SACRIFÍCIOS?
Romanos 12.1-2
2006
Há muitos anos, como parte de estudos de antropologia, visitei um terreiro de candomblé. Conversei com o líder, que me deu uma explicação para as oferendas, que incluem sacrifícios de animais: é para acalmar os espíritos.
Fiquei feliz em não ter que fazer isto. Meu Deus nunca está bravo comigo, de modo que tenho que fazer algo para acalmá-lo. Mesmo quando peco, ele fica triste, mas não me pede senão arrependimento e nenhum sacrifício.
Fico triste, então, quando ouço cristãos falarem de sacrifícios como necessários no exercício da fé. Dirá alguém: eles estão na Bíblia.
Abro Romanos 12.1-2 e leio:
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Sim, de fato, estão, mas quem ler todas as orientações sobre sacrifícios verá que não guardam qualquer relação com as trocas que alguns tentam fazer. Digo, tentam, porque a troca não se completa, porque Deus não aceita o jogo.
1
A SEDUÇÃO DO SACRIFÍCIO
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Há uma visão popular segundo a qual é preciso muitos gestos para sermos ouvidos por Deus. Eu me lembro da canção conhecida de Gilberto Gil.
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
(Gilberto Gil)
Há muito de meia-verdade neste poema, mas há muito de mentira inteira nele também.
Sim, para falar com Deus, preciso de mãos vazias e alma nua, mas eu não consigo esvaziar as minhas mãos se não for esvaziado; não consigo me desnudar, se não for desnudado. Entro com o desejo. Deus entra com a ação.
Se eu puder, ao falar com Deus, apagar a luz e calar a voz, ótimo; se não puder, posso falar com ele em meio ao ruído e ao agito.
Para falar com Deus, não preciso aceitar a dor, porque posso protestar e questionar, que Deus não se aborrecerá como se aborrece um ser humano questionado. Eu preciso me quebrantar, lambendo o chão dos castelos que erigi, e, quebrantado, serei alegrado. Gilberto Gil, religião não é esforço humano; é esforço divino para abençoar.
Para subir aos céus, não tenho que subir aos céus sem cordas. Jesus Cristo é a minha corda. Ele é a estrada para Deus. Se eu trilhá-la, não vou dar em nada, vou dar no centro do coração de Deus.
2
DEUS QUER SER CONHECIDO DOCEMENTE
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Apesar do tom exortativo (“rogo”), o texto oferece um conjunto de informações sobre a natureza divina e sobre o ser humano. Conhecer e estar ciente destas realidades são verbos indispensáveis. Se queremos nos relacionar com Deus, precisamos saber Quem Ele é, para não adorarmos a pessoa errada; precisamos saber quem nós somos, para não vivermos no auto-engano.
Por esta razão, quero lhe convidar a refletirmos juntos o já lido texto de Paulo aos Romanos. Ali temos como deve ser a nossa religião, como deve ser o sacrifício que prestamos.
Romamos 12.1-2 deve ser lido em duas dimensões. Uma é informativa. A outra é exortativa.
A primeira informação que o apóstolo Paulo nos dá é que Deus é misericordioso e se apresenta a nós para com Ele nos relacionarmos.
1. O escritor bíblico lembra que Deus tem misericórdias. O plural é premeditado, para indicar que a bondade de Deus é múltipla, como se ele tivesse um estoque inesgotável de misericórdias para distribuir. Por sua misericórdia, fomos criados. Por sua misericórdia, somos sustentados biologicamente. Por sua misericórdia, Ele se encarnou, revelando-se a nós como o Filho amado e nos tirando o peso de nos esforçar para a salvação. Por sua misericórdia, somos acompanhados em nossas labutas e alegrias.
Por sua misericórdia, Deus faz com que a salvação não dependa do esforço humano, mas tão somente da misericórdia dEle. Paulo mesmo nos lembra: a salvação “não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus” (Romanos 9.16). Por sua misericórdia, somos tornados filhos queridos de Deus (Romanos 8)
A amplitude desta verdade transforma completamente as nossas vidas. Sem esta perspectiva, viver é debater-se cansativamente. Com esta perspectiva, a vida tem perspectiva, presente e futura. Sem esta perspectiva, uma pequena derrota soa como o fim da vida. Com esta perspectiva, o futuro está claro, mesmo que o presente corra obscuro.
