Efésios 1.15-23; 3.10: QUANDO CRISTO E A IGREJA SE COMPLETAM

Quando eu tinha 20 anos, li “Os irmãos Karamazovi”. Descobrir Dostoeivski foi para mim um marco inesquecível. Eu até hoje me lembro onde, quando e como o li: assentado na varanda da casa dos meus pais, durante as férias do Seminário. As cadeiras eram dessas de ferro e plástico trançado, comum àquela época no interior. Eu guardo a impressão, talvez falsa, que li de uma só vez o livro todo, com suas 535 páginas de fontes miúdas. (A propósito, o grupo Abril está relançando uma coleção de clássicos da literatura universal, a preços bem baixos.)
Nunca mais tive coragem de abrir aquele livro magistral, que conservo até hoje. Algumas de suas cenas me tocaram, especialmente a morte do abade Zózima, um santo cujo cadáver fedeu, e a fantasia do Grande Inquisidor, que venho recontando de memória ao longo destas três décadas. Com medo de ter inventado demais, voltei às palavras angustiadas do inquisidor ao Jesus retornado à terra. Ei-las: “Não digas nada, cala-te. Aliás, que poderias dizer? Sei demais. Não tens o direito de acrescentar uma palavra mais do que já disseste outrora. Por que vieste estorvar-nos?” (DOSTOÉIVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamázovi. São Paulo: Abril Cultural, 1971, Livro V, capítulo V, p. 187.)
Eu confesso: esta é uma fantasia que me incomoda. Não há um só dia que eu não me pergunte se as nossas igrejas aceitariam conviver com Jesus, voltado à terra. Talvez, como o inquisidor, achamos que sabemos demais e que levamos o Evangelho às últimas conseqüências, de modo que Jesus não cabe mais, nem nos bancos de nossas igrejas quanto mais nos seus púlpitos. Talvez  nos achemos tão modernos que em nossa prática não haja mais lugar para um Messias primitivo, que ensinou verdades tão simples quanto radicais e que cometeu um gesto impensável, para não dizer ingênuo, o de dar a sua vida para e pelos outros.
É grande a tentação de não sermos incomodados por Jesus. Penso em mim mesmo. Se ele voltasse, para conviver comigo, eu deixaria que Ele dissesse o que pensa de mim? Eu deixaria que Ele ditasse o ritmo da minha vida? Eu O seguiria onde quer que Ele fosse? Eu O levaria a todos os lugares que eu vou? Eu queria que Ele passasse o dia todo comigo, ou apenas alguns minutos na agenda?
Essas lembranças todas ficam ainda mais dramáticas diante de uma afirmação de Jesus Cristo, a de que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja (Mateus 16.18). Esta promessa é um peso enorme demais. O conceito que Jesus tem da igreja nos traz uma responsabilidade que encurvam os nossos ombros, conceito que o apóstolo Paulo elaborou de forma magistral, na sua oração reproduzida em Efésios 1.

[TEXTO BÍBLICO]
(Efésios 1.15-23; 3.10)

Por isso, também eu,
tendo ouvido da fé que há entre vós no Senhor Jesus
e o amor para com todos os santos,
não cesso de dar graças por vós,
fazendo menção de vós nas minhas orações,
para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele,
iluminados os olhos do vosso coração,
para saberdes
qual é a esperança do seu chamamento,
qual a riqueza da glória da sua herança nos santos
e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos,
segundo a eficácia da força do seu poder;
o qual exerceu ele em Cristo,
ressuscitando-o dentre os mortos
e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais,
acima de todo principado, potestade, poder, domínio e de todo nome que se possa referir,
não só no presente século, mas também no vindouro.
E pôs todas as coisas debaixo dos pés,
e, para ser o cabeça sobre todas as coisas,
o deu à igreja, a qual é o seu corpo,
a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas (…),
para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida,
agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais.

