há poder na mentira.
- Somos infelizes porque abrimos mão da fé para ficar com a razão, razão que matou Jesus Cristo, razão que foi insuficiente (junto com a Lei) para levar o homem ao reencontro com Deus, razão que não faz nenhum de nós um salvo por Cristo no presente e no futuro. Aliás, o século 20, o século da razão por excelência, é a maior prova da falácia e da insuficiência da razão, pois foi o século com maior número de guerras e de vítimas de toda a história da humanidade.
Nós temos esquecido que Cristo ressuscitou. Tem feito pouca diferença em nossas vidas a esperança de que ressuscitaremos.
Como Paulo, precisamos crer na Ressurreição de Jesus, por se tratar de uma das colunas da fé cristã.
Mais que crer, precisamos viver como se crêssemos na Ressurreição, porque somos capazes de cantar e declarar que cremos em algo sem viver como se crêssemos.
Cristo ressuscitou para que nós pudéssemos ressuscitar — eis o fundamento de nossa própria esperança.
O tipo de corpo glorificado (isto é: imortal) é o que teremos. Ele é a primícia dos ressuscitado (1Coríntios 15.20).
Sem a perspectiva do futuro, por melhor que seja o nosso presente, nossa vida é vazia de sentido.
4. UMA VIDA RADICALMENTE DIFERENTE
Na primeira parte do capítulo, o apóstolo Paulo põe todo o seu argumento na certeza da ressurreição de Cristo e dela deriva a esperança da nossa. Precisamos ficar com esta ênfase: se não vamos viver uma vida pós-humana, somos lastimáveis humanos. A ressurreição de Jesus e a nossa não são temas apenas de natureza especulativa, mas de ordem existencial.
O argumento da indispensabilidade da ressurreição é repetido nas partes seguintes do mesmo capítulo. Conquanto o apóstolo não detalhe o chronos do que há de vir, oferece-nos uma visão bastante ampla da existência pós-histórica.
4.1. Entre o fanatismo milenista e o fatalismo secularista
Os temas relacionados à escatologia têm sido tratados de duas maneiras antitéticas: uma se aproxima da superstição e outra compõe a fila do paganismo.
Essas duas tendências são retratadas neste capítulo 15 de 1Coríntios, especificamente nos versículos 29 e 32.
4.1.1. O milênio como superstição
No verso 29, o apóstolo Paulo menciona que em Corinto havia cristãos que se batizavam por antepassados mortos. (De outra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos? Se absolutamente os mortos não ressuscitam, por que então se batizam por eles?) Esses cristãos estavam tão certos que Cristo voltaria para aquela geração que, para salvar seus queridos já mortos, lançavam-se às águas do batismo, achando que assim contribuiriam para a remissão dos pecados deles e os preparariam para o juízo final próximo.
A propósito, os mórmons, com cujos representantes cruzamos a todo instante pelas ruas da cidade, ensinam, a partir deste versículo, que os cristãos de hoje devem se batizar pelos seus parentes não cristãos para que eles possam ser salvos. É uma espécie de quebra de maldição ao contrário. Esses intérpretes preferem ignorar o fato que, quando Paulo menciona batismo pelos mortos, ele não a recomenda, mas apenas a sua para argumentar o seu absurdo… Além disso, eles se esquecem da verdade bíblica essencial, segundo a qual nós somos julgados quando, em vida, escolhemos aceitar ou recusar o sacrifício de Jesus Cristo por nós. Como diz o evangelista João, quem crê [em Jesus] não é julgado; mas quem não crê, já está julgado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus (João 3.18).
O fanatismo coríntio, no entanto, encontrou entre os tessalonicenses outra expressão. Muitos deixaram os seus empregos e suas escolas, certos que a volta iminente de Cristo tornava inúteis o trabalho e o estudo. Ao longo da história, este erro foi várias vezes cometido. Centenas de líderes fanáticos marcaram datas e lugares para a parousia. Todos fracassaram, como fracassarão todos que continuarem a fazê-lo e muitos ainda o farão. Há pessoas que querem saber mais que Jesus, que garantiu que aquele dia e hora, porém, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai (Mateus 24.36). Devemos, portanto, tomar cuidado com as escatologias calendaristas, aquelas que, olhando os inequívocos sinais da proximidade do fim da história, equivocam-se ao marcar, com certeza, esquemas e datas.