2. Paulo pressupõe uma outra verdade, ainda mais animadora. Deus espera de nós um culto racional. Em outras palavras, Ele não é um ser distante, do tipo nem-aí, mas deseja que os seres humanos respondam positivamente ao seu convite para um relacionamento pessoal, afetuoso e crescente. A palavra para este relacionamento na Bíblia é “culto”.
Os seres humanos temos transformado o culto numa cerimônia com fortes marcas externas. Esta verdade tem um aspecto negativo e afirmativo. “Nenhum culto é agradável a Deus quando é puramente interior, abstrato e místico. Nossa adoração deve expressar-se em atos concretos de serviço manifestados em nosso corpo”. É por isto que “o discipulado cristão autêntico tem de incluir, ao mesmo tempo, a mortificação dos atos errôneos de nosso corpo (8.13) e a apresentação positiva dos seus membros a Deus”. (STOTT, John. Romanos. São Paulo: ABU, 2000, p. 389.
Assim, o culto deve ser racional, não no sentido que deve ser prestado com a razão, sem espaço para a emoção, mas no sentido que vem de dentro e alcança a vida toda (“corpo”, como diz o apóstolo). Ele é racional também no sentido que pode incluir o ato ritual e cerimonial, mas este deve ser uma expressão de algo profundo e interno, não superficial e externo. É algo da vida, como o ilustra uma afirmação do filósofo grego Epíteto (50-130 a.C.), que era um adolescente quando Paulo morreu: “Se eu fosse um rouxinol, faria aquilo que é próprio de um rouxinol; se eu fosse um cisne, faria o que é próprio de um cisne. Como eu sou um ser racional [logikos], tenho de adorar a Deus”.
Culto racional é culto em espírito e verdade e que não depende de onde se esteja para oferecê-lo. Abraão o ofereceu no campo, onde não havia templo algum. Daniel cultuava na sua casa. Jonas orou no ventre de um peixe. Jesus adorava em lugares ermos, como desertos e praias.
Culto racional é culto livre. Não depende de instituições, ritos ou templos. O culto foi transferido para os templos, como se houvesse um lugar para se adorar a Deus. O culto no templo é apenas um tipo de culto, não o único. Culto é para ser prestado em casa, na rua, no trabalho, onde não é possível vivenciar um cerimonial. A religião deve ajudar o crente em seu culto, não atrapalhá-lo. O templo deve concentrar os que cultuam, mas não ser tido como o único lugar para a adoração.
3. Paulo acrescenta uma outra informação essencial sobre Deus. Ele tem uma vontade que é boa, agradável e perfeita. Por sua vontade, Ele criou o mundo. Por sua vontade, Ele decidiu criar o homem. Por sua vontade, Ele nos convida para um relacionamento.
Quando compreendemos esta vontade, compreendemos que ela é boa; ela tem, portanto, uma dimensão ética. A vontade de Deus não traz prejuízo para ninguém. A vontade de Deus não é um capricho para benefício dele mesmo. Deus é um ser pessoal e ético; Ele pensa corretamente sempre, Ele age corretamente sempre, Ele ama corretamente sempre. Se não compreendemos esta vontade de Deus como boa, ainda temos que crescer nosso culto (relacionamento) com Ele.
Quando compreendemos a vontade Deus, compreendemos que ela é agradável. A vontade de Deus tem, portanto, uma dimensão estética. Não para ele, mas para nós. Quando Deus manifesta a sua vontade, e nós a compreendemos, o prazer é nosso. Quando conhecemos esta vontade, seja ela qual for, nossa vida se enche de alegria. Quando cumprimos esta vontade, é como se levitássemos, como se voássemos, mesmo que isto implique em negar a nossa. O que Deus nos pede pode ser desagradável à nossa carne (a nossa vontade dominada pelo pecado), mas nunca o é ao nosso ser interior (a nossa vontade dominada pelo Espírito Santo). Não há, portanto, problemas na vontade de Deus quando ela nos desagrada; há na nossa.
