“A esperança não adoece quando a fé está forte” (John Bunyan, 1628/1688)
E o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de esperança no poder do Espírito Santo (Paulo, aos Romanos 15.13)
Depois da Bíblia, o livro mais vendido no mundo é “O Peregrino”, do escritor inglês John Bunyan (1628-1688). Os críticos têm sublinhado a genialidade do autor, que o escreveu enquanto estava preso.
Depois de sua conversão, Bunyan tornou-se um pregador não-conformista, isto é, ele não aceitava a religião oficial anglicana e fazia parte do imenso grupo de pessoas que desejavam um cristianismo com compromisso apenas com a Palavra de Deus. Suas convicções fizeram com que ficasse 12 anos na cadeia, o que o levou a dizer que “preferia a caminhar na escuridão com Deus do que estar sozinho na luz”. Por esta época, ele também dizia a quem o visitava no cárcere: “Pregue a liberdade aos outros, enquanto escuta o chacoalhar das minhas algemas”. Além de escrever, ele fabricava cordões de sapatos para sustentar sua família. (Para uma biografia de Bunyan, vejam-se os seguintes endereços eletrônicos: <http://www.bunyanministries.org>, <http://www.museums.bedfordshire.gov.uk/education/Bunyan/Bbiog.html> e <http://www.johnbunyan.org>)
São de Bunyan outras frases igualmente magistrais, como as seguintes:
SOBRE O PERDÃO: “Nenhum filho de Deus peca tanto ao ponto se tornar incapaz de ser perdoado”.
SOBRE A BÍBLIA: “O pecado manterá você longe deste livro (a Bíblia) ou este livro manterá você longe do pecado”.
SOBRE A ORAÇÃO: “Na oração é melhor ter um coração sem palavras do que palavras sem coração”. “As melhores orações geralmente têm mais gemidos do que palavras”. “Aquele que corre de Deus pela manhã dificilmente vai encontra no resto do dia”. “Você pode fazer mais que orar, depois de ter orado, mas você não pode fazer mais que orar antes de orar”. “A oração faz o homem parar de pecar, mas o pecado leva um homem a parar de orar”.
SOBRE O SOFRIMENTO. “Deus guarda nossas lágrimas numa garrafa para que possa, ao final, enxugá-las”.
Quero sublinhar, no entanto, uma frase ainda menos conhecida de Bunyan, pela sua atualidade. Ele escreveu que “a esperança não adoece quando a fé está forte”.
Esta frase mostra com clareza que o fundamento da verdadeira esperança é a fé. É verdade que precisamos esperar para viver. Há um princípio da esperança em todas as culturas. A Bíblia o testemunha ao menciona 100 vezes. A pessoa que joga na loteria está motivada pela esperança de ganhar. A pessoa que acha que as coisas vão melhorar se segura num fatalismo positivo sem fundamento. Um doente que não se entrega, na esperança de que ficará curado está arrancando de dentro sua última centelha de vida. A sociedade que elege um presidente na expectativa que ele mudará o estado de coisas está recusando o cansaço e afirmando que aposta em dias melhores.
No entanto, quem garante que estas esperanças se concretizarão? Nos termos de Bunyan, estas são esperanças enfermas, porque não estão firmadas na fé. Se a esperança não for funda na fé, não passará de poder do pensamento positivo. É a fé que nos dá certeza das coisas que esperamos e nos convence que acontecerão fatos hoje improváveis (Hebreus 11.1).
A esperança cristã é uma esperança sadia porque se firma na fé, não em superstições ou em projeções da mente. Por isto, o cristão não pode ficar confundido, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado (Romanos 5.5).
1. A esperança cristã é sadia porque vem da fé em Deus como Senhor da história. Como diz a Bíblia, pela fé, entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem (Hebreus 11.3). O cristão tem esperança porque aceita que Deus, criador do universo e da vida, inclusive a vida humana, ainda dirige a história, e fará com que ela alcance um final de glória, mesmo que o presente não o aponte. Nosso cântico deve ser: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas (Apocalipse 4.11).