4.1.2. O milênio distante
A segunda tendência Paulo a menciona de passagem no versículo 32, quando transcreve um dos argumentos da filosofia epicurista, bastante aceita à época. (Se, como homem, combati em Éfeso com as feras, que me aproveita isso? Se os mortos não são ressuscitados, comamos e bebamos, porque amanhã morreremos.)
Contrariamente àqueles que vivem como se o mundo fosse explodir pelos ares ainda hoje, os secularistas de Corinto e de nossa cidade vivem na perspectiva que isto jamais acontecerá ou, se acontecer, está muito distante. Nesta visão, a história não tem um sentido. Sartre, que embalou as duas gerações do pós-guerra, ensinava que a vida não tem sentido; só o presente importa. Epicuro, no passado remoto, e Sartre, no passado recente, têm corrompido a nossa teologia prática. Em Corintio e em nossa cidade, as más companhias corrompem os bons costumes (verso 33). Por isto, o apóstolo recomenda: Acordai para a justiça e não pequeis mais; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; digo-o para vergonha vossa (verso 34). Em outras palavras, quem está neste caminho secularizado deve acordar para a justiça, isto é, para a verdade do Evangelho, e não pecar mais seguindo vergonhosamente teorias e perspectivas contrárias à Palavra de Deus.
Para os existencialistas de ontem ou de hoje, Cristo voltará, mas não para esta geração. Logo, o importante é viver o agora. Há cristãos para os quais a parousia não significa nada; é como se não fosse algo relevante, embora haja uma profusão de textos bíblicos a respeito e todo um livro para a descrever, o Apocalipse.
O tema da escatologia afugenta a muita gente, por suas dificuldades e pelas muitas discordâncias entre os estudiosos do assunto. Além disso, de tanto se falar que a volta de Cristo está próxima, ela acaba vista como sendo algo distante…
No século 19 houve também uma tendência explícita, a de que o homem construiria uma sociedade com tal grau de perfeição, pela influência do Evangelho, que não haveria necessidade de Cristo voltar. O progresso educacional, moral, científico e tecnológico a nova terra. Nós reescreveríamos os apóstolos: Cristo não precisaria voltar; nós é que iríamos ao seu encontro, ao realizarmos seu projeto. Hoje não se enuncia esta teologia, mas se vivencia esta teologia imanentista, o que é pior.
4.1.3. Uma visão bíblica
Diferentemente destas visões equivocadas, precisamos de uma visão bíblica acerca do presente e do futuro. O nosso presente é possível porque no passado Jesus Cristo morreu e ressuscitou por nós. O nosso presente é possível porque no futuro Jesus Cristo voltará para nos fazer ressucitar e viver para sempre com Ele num tipo de vida radicalmente diferente da que conhecemos e experimentamos.
Nossa visão de Jesus Cristo deve ser tão forte que nos leve a viver como Paulo, que perguntava: E por que nos expomos também nós a perigos a toda hora? Sua resposta era veemente: Eu vos declaro, irmãos, pela glória que de vós tenho em Cristo Jesus nosso Senhor, que morro todos os dias (versos 30 e 31). Nós vivemos segundo o que cremos. Se cremos que Jesus Cristo veio, nós o oferecemos a todos quantos podemos; se cremos que Ele voltará, queremos que outras pessoas nos acampanhem nesta jornada sem fim pelo tempo sem relógio da eternidade.
5. A HISTÓRIA TEM SENTIDO.
O estudo da escatologia, como ensinada pelo apóstolo Paulo, no capítulo 15 de 1Coríntios, nos mostra que a história tem um sentido.
Então virá o fim quando ele entregar o reino a Deus o Pai, quando houver destruído todo domínio e toda autoridade e todo poder.
Pois é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés. (Ora, o último inimigo a ser destruído é a morte.) Pois se lê: “Todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés”. Mas, quando diz: “Todas as coisas lhe estão sujeitas”, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas.
E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (versos 24-28).
A história humana terá um fim quando o mal for aniquilado de modo terminal. O presente geme pela atuação dos domínios, autoridades e poderes. Este é a primeira utilidade de uma fé que contempla as dimensões escatológicas: nossa vida hoje pode ser marcada pelo gemido, mas esta história terá um fim.
Não há inimigo que não seja derrotado. Aquele que derrotou o inimigo definitivo, que é a morte, tornada relativa, derrotará qualquer outro tipo de inimigo. A morte não venceu Jesus; graças a Ele, a morte não nos vencerá.