Quando compreendemos a vontade de Deus, compreendemos que ela é perfeita. A vontade de Deus revela Quem Ele é: perfeito. Nela tudo se encaixa, fazendo com que haja uma convergência boa, de novo não para a Deus, mas para nós; a vontade dEle não é para Ele; é para nós. A vontade de Deus é perfeita no curto prazo, mesmo que só a vejamos no longo prazo e achemos que ela é perfeita longo prazo; não, ela é perfeita já no curto prazo, embora só o descubramos no longo prazo.
3
O MUNDO BUSCA O CONTROLE DE NOSSAS VIDAS
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
A segunda informação, oferecida pelo apóstolo Paulo, diz respeito ao mundo, e não podemos ignorá-la.
1. O mundo requer que o aceitemos como ele é.
O mundo não é pensado pelo apóstolo apenas como a sociedade em que vivemos. Neste sentido, não podemos estar opostos ao mundo; nós somos, portanto, o mundo. No entanto, Paulo, quando pede que cultuemos a Deus, vai além e pensa no mundo como um sistema de valores, não como um espaço onde as pessoas se encontram.
Talvez uma palavra moderna para este sistema de valores seja ideologia. Karl Marx a conceituou como uma visão necessariamente deformada da realidade. Obrigado, Marx, o mundo tem mesmo uma visão necessariamente deformada de si mesmo e de nós mesmos. É preciso desmascará-lo, porque o mundo seduz, ao apresentar a sua visão como um pensamento único, como a melhor visão, como a visão possível.
2. O mundo busca o controle de nossas vidas.
Este mundo deseja controlar as nossas vidas, como se soubesse o que é melhor para nós. O que Deus pede é para o nosso bem. O que o mundo pede é para o bem dele. As aparências enganam: quando Deus convida para o culto, convida para um relacionamento que é bom, agradável e perfeito, para quem cultua; quando o mundo convida para o culto, quer o seu próprio bem, embora procure nos seduzir com a idéia contrária. Deus não é egoísta, mas bom, agradável e perfeito; o mundo é mau, fedorento e imperfeito, embora a capa que o esconda não revele suas estratégias de sedução, porque parece bom, cheiroso e interessante.
3. O mundo busca o controle de nossa forma de cultuar.
O mundo se insinua em todas as nossas relações, porque é totalitário e guloso; quer tudo para si, inclusive a nossa forma de cultuar.
O apóstolo Paulo foi criado num sistema religioso baseado no sacrifício de animais, oferecidos para obtenção do perdão para os pecados humanos. Entre os seus leitores, haviam judeus que certamente entenderam a sugestão de se oferecerem em sacrifícios vivos. Durante muitos séculos, comparecer perante um sacerdote com um animal vivo debaixo do braço para ser sacrificado no altar era a forma de se tornar puro diante de Deus. Paulo mesmo fez isto várias vezes, até aprender, ao aceitar o sacrifício de Jesus Cristo na cruz, que estes sacrifícios não eram mais necessários. Deus pede misericórdia e não sacrifício. A misericórdia humana, que imita a divina, se expressa em sacrifícios vivos: ninguém precisa morrer, nem um animal inocente, nem o pecador. Jesus já foi sacrificado. Quem assim se sacrifica continua vivo. Deus é Deus dos vivos.
Se isto é verdade, que dizer dos leitores romanos que não era judeus? Que dizer de nós, que, judeus não sendo, também não compreendemos todo o peso dos rituais de sacrifícios?