Para quem lê a Bíblia, que, segundo o apóstolo Paulo, foi escrita para o nosso ensino, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança (Romanos 15.4) fica fácil ver os atos poderosos de Deus no passado e no presente, na criação e na historia, na natureza e na vida de pessoas. Somos lembrados que os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo (Salmo 19.1-4). Por isto, o salmista cantava, e podemos cantar também: Com tremendos feitos nos respondes em tua justiça, o Deus, Salvador nosso, esperança de todos os confins da terra e dos mares longínquos (Salmos 65.5).
Fica fácil ver também que Ele é um Deus gracioso, que não age segundo os padrões humanos e nem em função dos méritos humanos. Como Ele mesmo nos ensina, Sua ação para conosco não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia (Romanos 9.16).
Fica fácil ver também que Deus cuida dos seus filhos, segundo as Suas regras, nem sempre compreensíveis por nós mas absolutamente boas para nós. Ele é Aquele que, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma das necessidades dos Seus filhos (Filipenses 4.19). Por isto, o necessitado não será para sempre esquecido, e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente (Salmo 9.18).
A esperança cristã, portanto, se firma numa fé num Deus pessoal, misericordioso e atento. Não é a fé numa presença vazia, num espírito vago, mas numa Pessoa, que um dia tomou a forma humana, para ser Deus-conosco.
Esta é uma esperança que não adoece, porque Deus, que é o seu fundamento, não dorme, nem cochila. É Ele quem nos guarda, como se fosse uma sombra que não desgruda de nós (Salmo 121.4-5). Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos (Isaías 57.15)
2. A esperança cristã é sadia porque vem da fé em Jesus como o Salvador. Toda a esperança do Antigo Testamento era que o Messias viria. E o Messias veio, embora muitos ainda hoje não O aceitem. Mesmo quem não crê no Deus da Bíblia mas lê o Novo Testamento fica encantado com Jesus Cristo. Sua história é impressionante, começando de um nascimento extraordinário, continuando com ensinos nunca ouvidos antes e terminando com sua triunfal vitória sobre a morte, por ter ressuscitado e voltado para a casa do Pai, para onde vamos todos os Seus filhos um dia.
Quem fica encantado com Jesus não tem como negar a sua divindade. Testemunhas oculares reconheceram, diante dos fatos que se seguiram à sua crucificação, que Ele era mesmo Deus. Na verdade, os homens o mataram porque acharam uma blasfêmia Ele afirmar que quem O via via o Pai (João 14.9), porque Ele e o pai eram um (João 10.30). Só sendo Deus, poderia ter Ele o projeto que teve: morrer para que a culpa de todos os seres humanos fosse abolida e ficasse livre o caminho para a sua paz com Deus. Por isto, bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a Sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos (1Pedro 1.3).
É nEle, pois, que, como afirma um dos hinos que cantamos, a nossa fé e o nosso amor estão firmados. É para Jesus, Autor e Consumador da nossa fé, que olhamos firmemente, pois Ele, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus (Hebreus 12.2).
Jesus é a nossa esperança porque Ele tornou concreta a nossa esperança. Quem espera nEle não espera a realização de uma promessa vaga. Deus prometeu que Ele viria; Ele veio. Ele disse que morreria para nos absolver de nossos pecados, e morreu. Ele disse que ressuscitaria, voltaria para o Pai e nos deixaria o Espírito Santo da consolação, e Ele ressuscitou, voltou para Casa e nos legou Espírito Santo. A esperança, portanto, tem um nome: Jesus.
Esta esperança não adoece, porque Jesus, o nome desta esperança, não viveu em vão, não morreu eu vão, não deixou conosco o Seu Espírito em vão.
3. A esperança cristã é sadia porque afirma que a eternidade começa agora e prosseguirá numa nova realidade, sobre a qual pouco sabemos.
