A IGREJA QUE EU QUERO… SER
1Pedro 2.1-12
Pregado na IB Itacuruçá, em 26.3.2000 –
Introdução
Ao falarmos de igreja, precisamos falar na primeira pessoa do singular. A primeira do plural pode nos excluir pessoalmente.
1. Quero ser uma igreja despojada (v. 1a)
A Igreja que eu quero ser é uma Igreja que procura se despojar (despir-se, livrar-se, afastar-se) do seu velho homem, onde dominam:
. a maldade ou malícia (disposição interior para fazer e ter prazer no erro)
. o dolo (falsidade e ilusão, para enganar o outro; bolar esquemas para derrubar o outro)
. as hipocrisias (no plural, para abarcar todas, seja em matéria de religião ou de relacionamentos)
. as invejas (insatisfação com o sucesso do outro, material ou emocional)
. a maledicência (falar mal do outro, mesmo que a informação seja verdadeira, porque dita negativamente, sem a intenção de contribuir para o desenvolvimento do outro e com a intenção da auto-promoção)
O verbo para despojar significa, aqui, tirar uma roupa e colocá-la de lado por causa do incômodo (calor, por exemplo) que provoca.
Gosto de pensar neste despir-se como o contrário de vestir-se. O apóstolo Paulo nos descreve do seguinte modo:
Já vos despistes do homem velho com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou (Cl 3.9b-10)
Em outro texto, ele completa a antítese:
Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes permanecer firmes contra as ciladas do Diabo [em outras palavras, não para brincar de ser cristão]; pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, permanecer firmes. (Ef 6.11-13).
Se for um esforço humano, este despojar-se das vestes do pecado e se vestir da roupa de Deus redundará em fracasso e culpa. Só não o será, se não for uma operação do Espírito Santo em nós. Cabe-nos desejar deste despojamento e permitir que o Espírito Santo nos despoje. Nós, por vezes, nos recusamos porque é alto o preço a pagar, embora seja maior ainda o preço do não-despojamento.
2. Quero ser uma igreja “determinada” (v. 1b)
A Igreja que eu quero… ser é uma Igreja “determinada” (como na linguagem dos jogadores de futebol…) a beber o leite espiritual da graça de Deus.
Este desejo deve se assemelhar ao movimento de um bebê em direção aos seios de sua mãe em busca do leite que o alimenta. Aquele desejo chega a ser uma espécie de “fúria”. Este desejo é alto tão forte que parece vir do instinto humano de sobrevivência.
Nossa sobrevivência depende desta “fúria” em direção aos seios de Deus, para nutrir dele o leite espiritual, leite verdadeiro porque vindo dEle.
Qual é o nosso canal para bebermos deste leite? A meditação, feita em meio à leitura da Bíblia e da oração. Não há crescimento sem meditação. Não há sustentação sem meditação. Não há entendimento sem meditação.
O despojamento total não é uma possibilidade. Basta fazermos uma avaliação para vermos como estamos em falta. A diferença é o que faz a diferença. O desejo pelo despojamento é possível e essencial. Qual é a nossa disposição para o despojamento? Se houver, em elevado grau, cresceremos.
Assim, a Igreja que eu quero… ser é uma igreja que se reconheça frágil (carente de leite), mas que se pretenda forte (pela alimentação), desejando para mim uma nova natureza, alimentada pelo leite da bondade (por isto: se é que já tendes a experiência de que Deus é bondoso. A propósito, se há alguém aqui sem esta experiência, por que não tê-la agora, aceitando a Jesus como seu Senhor e Salvador?). É impressionante como muita gente que já experimentou que Deus é bondoso se deixa seduzir por outros senhores. O leite de Deus e assemelha ao leite materno, leite sem mistura. Como gostamos de leitura misturado, de leite aguado e até de leite envenenado.
A palavra, em nossa tradução, para “genuíno” ou “puro” é contrária a “dolo”, o mesmo dolo de que devemos nos despojar.
O leite da palavra de Deus não pode ser substituído por nenhum outro, embora até o da mãe possa ser substituído; até outra pessoa pode nos amamentar. Dizem que eu era tão guloso que, além dos seios de minha mãe, os de outra mulher eram necessários. Podemos querer outros seios, mas só os de Deus nos alimentam. O leite da Palavra de Deus tem um sabor especial, que não pode ser confundido com outro.