Quanto aos leitores romanos não-judeus, eles também estavam familiarizados com o tema do sacrifício. Em Roma havia tanto sacrifícios domésticos quanto públicos. Os procedimentos eram bem definidos e os rituais consistiam de vários elementos: Praeparatio, Praefatio, Precatio, Immolatio, Redditio, Profanatio e Epulum. Quem sacrificava geralmente era o paterfamilias (chefe da família). O sacrifício principal começava com uma oração dirigida à divindade que se queria honrar. Na oração, eram mencionados a razão para o sacrifício e os benefícios que se desejava receber em troca. No caso de sacrifícios com sangue, as vítimas eram geralmente animais domésticos cuidadosamente selecionados. Se a divindade era masculina, as vítimas eram masculinas. Porcas prenhas, por exemplo, eram oferecidas a Ceres e Telus em ritos expiatórios. Porcos e ratos eram oferecidas geralmente em sacrifícios fúnebres. Nestes casos, a vítima era consagrada. Depois era morta e, em seguida, esquartejada. As entranhas ficavam para a divindade. O resto era destinado aos seres humanos e comidos num banquete (epulum) após o sacrifício. (A síntese — “Template and Guidelines for Domestic Roman Sacrifice”– aparece num site destinado a provocar a volta da religião romana”. Disponível em <http://www.novaroma.org/religio_romana/DomesticSacrificeTemplate.html>.)
Neste contexto, Paulo fala em sacrifício vivo.
E ele o faz também por conhecer a tendência humana. O ser humano gosta de uma religião ritualizada, em que os benefícios podem ser calculados. O ser humano gosta da idéia de que a resposta a sua oração está razão direta do seu esforço. A sedução do sacrifício vem dai. É por isto que se encontra presente ainda em religiões não-cristãos e mesmo em segmentos cristãos.
Tais práticas, no entanto, por sedutoras que sejam, não são propriamente cristãs.
Jesus usa a palavra “sacrifício” apenas cinco vezes nos evangelhos. Destas, duas são para se referir ao sistema judaico com regras para a saúde (Marcos 1.44; Lucas 5.11). Nas outras duas, Ele cita Oséias 6.6, aquele texto que lembra que Deus prefere a misericórdia ao sacrifício (Mateus 9.13, Mateus 12.7). E na outra a referência é também crítica: “Amar a Deus de todo o coração, de todo o entendimento e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas” (Marcos 12.33).
Paulo usa o termo duas vezes, uma para simbolizar a fé (Filipenses 2.17-18) e outra para se referir às ofertas que recebeu (Filipenses 4.5). As referências que aparecem em Hebreus se referem a Jesus Cristo. Pedro emprega a palavra no mesmo sentido de Paulo aos Romanos: “vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo” (1Pedro 2.5).
O sacrifício requerido por Deus, portanto, é o sacrifício vivo, que não é a morte de uma pessoa viva, morta no altar, mas a vida de uma pessoa viva, que se apresenta por inteiro (“corpo”) diante de Deus para o culto.
4
APRENDENDO SOBRE NÓS MESMOS
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
O texto essencial de Paulo contém, em terceiro lugar, valiosas informações sobre nós mesmos.
1. Somos irmãos.
Jesus nos chama de irmãos (Hebreus 2.11), dizendo que formamos com Ele uma família espiritual (Lucas 8.21). Quando ressuscitou, Jesus orientou aqueles que O viram a que fossem dar as boas notícias aos irmãos (isto é, seguidores) dEle (Mateus 28.10).
Por isto, desde muito cedo os cristãos se chamavam de “irmãos” (Atos 1.15). Antes mesmo do Pentecoste, era assim que se saudavam (João 21.23). Em Atos dos Apóstolos, os cristãos são chamados de irmãos durante 44 vezes. Por 100 vezes, 13 das quais só em Romanos, Paulo se refere aos leitores de suas cartas como sendo seus irmãos. Quando convida a um culto racional, ele chama aos romanos e a nós de irmãos (Romanos 12.1).
Quando nos dizemos irmãos, como Paulo fazia, dizemos que somos iguais, que dependemos uns dos outros, que estamos juntos para louvar e servir. Podemos nos achar melhores que os outros, mas sabemos que isto não é verdade. Podemos achar que não precisamos de ninguém, mas, na primeira crise, aprendemos que precisamos, no mínimo, das orações dos nossos irmãos. Podemos louvar sozinhos, mas na irmandade somos melhores; podemos servir sozinhos, mas na irmandade nosso esforço alcançará melhores resultados.