Todos aquele que aceitar esta morte não experimentará o poder da morte sobre si. Toda a força da morte despencou sobre o corpo de Jesus, que afundou numa tumba. Se a história tivesse acabado assim, estaríamos todos mortos também. No entanto, todo o poder de Deus levantou Jesus de entre os mortos, para que nós vivêssemos. Este é o resumo do Evangelho.
No final dos tempos, Jesus entregará o Reino de Deus ao Pai. Esta afirmação deve ser compreendia no interior da economia divina da história, sob pena de não entendermos a natureza da
Trindade. O que Paulo nos ensina é que o Filho tem uma missão e esta missão terá um fim: chegará o tempo em que Ele não será mais o mediador entre os homens e o Pai, porque não será mais necessária a presença de um mediador, já que os homens e a Trindade estarão em contato direto e eterno, na grande festa celestial. Ele, então, chegará perante o Pai e anunciará que sua obra terminou.
Quando isto acontecer, o Filho receberá toda honra, toda riqueza, toda sabedoria, toda força, toda honra, toda glória e toda bênção (Apocalipse 5.12). O contraste é claro: Ele derrota toda a autoridade e recebe por isto toda honra. A glória do Filho é a mesma do Pai. No final dos tempos, o Cordeiro reinará, submetendo sua obra ao Pai, que o exaltará sobre todo nome e toda a pessoa, e fará com que todo joelho dobre diante dEle e toda a língua Lhe cante louvores, porque estará completa a obra da salvação (Filipenses 2.9-11).
Esta obra, no entanto, começou na criação do mundo e continuou na Encarnação. Desde então Cristo reina. Ele venceu a morte porque reinava. Nós, no entanto, ainda não vencemos a morte. Venceremos quando Cristo nos ressuscitar dentre os mortos. Todos os sofrimentos humanos encontram são recompensados com a ressurreição, que os faz cessar e dá sentido a eles.
Por isto, as últimas coisas (escaton) são, na verdade, as primeiras. Cristo é o princípio e o fim, o Alfa e Ômega, na linguagem apocalíptica. Quem está no princípio e no fim governa o presente, o nosso presente.
É encorajador saber que Jesus Cristo é rei agora também. É animador saber que, a apesar da aparência do Seu sumiço da história, Ele a controla. Ele nos controla. Ele controla as pessoas ao nosso redor. Ele controla as circunstâncias ao nosso redor. Ele controla a história, história que marcha para reconhecer que Ele é o Senhor.
6. NÃO PODEMOS PREVER O TEMPO DA PAROUSIA
Sofremos porque não vemos com clareza o tempo da vinda de Jesus Cristo. Nós gostaríamos de sabê-lo, embora isto fosse péssimo. Se a parousia fosse ocorrer este ano, e nós o soubéssemos, nós ficaríamos paralisados, como ficaram alguns da igreja de Tessalônica nos tempos apostólicos. Se a parousia fosse ocorrer em gerações posteriores à nossa, e nós o soubéssemos, nós ficaríamos descansados e não permitiríamos que ela afetasse o nosso presente.
É daí que advém a tendência de se calendarizar os acontecimentos escatológicos.
Sabemos o que vai acontecer, porque a Bíblia é clara quanto a esta descrição. Sabemos porque vai acontecer, uma vez que é a forma pela qual Deus se torna tudo em todos. A Bíblia, do Antigo ao Novo Testamento, garante-nos que, no final dos tempos, Deus reconciliará a criação, inclusive a criação humana, consigo. Os problemas estão no quando e no como.
6.1. A sequência
Somos informados, em linhas gerais, a sequência dos acontecimentos do fim. Paulo a enumera nos versos 24 a 28 e 20 a 23:
Na realidade Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados. Cada um, porém, na sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda (versos 20-23).
Os acontecimentos do fim estão no passado (encarnação e glorificação de Jesus), no presente (nossa aceitação ou recusa do sacrifício de Cristo) e no futuro. No caso dos salvos, o esquema é claramente o seguinte.