É este leite que nos permite crescer na graça e nosso conhecimento de Jesus (2Pe 3.18)
Encontre você seu modo de resolver sua falta de tempo ou de disciplina. Eu não consigo ler a Bíblia todos os dias. Tem dia que não dá tempo, porque eu não gosto de ler 10 minutinhos; não dá para entrar no texto. Às vezes, leio de uma só vez toda a leitura da semana. É o ideal? Não: o ideal seria que eu a lesse duas por dias, mas não tenho duas horas por dia.
Cada um se organize para beber do puro leite da graça.
3. Quero ser uma igreja viva (v. 5)
A Igreja que eu quero… ser é uma Igreja viva. O apóstolo Pedro nos chama de pedras vivas (pedras que vivem). Como diriam os adolescentes e jovens, não somos rolling stones (pedras que rolam), mas living stones (pedras que vivem).
Eu sou vivo porque sou precioso para Deus, que me elegeu para ser seu filho. A igreja pode ser viva porque foi fundada sobre a Rocha dos séculos. Jesus é “pedra já provada, angular, solidamente assentada” (Is 28.16).
A imagem da pedra indica que Jesus Cristo é uma força invencível e de duração sem fim; Jesus é a pedra fundamental de nossa esperança e felicidade (como disse Mathew Henry).
É sobre este alicerce que podemos construir nossas casas, nossas casas espirituais e nunca sobre outros fundamentos. Se colocarmos outros fundamentos, recolheremos outros frutos, frutos não espirituais.
Uma igreja é viva quando confessa que Jesus é Senhor. O erro de uma igreja é confessar-se a si mesma. Nossa igreja não tem nenhuma importância. Só Jesus Cristo é importante. É ele que foi confessado. Ao final de cada culto, devo perguntar: “Gostei”? Não! “Proclamei que Jesus é Senhor? Submeti-me, uma vez mais, ao seu senhorio?” Nosso culto deve ser um sacrifício (culto) agradável a Deus (não a mim — e como é difícil fazer isto valer num tempo de celebração do corpo e do prazer!) por meio de Jesus (e não por meio de si mesma).
Uma igreja é viva quando se constitui numa casa espiritual. Casa espiritual é uma casa em que o Espírito (não a instituição, a diretoria, o pastor, a intriga, o poder, a vaidade, ou outra instância qualquer) conduz e fortalece. Sejamos uma casa, mas uma casa espiritual.
Uma igreja é viva quando se constitui num sacerdócio espiritual. Cada um de nós — eis a grandeza da revelação de Deus em Cristo — é sacerdote de si mesmo.
Uma igreja é viva quando oferece sacrifícios vivos (em oposição aos sacrifícios que faziam imolar/degolar animais, especialmente cordeiros; o sacrifício vivo é possível porque o Cordeiro já morreu).
Uma igreja é viva quando considera preciosa a pedra Jesus (v. 8), tida como fundamento da vida e não uma pedra como qualquer outra, que é uma forma de negar a pedra, como os sem-Deus fazem (v. 7). Somos convidados a não nos envergonharmos desta pedra, como Paulo também disse:
Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16).
4. Quero ser uma igreja do Senhor (v. 9)
A Igreja que eu quero… ser é uma Igreja que tem dono: Jesus Cristo.
A igreja é propriedade exclusiva de Deus. A igreja não pertence aos seus membros, porque não é um clube feito de associados. A igreja não pertence ao seu pastor, que é um servo como qualquer outro. Esta igreja pertence a Deus. Não pertence a nenhuma facção, ou a facção dos que gostam de um culto assim, ou a facção dos que gostam de um culto assado.
Como igreja que sou, não pertenço a mim mesmo. Eu pertenço a Deus. Já contei a história de Alceu Amoroso Lima, que no início do século passado, era um grande crítico literário, sob o pseudônimo de Tristão de Atahyde no O Jornal. Quando se converteu, ele escreveu: “adeus à disponibilidade”, a indicar que seu pensamento agora tinha uma direção.