Cristianismo não rima com solipsismo (individualismo), mas com comunitarismo (solidarismo).
2. Somos sacerdotes
Os irmãos de Jesus, irmãos que nos tornamos quando aceitamos o sacrifício dEle por nós, somos um povo sacerdotal.
Paulo, quando nos pede para prestar um culto, pressupõe que sejamos sacerdotes. Lendo o Antigo Testamento, compreendemos que sacerdote é aquele que se põe entre o povo e Deus para oferecer sacrifícios para substituição dos pecados.
Percorrendo o mesmo Novo Testamento, vemos que o próprio povo de Israel era considerado por Deus como um povo sacerdotal. O próprio Deus declarou: “embora toda a terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes [reino sacerdotal] e uma nação santa. Essas são as palavras que você dirá aos israelitas” (Êxodo 19.5b-6). O apóstolo Pedro aplicou o conceito aos cristãos: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Antes vocês nem sequer eram povo, mas agora são povo de Deus; não haviam recebido misericórdia, mas agora a receberam” (1Pedro 2.9-10).
Não podemos incorrer no mesmo equívoco dos judeus, que se esqueceram de anunciar as grandezas dAquele que chama das trevas para a Sua luz maravilhosa. Somos sacerdotes quando anunciamos o amor de Deus.
Somos sacerdotes no sentido que somos as vozes de Deus. É por ouvir a Sua palavra que a fé pode começar. A fé é sempre resposta. Toda a iniciativa vem de Deus.
O fato de sermos povo sacerdotal não nos torna melhores que os outros, apenas mais responsáveis.
3. Somos seres em transformação.
Esses sacerdotes precisam ser transformados, que significa essencialmente deixar que Deus os transforme.
Esses sacerdotes sabem quem são peregrinos a caminho de uma terra (1Pedro 2.11), não onde manarão leite e mel, mas onde a glória e a graça de Jesus não serão nuvens passageiras mas o próprio ar que se respirará e a própria água que se beberá.
Esses sacerdotes sabem que não podem se transformar a si mesmo, porque, se o fizessem, fariam como os camaleões que se transmutam para ficarem iguais ao seu meio ambiente para dele tirar proveito. Nós devemos permitir que Deus nos transforme para sermos semelhantes a Jesus, não iguais às pessoas com quem convivemos. Não devemos permitir que o mundo nos esprema para dentro dos seus próprios moldes, mas devemos deixar que Deus remodelo as nossas mentes a partir de dentro segundo os valores que vêm dos Altos céus (cf. a paráfrase de J.B. Phillips).
A pergunta que não pode calar jamais é a seguinte: a quem queremos seguir: a mente do mundo (constituída de um padrão exterior e transitório) ou a vontade de Deus (que deve moldar nossa natureza íntima)?
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DEVEMOS OFERECER SACRIFÍCIOS A DEUS, MAS SACRIFÍCIOS QUE DEUS RECEBE
(1) Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam [apresentem seus corpos] em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. (2) Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se [sejam transformados] pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
O apóstolo Paulo nos prepara um programa de vida.
1. Devemos oferecer a Deus um culto racional, que se dá mediante a entrega de nossos corpos em sacrifício a Deus.
Por que nosso culto racional é prestado por meio do corpo?
Assim como a depravação humana se manifesta através do corpo (língua e outros membros), de igual modo a santidade humana (esta é a transformação desejada) deve se expressar por meio de nossos corpos (língua e outros membros).
Nossos corpos pertencem ao Deus que o criou e redimiu. Nossos corpos devem ser instrumentos de justiça, ao mesmo tempo em que brincam, trabalham, lêem, cozinham, comem, correm, imaginam, escrevem.
Nossos joelhos devem ser dobrados diante de Deus como forma de culto, pelo reconhecimento de Quem Deus é e de quem nós somos: oh radical diferença, mas quando nos inclinamos, Deus se inclina: oh doce encontro.