- morte de Jesus Cristo » nossa morte (ou transformação, para quem estiver vivo)
- ressurreição de Jesus Cristo » nossa ressurreição (ou transformação para quem estiver vivo)
- parousia » nosso arrebatamento
- juízo final » nosso julgamento
- consumação do Reino de Deus » vida celestial
Esta sequência geral pode ser detalhada, mas, ao fazê-lo, não podemos perder a visão global da história no projeto de Deus. Mesmo as discordâncias quanto ao tempo dos acontecimentos do fim no futuro não nos devem separar da esperança que o Jesus que reina agora reinará plenamente no porvir.
Os pré-milenistas não podem abafar a esperança com seus esquemas. Os pós-milenistas não podem anular a esperança com seu otimismo. Os a-milenistas não podem empobrecer a esperança com a redução dos acontecimentos do fim a meros símbolos.
6.2. Os sinais
Pressupondo a parousia é o acontecimento central, em torno do qual orbitam os demais, devemos nos acautelar duplamente, com o cuidado de não achar que a volta de Cristo é algo para o “são nunca de tarde” (conforme o alerta de Pedro — 2Pedro 3.9) ou que é algo para tão breve que nos perturbe (2Tessalonicenses 2.2).
Nós simplesmente não conhecemos o tempo da volta de Jesus Cristo. E isto é muito bom, conquanto para alguns possa soar como um convite a colocá-lo para um futuro remoto. Nós temos que viver como se Ele fosse voltar hoje, com os olhos voltados para a Sua direção. Nós temos que viver como se Ele fosse ainda demorar a retornar, mantendo nossos olhos voltados para o crescimento em direção à Sua estatura perfeita. Enquanto tocamos nossos projetos, de curto, médio e longo prazos, devemos esperar e desejar a volta.
Era assim que Paulo pensava e agia. Embora achasse que alguns de sua geração seriam arrebatados e transformados, sem passarem pela experiência da morte (só a da transformação), pela iminência da parousia (versículo 51), ele não deixava de fazer projetos para a universalização do Evangelho.
Os sinais do fim estão na Bíblia. Alguns já se cumpriram claramente. Outros ainda não se cumpriram. Devemos ter cuidado de não os ignorar, mas também de não os produzir, fazendo com que fatos se encaixem artificialmente em nossos esquemas. Entre a indiferença em relação aos sinais e a indústria dos sinais, devemos ficar com a oração apostólica: “Maranata!” Enquanto a parousia não acontece, devemos pedir por ela, repetindo a frase com a qual Paulo termina esta epístola: “Maranata!”, que quer dizer: “Vem, Senhor Jesus” (1Coríntios 16.22).
Devemos ter a humildade ainda de reconhecer que há sinais que dificilmente conseguiremos divisar com clareza. O objetivo dos sinais é nos advertir contra a possibilidade de marcar tempos que só Deus conhece. O Senhor da história não é refém de nossas interpretações, que falham, conquanto Ele não falhe jamais.
7. SÓ PODEMOS FALAR DA ETERNIDADE POR MEIO DA LINGUAGEM POÉTICA
Além da fixação do tempo para os acontecimentos do fim, nós lavramos em um outro tipo de dificuldade: a linguagem. A linguagem objetiva não consegue falar da eternidade; só a imaginação poética nos ajuda. É isto que faz o autor de Apocalipse. Tudo ali é poesia.
7.1. A imaginação poética
Toda a descrição da vida celestial, ao longo de todo o Novo Testamento, é poética. É a poesia que nos ajuda a descrever a morte, a ressurreição, a parousia e o céu. A poesia não remete para a mentira, mas para a incompetência da linguagem narrativa (jornalística, objetiva, positiva).
Não podemos tomar as imagens acerca da vida celestial e limitá-las. Quem lê o salmo 23 não pensa que Deus seja um pastor de ovelhas com um cajado na mão a cuidar delas, mas — isso, sim — imagina que Deus se parece com um pastor de ovelhas com um cajado na mão a cuidar dos seus filhos. Quem lê a descrição das ruas celestiais, como a de Apocalipse, não deve imaginá-las como sendo de ouro, mas como sendo tão imponentes e valorosos como o ouro, o mais rico dos metais preciosos, razão por que foi utilizado para servir como meio de comparação acerca da vida pós-esta. O céu é um lugar. Até podemos chamá-lo de nova terra, à falta de elementos para descrevê-lo, porque nada tem a ver com esta vida aqui e nada sabemos como ela será, a não ser que será radicalmente diferente desta.