Portanto, como igreja quero me chegar a Deus Que me aceita (embora os homens não me aceitem). Esta é a natureza da misericórdia, relatada na parábola dos credores (Mt 18.23-35). Eu sei que meus semelhantes não me perdoam como o Pai me perdoa. Eu tamgem não consigo perdoar como o Pai me perdoa. Por isto, procuro me achegar a Ele, que me aceita como eu sou e me perdoa. Eu quero viver pela misericórdia de Deus (v. 10a)
Quero, como Igreja, proclamar as virtudes (poder, dinamite) de Deus, demonstrando que alcancei misericórdia e que esta misericórdia pode alcançar outras pessoas. Não se demonstra que se alcançou misericórdia pela palavra (no que somos campeões: ninguém fala tão bem como nós). Demonstra-se misericórdia com a vida, com ações concretas. Estamos carentes de ações concretas.
Quero, como igreja, ser para os que se recusam terminantemente a crer uma pedra de tropeço, isto é, de decisão diante de Deus. Quero dizer ao mundo que seu afastamento de Deus é um erro, erro que pode ser transformado em verdade. Eu vou dizer isto ao mundo, mesmo me que doa, mesmo que lhe doa.
Temos sido pedra de tropeço, como Jesus foi para os que não creram nEle? Se o meu sim é sim e meu não é não, sim. Se o meu sim é não e o meu não é sim, não. Por vezes, acabo sendo pedra de tropeço para os querem crer. Com minhas atitudes, impeço que pessoas venham a Deus. Não é este o sentido de ser pedra de tropeço. Antes, é viver de tal modo que o mundo não tem como esbarrar/tropeçar nela.
5. Quero ser uma igreja peregrina (v. 11)
A Igreja que eu quero… ser é uma Igreja peregrina e forasteira.
Quando nos esquecemos disto, nós nos tornamos escravos do presente (paixões carnais). Vivemos como se o mundo fosse acabar amanhã, sem a perspectiva do triunfo final de Jesus e de seu convite para uma vida completa com Ele na Sua glória.
Ser uma igreja peregrina não significa ser uma igreja escapista, que foge da realidade. Cantamos muitos corinhos que estimulam até uma visão escapista. Nós vivemos o presente, encaramos o presente, mas não idolatramos o presente, como se ele fosse final em nossas vidas.
Quando nos lembramos de nossa condição peregrina (marca da Igreja, aliás, muito cara ao nosso então pastor há dois anos, Darci Dusilek), nós nos capacitamos a viver de modo exemplar (v. 12). É muito comum hoje a gente ouvir: “eu quero viver a minha vida; não quero ser exemplo de nada”. Na verdade, a escusa é um auto-salvo-conduto para uma vida sem compromisso. Paulo também disse: não quero ser exemplo de nada (sic!).
Sede meus imitadores, e atentai para aqueles que andam conforme o exemplo que tendes em nós (Fp 3.17).
A Timóteo, ele não (sic!) disse:
Sê um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza (1Tm 4.12b).
Quando Pedro pede que nossas ações glorifiquem a Deus (v. 12c), está dizendo que só uma vida exemplar pode glorificar a Deus. Repito: não vamos vencer o mundo pelas palavras, mas pela vida.
Por isto, preciso me conscientizar que sou forasteiro aqui. Isto me torna, paradoxalmente, menos tenso e mais responsável. Ao assumir, como ensina Pedro, que meu desejo guerreia contra mim, não é para me fazer escravo dele, mas, por Jesus, Senhor do meu desejo. Só assim os homens verão a glória de Deus por mim, igreja.
Conclusão
NOVA IDENTIDADE
Sacerdote de mim mesmo tomo toda a taça
da misericórdia que ao Senhor me dá acesso
durante o tempo todo que preciso e não meço
pois conectado por aquele amor que não passa.
Parte desta geração convoca Deus que eu faça
por Ele escolhido no berçário do universo
para me embalar no carinho do seu amplexo
e me nutrir do saboroso leite da graça.
Da sua espécie quer a Trindade que eu seja
pra produzir do Espírito os frutos da virtude
e me por no caminho de uma nova atitude
firmada na pedra angular do sacrifício
sobre Quem confiante construo meu edifício.
.
Eis o que sou: eis o que somos: Sua Igreja.