Não há como não ficar impactado por este poema paulino sobre a singularidade de Cristo e sobre a natureza da Sua igreja. Depois de se alegrar com a fé no Senhor Jesus e com o amor vivenciado pela comunidade dos cristãos, o apóstolo ora ao Pai e pede que Ele conceda aos cristãos toda a capacitação necessária para uma vida eivada de esperança, repleta de riqueza e plena de poder, exatamente como foi a jornada entre nós do seu Filho.
Jesus Cristo é apresentado como a força total de Deus, demonstrada na Sua ressurreição e na sua volta ao trono divino para governar sobre todo o cosmo. Durante sua vida na Palestina, Ele abriu mão voluntariamente deste poder, restabelecido a partir da ressurreição. Desde então, estão sujeitos a Ele todos os poderes deste mundo, tanto aqueles que conhecemos como aqueles que não conhecemos: sejam eles principados (que podemos pensar como todos os tipos de governos, federal, nacional ou municipal), sejam eles potestades (que podemos pensar como todo tipo organização não-governamental com impacto sobre as nossas vidas), sejam eles poderes (que podemos pensar como todo tipo de corporações financeiras, que determinam nosso ir e vir pela face da terra, ditando preços e prioridades), sejam eles domínios (que podemos pensar como formados por todos os tipos de sistemas de educação, comunicação, ideologia e lazer), sejam eles nomes (que podemos pensar como todos aqueles indivíduos que, pela força ou pela sedução, controlam as nossas vidas).
Todas estas forças estão debaixo dos pés de Jesus Cristo e só não vemos esta realidade se realizando porque só conseguimos enxergar o microcosmo, nunca o cosmo todo. Aquele que tudo vê já sujeitou estes poderes todos, embora eles ainda se agitem nas grades onde estão presos.
Se isto nos soa forte demais, soa ainda mais forte ler, nesta mesma oração, que este poderoso Jesus foi dado à igreja, para que ela torne pleno o poder deste poderoso Jesus.
A igreja recebeu o poder de Jesus Cristo para continuar a Sua obra de submissão do cosmo ao Seu poder. Tremo em ler que a igreja é a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas. Em outras palavras — tremamos todos! — a igreja é a plenitude de Cristo. Oh Deus: tenha misericórdia de nós!
Jesus transferiu Seu poder à igreja. Suas palavras finais foram precisamente a escritura desta doação: Todo a poder me foi dado no céu e na terra. Portanto, ide fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos (Mateus 28.18-20)..
Ao longo da história, muitos líderes eclesiásticos têm entendido equivocadamente a natureza do poder da igreja, ao ponto de agirem como o grande inquisidor, de Dostoievski, expulsando Jesus da igreja, como se Ele não fosse o seu Senhor, transformando a tradição em senhora, o sistema em senhor, a organização em senhora, o líder em senhor.
Muitos líderes de igreja têm confundido seu poder. O poder de um pastor é o poder de servir. Pastor não tem que ser presidente de igreja. Sua liderança é apenas uma das dimensões do seu serviço. Pastor não é Jesus Cristo, mas servo de Jesus Cristo. Recentemente li (e é preciso que não identifique texto e autor) que o pastor, como ungido de Deus, não pode ser criticado, não pode ser contestado, não pode ser desobedecido. Lembremos que, no Antigo Testamento, sacerdotes (Êxodo 30.30, etc), profetas (1Reis 19.16, etc) e reis (1Samuel 16.1-13, etc) eram ungidos, isto é, tinham uma porção de azeite derramada sobre as suas cabeças. Davi não matou Saul porque não quis tocar no ungido de Deus. Muitos pastores têm aplicado esta expressão para si mesmos, utilizando-se delas até para se protegerem do pecado do autoritarismo e de outras manifestações do mal. Há uma grande distância entre os ofícios de sacerdote, profeta e rei antigos e o ofício de pastor, como aprendemos no Novo Testamento. Ungido, no final do Antigo, e em todo o Novo Testamento, é uma expressão exclusiva (“o Messias”, no hebraico; “o Cristo”, no grego) para Jesus, cujo título deixa evidente que Deus o escolheu para Ser o Salvador da humanidade (cf. João 1.41; Atos 4.26-27). O Ungido não pode ser criticado, contestado, desobedecido, porque é o nosso Senhor. Todo cristão, seja ele líder ou não, deve ser ouvido, atendido e seguido se sua palavra estiver em consonância com a Palavra de Cristo. Ele pode ter estilos diferentes, porque esta é uma questão de preferência, mas não pode estar contra a Palavra de Deus, que  deve ser lida, interpretada e aplicada. A autoridade final sobre uma comunidade é a autoridade da Palavra de Deus; fora disto, restam o personalismo e o autoritarismo. O poder de um líder é o poder do serviço. A força de um líder é a força do seu exemplo. A autoridade de um líder está na sua obediência à Palavra de Deus. Agora, se uma comunidade não quer viver sob a autoridade da Palavra de Deus, o líder deve fustigar esta comunidade, incomodar esta comunidade, denunciar esta comunidade, mesmo sob o preço de ser deposto. O Senhor do líder é o mesmo Senhor da igreja e do mundo: Jesus Cristo. Não cansemos de repetir: Jesus é o Senhor da nossa igreja. É na submissão a Ele que a prática da unidade e da diversidade pode ser celebrada. O prazer do cristão é submeter-se a Jesus.