Diante de nossa impossibilidade de imaginar o diferente como sendo diferente, só podemos falar da eternidade por meio da linguagem poética. Um exemplo neste capítulo é a referência à morte como sendo um sono (os que dormem — versículo 20 –, nem todos dormiremos — versículo 51). O apóstolo não está falando do sono da alma: está usando um termo próprio da tradição bíblica para descrever a morte.
7.2. A vida celestial
Em sua descrição poética, Paulo prefere usar a imagem da semente para descrever a natureza de nossos corpos (?) celestiais.
Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? e com que qualidade de corpo vêm?
Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como o de trigo, ou o de outra qualquer semente. Mas Deus lhe dá um corpo como lhe aprouve, e a cada uma das sementes um corpo próprio.
Nem toda carne é uma mesma carne; mas uma é a carne dos homens, outra a carne dos animais, outra a das aves e outra a dos peixes. Também há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. Uma é a glória do sol, outra a glória da lua e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela.
Assim também é a ressurreição, é ressuscitado em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, é ressuscitado em glória. Semeia-se em fraqueza, é ressuscitado em poder. Semeia-se corpo animal, é ressuscitado corpo espiritual. Se há corpo animal, há também corpo espiritual. (Assim também está escrito: O primeiro homem, Adão, tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante.) Mas não é primeiro o espiritual, senão o animal; depois o espiritual. O primeiro homem, sendo da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Qual o terreno, tais também os terrenos; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, traremos também a imagem do celestial.
Mas digo isto, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção.
Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos serão ressuscitados incorruptíveis, e nós seremos transformados.
Porque é necessário que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade. Mas, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrito: “Tragada foi a morte na vitória”. Onde está, o morte, a tua vitória? Onde está, o morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.
Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo (versos 35-57).
Desta seção, eivada de imagens poéticas, podemos reter algumas verdades inquestionáveis:
1. A vida celestial é radicalmente diferente da vida terrena. Um fruto não se parece com o grão do qual germinou. Uma árvore não se parece com a semente que a fez nascer. A vida celeste não se parece com a vida terrena.
Nossos novos corpos não conhecerão as limitações de tempo e espaço que experimentam aqui. Podemos, diante disto, ainda nos referir a eles como “corpos”? Não está o apóstolo novamente fazendo poesia?
2. Estes nossos novos corpos serão corpos glorificados. O máximo que podemos saber a este respeito é que estes novos corpos se parecerão com o corpo do Jesus ressurreto. Mais do que isto não sabemos, exceto ainda que, quando adentrarmos à eternidade, os elementos constitutivos desses nossos corpos não serão mais a carne e o sangue, isto é, não serão células biologicamente formadas, nem serão mais passíveis de ser atingidas pelo poder do pecado.
3. A participação na vida eterna celeste é o cume do processo iniciado na ressurreição de Jesus: a vitória sobre a morte. Depois de ver Jesus reinando nos céus e de nos contemplar ajoelhados diante dEle confessando o Seu senhorio, Paulo pergunta à morte, com ironia:
— Ei, morte, onde está a ponta aguçada de ferro com a qual você flagelava as pessoas? Ei, morte, onde está o seu sorriso de vitória?
Mesmo a morte, este acontecimento definitivo, tornou-se relativa diante do Absoluto dos absolutos. Por isto, podemos cantar que Jesus está vencendo e um dia terminará sua obra.
8. CONCLUSÃO
O apóstolo Paulo termina seu capítulo mostrando qual deve ser o sentido de se estudar escatologia: reafirmar o valor da confiança no Senhor, que transforma as nossas ações em ações úteis no Seu reino.
A especulação deve ceder lugar ao compromisso.
A recordação deve preceder a esperança.
Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor
(verso 58).
Podemos concluir com esta oração, própria do cristão que ora, age e espera.
PLANETA PRECÁRIO
Ele vem.
A qualquer momento, ele vem.
E eu estou indo ao seu encontro.
Ainda visto as roupas de sempre,
ainda olho nas mesmas direções,
ainda piso nos mesmos caminhos,
ainda toco nos mesmos corpos,
ainda digo as mesmas palavras que os homens
mas eu espero a hora
o instante do encontro
para um abraço muito longo.
E o meu rosto será outro.
E o meu verbo será outro.
E o meu corpo será outro.
Pode ser que eu chegue primeiro
porque eu tenho muita pressa de chegar.
Se primeiro eu for,
receberei logo a sua palavra,
mas o seu corpo
certamente esperarei
pela minha pressa de chegar.