Nossos pés nos devem levar pelos caminhos que Deus aponta, e Ele aponta para as sendas onde a semente do Evangelho não foi ainda semeada.
Nossos braços devem ser levantados para exaltar a força de Deus. Nossos braços devem ser estendidos para levantar os abatidos.
Nossas mãos devem recolher as bênçãos de Deus. Nossas mãos devem levar o alimento a quem não o tem.
Nossos lábios devem conduzir vozes que fazem declarações de amor a Deus. Nossos lábios devem pronunciar palavras que curam.
Nossos ouvidos devem estar colados na boca de Deus, cuja palavra jamais cai no vazio. Nossos ouvidos devem estar prontos para escutar o outro, mesmo que sejam queixas.
Nossos olhos devem estar voltados para Deus.
2. Seremos capaz de oferecer nossos corpos a Deus se deixarmos que Ele nos transforme.
Com os nossos olhos voltados para Deus, pensaremos nEle, será Ele a força de nossas vidas, virão dEle os valores que nos conduzirão vida a fora, seremos moldados por Ele.
Fora desta transformação, nossos sacrifícios seguirão os padrões do mercado em que vivemos. Deus nos convida para um relacionamento, que tentaremos transformar em magia, que nós controlamos. Deus nos chama para uma caminhada, que procuraremos transformar em troca, em que pesquisaremos o que precisamos oferecer para receber o que queremos.
Se para receber muito, precisamos orar muito, oraremos muito. Se para ser prósperos, precisamos doar muito, sacrificialmente até, doaremos muito, ofertando até o que não temos. Sim, precisamos ser transformados, para que ofereçamos nossos corpos em sacrifícios vivos, santos e agradáveis segundo a perspectiva do próprio Deus.
Só transformados por Deus, ofereceremos sacrifícios vivos, apresentando-nos a nós mesmos completamente, não apenas nosso exterior; apresentando-nos a nós mesmos, e não animais ou coisas.
Só transformados por Deus, ofereceremos sacrifícios santos, que são aqueles que nos custam algo (para ficarmos com a imagem de Deus quando quiseram lhe dar um terreno, que preferiu comprar para construir um santuário para o seu Senhor), não o resto, como somos tentados, não o último mas o primeiro do que recebemos.
Só transformados por Deus, ofereceremos sacrifícios agradáveis, agradáveis a Deus. Agradável para Deus é algo que não visa a nossa satisfação, mas a dEle. A este propósito, temos que perguntar: nosso louvor é agradável a quem? Temo que buscamos louvar mais a nós mesmos do que a Deus.
Oh Senhor, vem transformar nossos corpos, para que possamos apresentá-los a Ti de um modo vivo, santo e agradável, mesmo que morramos para nós mesmos (não digo que não vivo eu mas Cristo vive em mim?), mesmo que percamos aquilo que nos parece tão caro (que tipo de perfume tenho derramando sobre o corpo de Deus?), mesmo que prefiramos outro estilo de adoração (estou mesmo a louvar como Deus quer ser louvado?).
3. Deixando Deus nos transformar, seremos capazes de comprovar como se manifesta a vontade de Deus
Só uma mente transformada pode comprovar que a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita.
Eis os passos essenciais desta transformação:
1. somos salvos pela misericórdia de Deus. Nossa salvação é um presente, não uma conquista.
2. somos capacitados para discernir e desejar a vontade de Deus. Sem esta capacitação, adoramos ser independentes, até aprendermos que a independência é a morte; a dependência de Deus é que é a vida. Deus nos capacita a perceber que o bom mesmo é compreender a vontade de Deus, a única que é boa para nós, perfeita para nós e agradável para nós. Deus é totalmente altruísta: não quer nada para Si.
3. vamos sendo transformados dia após dia pelo Espírito Santo em nós, que vai tomando cada dia o seu espaço dentro do nosso coração e renovando o nosso coração, até aquele dia em que será absoluto ali, onde tudo se decide.