Deve ficar cada vez mais claro, para todos nós, portanto, que o poder da igreja é o poder de servir, não de ser servida. Sua força se exerce no serviço ao mundo, não em ser servida pelo mundo. Quando a igreja quer ser servida pelo mundo, ela se torna parte dos inimigos a quem Cristo sujeita pela força sob os Seus pés.
Jesus transferiu — repitamos — seu poder à igreja. É por meio da igreja que Ele domina sobre a terra. Precisamos, entanto, ter muito claro para nós o que é a igreja, palavra que aparece 73 vezes ao longo do Novo Testamento. Eis o resumo do apóstolo Paulo em Efésios 1.

1. A igreja é a comunidade dos que têm fé em Jesus Cristo (verso 15).
O apóstolo conhecia a fé que havia entre os efésios em Jesus como Senhor (verso 15). Como os efésios, não devemos ter fé uns nos outros, nem no seu líder e nem cada um em si mesmo. Porque crêem em Jesus como Senhor, os integrantes desta comunidade oram uns pelos outros (verso 16), esperando que este Jesus interceda por todos diante do Pai.  
Jesus Cristo é o seu Senhor (versos 20-22a), mas só reconheceremos este senhorio se deixamos que o Espírito Santo ilumine os nossos corações. Há muitos senhores disputando a nossa fé e, às vezes, renunciamos a fé em Jesus, mas a darmos aos príncipes deste mundo. Enquanto nos deixarmos seduzir pelas luzes deste mundo, sejam os prazeres ou as ideologias, os sistemas ou os ídolos, é atrás do seu facho que iremos, nunca o Farol de Cristo.
Se queremos fazer parte da igreja, precisamos ter fé em Jesus Cristo como nosso Senhor, Senhor da igreja, Senhor do mundo. Precisamos renunciar todas as outras fés.
A igreja é a comunidade dos que têm fé em Jesus Cristo, só em Jesus Cristo.