Os séculos 18 e 19 imaginaram que a humanidade estava às portas de uma civilização do amor, baseada no conhecimento e no progresso. O futuro que veio foi extraordinário em termos tecnológicos. Imaginemos um mundo sem luz elétrica, sem automóvel, sem avião, sem televisão, sem computador. Pois este mundo não existia e o homem o fez. Aquela esperança dos homens dos séculos 18 e 19 se concretizou, indo além da imaginação.
Que mundo esperamos? Eu espero um mundo sem doença, um mundo em que um joelho danificado possa ser trocado e um braço com mal funcionamento venha a ser reparado, um mundo em que os hospitais tenham funções apenas preventivas. Eu anseio por um mundo em que haja trabalho para todos e que o fruto do trabalho seja suficiente para sustentar dignamente as pessoas. Eu busco um mundo em que a única riqueza seja espiritual, intelectual e moral, porque bens materiais serão colocados como são: mercadorias que não acrescentam nada a quem o possua.
Eu luto por um mundo assim, e creio mesmo que avançaremos nas áreas que dependem do conhecimento humano, mas mesmo que este tempo venha a existir, estou certo que ainda assim a infelicidade prosseguirá, a miséria continuará, as guerras permanecerão, porque aquilo que realmente importa o homem não consegue construir. A natureza humana não sabe construir a paz. O fazer o bem não é natural em nós; só podemos nos aproximar da prática do bem, pela habitação do Espírito Santo em nós. Fora disso, é a barbárie.
Meu “ceticismo” vem da própria Palavra de Deus, confirmada pela observação. Se esperamos apenas para esta vida, esperamos errado e esperamos pouco demais. Se esperamos que nesta vida conseguiremos construir uma civilização amorosa, respeitosa e fraternal, estamos iludidos. Na verdade, estamos todos procurando uma patria, como diz o autor de Hebreus (Hebreus 11.14). Nos termos bíblicos, se nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens (1 Coríntios 15.19). Eu lamento que haja cristãos que se esqueceram que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho (1 João 5.11), pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo (Filipenses 3.20). Deus preparou para nós uma pátria superior, isto é, [uma cidade] celestial (Hebreus 11.16).
Eu também lamento a enfermidade de muitos cristãos que estão de tal modo fixados na vida futura que esqueceram que vivemos para dar fruto, e o fruto do Espírito é para ser manifesto nesta vida, não na futura. Na vida celeste, não haverá nem fé, nem esperança, só amor. Não há nada mais estranho que um cristão alienado. O “ceticismo” cristão (a recusa a esperar ingenuamente para faremos um muito bom a partir de corações maus, como são os nossos) deve produzir um empenho maior para fazer a glória de Deus visível no mundo. A graça de Deus não é para o futuro, é para agora, e nós somos os comunicadores desta graça.
Meu “ceticismo”, na verdade, tem um nome: esperança. Ela vem da própria Palavra de Deus, confirmada pela observação e pela experiência. Nasce ela do fato que há no ser humano a necessidade da esperança, e eu me refiro à esperança transcendente, aquela que não vem pelo esforço humano, mas pela experiência da presença de Deus. O autor do Eclesiastes o afirma claramente: Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim (Eclesiastes 3.11).
Discutíamos a natureza da esperança humana num grupo e eu me referi ao céu, afirmando a minha ignorância sobre ele, já que só podemos pensar nele em categorias poéticas. Um irmão então nos lembrou que, conquanto nada saibamos sobre o céu, sabemos que podemos defini como a experiência da presença de Deus.
O cristão é alguém que vive na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos (Tito 1.2). Todos os cristãos aguardam a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus (Tito 2.13) Sim, nós, segundo a promessa [divina], esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça (2 Pedro 3.13)
Esta esperança não adoece, porque se fundamenta na fé no Deus que não mente. A vida eterna, começando agora, faz parte do Seu projeto para nós. Nós podemos confiar que Aquele que o prometeu o cumprirá. Chegará um dia em que nos assentaremos diante dEle para cantar uma letra já conhecida, numa melodia ainda desconhecida:
Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso,
aquele que era, que é e que há de vir.
Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder,
porque todas as coisas tu criaste,
sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas.
(Apocalipse 5.8,11)