2. A igreja é a comunidade dos que se amam, a partir da fé em Jesus (verso 15).
O amor na comunidade é conseqüência da fé em Jesus Cristo. Paulo escreveu aos efésios para externar sua alegria diante da sua fé em Jesus e do seu amor uns pelos outros. O apóstolo sabia que fé e amor são como duas faces de uma cédula de dinheiro. Fé sem amor é como uma nota impressa só de um lado, sem valor algum. Uma nota de R$ 100,00, impressa só de um lado, não compra sequer um pãozinho francês, de alguns centavos. Amor sem fé é como um cheque preenchido, mas não assinado.
Escrevendo também ao filipenses, ao colossenses e aos tessalonicenses, o grande escritor reconheceu neles o dom supremo do amor entre eles. Como os colossenses, há amor em nós para com todos da comunidade, de modo que as pessoas de fora o notem? (Colossenses 1.4 e 8) Se Paulo nos conhecesse, mereceríamos as mesmas palavras que anotou sobre os tessalonicenses? recordo-me, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo (1 Ts 1.3). A propósito, já imaginamos uma igreja assim, operosa na fé em Cristo, dedicada no amor uns pelos outros e firme na esperança em Jesus?
Por isto, como igreja é o somatório de cada um de nós, precisamos personalizar a pergunta-chave. Se Paulo lhe escrevesse pessoalmente, falaria o que disse a Filemon? estou ciente do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos (Filemon 1.5).
Todo pastor tem sonhos para a sua igreja. Eu tenho alguns. Um deles é que a nossa seja uma comunidade acolhedora. Fico feliz quando alguém de fora se diz acolhido quando está entre nós. Fico frustrado quando alguém sai e ninguém lhe dá uma palavra, lhe pergunta o seu nome, indica-lhe um lugar, convida-lhe para tomar café ao final do culto da noite. Não devemos ser acolhedores para “ganhar” as pessoas. Devemos ser acolhedores porque gostamos das pessoas.
Como demonstrou uma pesquisa feita com 1000 igrejas em 32 países dos cinco continentes, as comunidades tendem a se achar o máximo neste quesito. Segundo os autores, em muitas igrejas se formam `panelinhas’ fechadas, que são consideradas muito agradáveis pelos participantes. No entanto, esses cristãos não percebem as dificuldades que pessoas de fora têm para conseguir acesso a essas “panelas”. Eles se consideram “calorosos” e “abertos” em relação aos novos, mas comunicam de forma não-verbal, em geral involuntariamente, a seguinte mensagem: “Vocês não pertencem ao nosso grupo”. (SCHWARZ, Christian A., SCHALK, Christoph. A Prática do Desenvolvimento Natural da Igreja. Curitiba: Esperança, 2000, p. 116-120, conforme a síntese feita por Dercinei Figueiredo Pinto, para o boletim dominical da Primeira Igreja Batista em Vicente de Carvalho, em 2.6.2002.)
Precisamos crescer nesta área. Precisamos que você tenha pelas pessoas um interesse real, o melhor sinônimo para o amor. Que tal começar interessando-se pelos nomes das pessoas? Que tal chamá-la para a sua “panela”, seja o seu coro, seu grupo de oração, seu lugar no banco?
Siga o conselho de Paulo aos filipenses e peça a Deus para aumentar o seu amor (Filipenses 1.9). Faça a sua parte para que todos que aqui vêm sejam acolhidos e continuem integrados. Se você for uma pessoa acolhedora, sua igreja será acolhedora.

3. A igreja é a comunidade dos que recebem do Senhor Jesus Cristo o “espírito de sabedoria e de revelação” (verso 17), para poder viver (verso 18), e a capacitação do Espírito Santo, para atuar no mundo de que é parte (verso 19).
Sem o espírito de sabedoria e de revelação, a igreja tenderá a seguir o espírito deste mundo, que é predominantemente oposto ao de Cristo. Essas expressões “sabedoria” e “revelação” não estão aqui por acaso. Podemos pensar que são complementares.
Jesus confere à Sua igreja o “espírito de sabedoria”, isto é, um jeito de ser segundo a Sua mente, jeito aprendido por meio de uma vida de leitura da Bíblia e da oração. Pensando em termos de dom e fruto, o “espírito de sabedoria” é o fruto do Espírito, que se manifesta em termos de alegria, amor, benignidade, fidelidade, generosidade, mansidão, paciência e paz (Gálatas 5.22-23).
Jesus confere também à sua igreja o “espírito de revelação”, isto é, uma manifestação específica de Deus, orientando em como falar em situações dramáticas, conduzindo o louvor a Ele para que seja puro e chamando para atuações específicas no Seu Reino. O espírito de revelação ultrapassa a nossa própria compreensão dos fatos, mas nos ajuda a agir.
Quando enviou seus discípulos ao mundo, Jesus lhes disse para não ficarem apavorados quando enfrentassem situações difíceis, porque o Espírito Santo lhes ensinaria, naquela mesma hora, as coisas que deveriam dizer (Lucas 12.12). Em outras palavras, eles receberiam o espírito de revelação, como vem acontecendo com os cristãos ao longo dos tempos. Num domingo à noite, pedi à igreja para orar por mim, porque às no dia seguinte, às nove da manhã, eu visitaria um irmão bastante enfermo. Eu queria que Deus me desse palavras inspiradas. A igreja orou por mim e eu recebi a revelação de Deus. Não me lembro de tudo o que falei, mas as palavras fluíram naturalmente, os versículos bíblicos vieram de cor, a oração saiu profunda. Esta é uma experiência que Deus promete a todo cristão como fruto da oração, própria e dos outros.
Jesus confere ainda à Sua igreja a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos (verso 19), grandeza necessária para viver com inteireza a sua vocação de comunidade voltada para o futuro (esperança) e para fora (chamamento) e para fruir desde já a riqueza da sua herança. Não há poder na igreja, mas há força no poder do Senhor da igreja.
Sem esta capacitação, a igreja não consegue realizar sua missão. O poder da igreja é o poder do Senhor da igreja. Esta certeza nos adverte contra toda a empáfia. Não há privilégio neste poder, mas apenas uma imensa responsabilidade.
Por sua natureza, a igreja é a organização mais importante do mundo, precisamente porque não busca seu próprio bem-estar, mas das pessoas que não a integram, estejam onde quer que estejam. O mundo, no entanto, não está nem aí para a igreja, seja na sua dimensão institucional (seus cultos, sua propriedade). E em parte não está nem aí para a igreja por causa do seu orgulho ensimesmado. Temos nos comportado mais como João Batista, que esperava que os pecadores fossem ao seu encontro, e menos como Jesus, que ia ao encontro das multidões. Este conflito só pode ser resolvido com a humildade do serviço. Se a igreja quer ser relevante, deve lavar os pés do mundo, não se colocar num pedestal esperando que o mundo lhe engraxe as bases sobre a qual está erigida.

4. A igreja é a comunidade da plenitude de Cristo.
Eis o que diz o apóstolo: Deus pôs todas as coisas debaixo dos [seus] pés e, para ser o cabeça sobre todas [est]as coisas, deu [Cristo] à igreja, [igreja que] é o seu corpo, a plenitude dAquele que a tudo enche em todas as coisas (versos 22-23).
Como compreender esta verdade? Uma forma de entender esta afirmação é que Cristo precisa da igreja para que Sua plenitude fique completa. Que plenitude é esta? E qual é a plenitude do cristão? A chave para entendermos esta verdade é a afirmação de que a igreja é o corpo de Cristo e que Cristo é a cabeça da igreja. Cristo e igreja formam uma unidade.

4.1. Cristo completa a igreja e a igreja completa Cristo.
Sem Cristo, a igreja não tem cabeça.

. Cristo completa a igreja ao Se dar para a salvação de todos aqueles que cremos. Sem a redenção, isto é, sem o seu oferecimento para extinguir a nossa culpa, estaríamos todos ainda condenados. Condenados vivem em prisões, nunca na liberdade da fé e da adoração, nunca numa comunidade de redimidos, isto é, nunca numa comunidade de salvos.

. Cristo completa a igreja ao estar com ela. A promessa final de Jesus continua a nos encher de esperança: Ele está e estará conosco até o fim dos séculos. Quando a igreja está vazia, é porque dispensou Jesus dos seus alvos. Quando eu estou vazio, é porque dispensei Jesus da minha experiência diária. Quando você está vazio, é porque dispensou Jesus da sua vida. Não há como estar com Jesus e estar vazio, porque Ele ilumina os nossos olhos e preenche os nossos corações.
Temos colocado mobília demais no interior de nossas vidas — e tanta! –, que Jesus não cabe mais. Quando O aceitamos — ainda nos lembramos? –, nós O colocamos na sala. Depois, em nome da intimidade, nós O levamos para o quarto. Em busca de mais espaço, nós O transferimos para um quartinho qualquer, bem escuro, para que não O vejamos. A promessa da presença de Jesus continua viva para a igreja, para mim, para você. Não houve nenhuma mudança em Deus. Se estamos vazios, é porque houve mudança em nós.
Temos multiplicado o tempo do nosso dia. Quando O aceitamos como Senhor e Salvador, passávamos muito tempo com Ele. Lembram-se? Depois, Ele foi deixando de ser uma companhia assim tão agradável, que fomos trocando por outras presenças. Nossas horas com Ele se tornaram em minutos, os minutos em segundos, os segundos em ausências.
Podemos medir o tempo que gastamos com Ele pelo tempo que passamos na igreja. Segunda uma ampla pesquisa, feita nos EUA, apenas 56% dos evangélicos americanos vão à igreja pelo menos uma vez por semana. (Cf. A National and International Study of Congregations Disponível em <http://www.uscongregations.org>. Acessado em 18.8.2002.) Não temos semelhante pesquisa no Brasil, mas podemos fazer nossas inferências para nossa comunidade. Aqui na sede somos 1050 membros. Tirando os que estão no rol por uma questão de cortesia (ou, se preferirem, de respeito ao seu passado), somos uns 800 membros. Nossa freqüência média nos domingos de manhã é de 450 pessoas, entre membros e não membros. À noite, esta média cai para 380. Considerando que há muitos que vêm pela manhã e à noite, 600 pessoas diferentes freqüentam os nossos cultos a cada domingo. Estimo que 25% não são membros, o que nos dá uma freqüência média dominical de 450 membros, o que dá exatamente 56%, a mesma estatística norte-americana. E eu não fiz nenhum esforço para que os números batessem…
Penso que, sem uma congregação que compareça aos seus cultos, uma igreja não consegue vitalidade, porque membros de igreja que não se ajuntam para ouvir ao seu Deus não dão prioridade ao Senhor que dizem servir, não levam a sério o Senhor em Quem dizem crer. Igreja é comunidade. Sei que eu sou igreja onde eu estou, mas, se estiver sozinho, eu serei fraco. A comunidade é uma providência de Deus para o meu crescimento.
Por isto, eu tenho um sonho: que 100% dos membros ativos (tirando os afastados e os enfermos) tivessem o salutar hábito de vir a pelo menos um culto por semana, seja no domingo ou na quarta-feira.

. Cristo completa a igreja ao edificá-la. Sua promessa inicial foi: “eu edificarei a minha igreja” (Mateus 16.18). Para que Ele edifique a igreja, a igreja precisa, pelo menos, se reunir. A igreja não está dada, porque é edificada… edificada por Jesus. É por isto que Paulo chama a igreja de lavoura de Deus, edifício de Deus (1 Coríntios 3.9), indicando bem que estamos em construção).
Todos os dons que Ele entrega aos cristãos são para o crescimento da igreja, não para o crescimento do cristão em particular.
Uma leitura aberta de Romanos 12.6-8,  1Coríntios 12.7-11, Efésios 4.11 e 1Coríntios 12.27-31, associada com outros textos, nos autoriza a pensar que os dons espirituais são de quatro tipos: motivacionais (que nos motivam em nossos ministérios como um estilo de vida — KORNFIELD, p. 45), manifestacionais  (habilidades sobrenaturais dadas pelo Espírito Santo para uma ação que supere os limites da razão — KORNFIELD, 175) e funcionais (que requerem preparo específicos e tempo prioritários para o seu exercício).
Uma olhada nas listas bíblicas de dons (profecia, serviço, ensino, encorajamento, contribuição financeira, liderança, misericórdia, socorro, hospitalidade, falar com sabedoria, falar com conhecimento, viver pela fé, curar, operar milagres, discernir espíritos, falar em línguas, interpretar línguas, apóstolo, profeta, evangelista, pastor, mestre, missionário, administrador, entre outros) caracterizam-nos como dons para os outros, dons para a edificacao

4.2. A igreja completa Cristo e Cristo completa a igreja.
Sem a igreja, Cristo não tem corpo.

. A igreja completa Cristo quando se deixa ser a comunidade de Cristo. Quando a igreja sabe que pertence ao Senhor, ela completa Cristo. Ela completa Cristo quando se transforma numa espécie de coração onde Cristo pode habitar, sem sustos, sem ameaças de expulsão. Nossa igreja tem que ser a casa de Jesus.
O meu coração tem que ser o santuário de Jesus. Quando esteve pela Palestina, Ele não tinham onde reclinar a Sua cabeça. Agora, no entanto, minha vida é a Sua — eis o meu desejo, desejo que deve ser o de todo cristão.

. A igreja completa Cristo quando está conectada à mente de Cristo. Se o meu computador não está ligado ao provedor, não tenho como acessar as informações que a internet tem.Como corpo, a igreja precisa estar ligada à cabeça. A vontade da igreja tem que ser a vontade de Jesus. O desejo da igreja tem que ser o desejo de Jesus.
Uma pergunta, a esta altura, é se o cristão tem que renunciar a pensar por si mesmo para pensar com a cabeça de Cristo. Somos livres para pensar, mas não devemos usar a nossa liberdade para desobedecer, para fazer o que achamos ser o melhor. Paulo nos ensina  que as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo, e estando prontos para punir toda desobediência, uma vez completa a vossa submissão (2 Coríntios 10.4-6).
Em termos tecnológicos, somos livres para nos conectar ao provedor Jesus Cristo. Em termos filosóficos, somos livres para desenvolver os postulados que Jesus Cristo nos lega. Pôr os nossos postulados ao lado ou acima dos de Cristo é altivez, que precisa ser destruída.
O cristão alcança sua plenitude quando está conectado a Cristo.

. A igreja completa Cristo quando estende a abrangência geográfica e demográfica da sua obra redentiva. Sem a igreja, a morte de Jesus ficaria restrita ao primeiro século. Graças a Deus, os limites do espaço e do tempo foram rompidos, o Evangelho chegou até nós.
O futuro daqueles que ainda vão nascer depende do compromisso da igreja em estender o alcance da graça para além do presente. O preocupante é saber que 54% dos membros de igreja nos EUA não convidaram sequer uma pessoa para ir à sua igreja no ano passado  (Cf. A National and International Study of Congregations. Disponível em <http://www.uscongregations.org>. Acessado em 18.8.2002.) para ouvir acerca do Evangelho que transforma mas só a partir do ouvir a Palavra de Deus.
Quem não quer obedecer ao ide de Jesus não precisa deixar a igreja, porque já a deixou na prática. Quem apenas quer reter de Deus as suas bênçãos ainda não entendeu a extensão da riqueza dos tesouros de Deus.
A soberania do Pai quis que sejamos seus cooperadores, como nos ensina Paulo em outro lugar (1 Coríntios 3.9). Jesus foi dado a igreja, para que a igreja O desse ao mundo para ser salvo.

COMPROMISSOS
. Participar de, pelo menos, um culto por semana na igreja
. Preservar a unidade e a diversidade da igreja
. Cooperar para que a igreja seja acolhedora, para que não fiquem ninguém “de fora”
. Ser dizimista
. Integrar-se a, pelo menos, um ministério da igreja (ação social, adoração, crescimento, evangelização, integração, missões, visitação)
. Orar (sozinho ou em grupo) pelo menos 15 minutos por dia
. Ler pelo menos 15 capítulos da Bíblia por semana