CREDO APOSTÓLICO, O CREDO CRISTÃO, 14 – Creio na santa Igreja Católica

Até aqui, o CREDO nos fala da Trindade, ao confessar:

1

“Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador dos Céus e da terra”.

2

“Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,  o qual foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos, ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu;  está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso,donde há de vir para julgar os vivos e os mortos”.

3

“Creio no Espírito Santo”.

Agora chegamos ao que a Trindade faz, começando por intermédio de quem ela faz:

“Creio na santa igreja católica”.

Devemos logo lembrar que não cremos na igreja num sentido diferente do que cremos no Pai, no Filho e no Espirito Santo. Não cremos na igreja no sentido de que ela seja nosso objetivo de fé, mas no sentido que é no interior dela que nossa fé se desenvolve e amadurece.
Afinal, na tradição batista, uma igreja é uma comunidade de pessoas regeneradas que voluntariamente se reúnem e se associam para cumprir a missão que receberam de Jesus Cristo.
A palavra “igreja” (ou “igrejas”) aparece 114 vezes no Novo Testamento. Numa delas, ficamos sabendo que ela é ou deve ser “gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável” (Efésios 5.27).
Precisamos, então, pensar na palavra.
Quando perguntamos às pessoas o que igreja lhes evoca, duas resposta logo aparecerão: uma instituição ou um local de reuniões. Então, dizemos Igreja Católica Romana, Igreja Universal, Igreja Metodista. Também dizemos que vamos à igreja, por exemplo, à Igreja Batista Itacuruçá.
Assim igreja pode ser o local onde pessoas se reúnem ou uma denominação (com seu conjunto de credos e ritos, como Igreja Católica Romana ou Igreja Presbiteriana do Brasil).
Na Bíblia encontramos vários sentidos para a palavra (ἐκκλησία), cujo significado apreendemos pelo contexto do uso.
Refiramos logo dois sentidos à margem.

1. A igreja como assembleia não-religiosa.

O termo também é empregado para um encontro político.
  • “A assembleia [ἐκκλησία] estava em confusão: uns gritavam uma coisa, outros gritavam outra. A maior parte do povo nem sabia por que estava ali” (Atos 19.32).
O uso da palavra em outro contexto mostra bem o significado de igreja: uma assembleia, uma reunião.

2. A igreja do Antigo Testamento como o povo de Israel reunido no/desde o deserto.

Trata-se de uma metáfora, usada para se referir a uma comunidade do passado.
  • “Ele [Moisés] estava na congregação (ἐκκλησίᾳ), no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com os nossos antepassados, e recebeu palavras vivas, para transmiti-las a nós” (Atos 7.38).
O uso da palavra neste sentido evidencia a natureza da igreja, uma comunidade que recebia sua orientação da parte de Deus.
Vejamos agora os sentidos mais próximos da experiência dos cristãos.

3. Igreja como católica (palavra que significa “universal”, “geral”).

Quando Jesus anuncia que fundaria a sua igreja (Mateus 16.18), usou o termo no sentido universal, porque formada por todas as pessoas que seriam salvas ao redor do mundo e ao longo da história.
Quando formula uma teologia sobre a igreja, Paulo pensa na igreja geral:
. “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja” (Efésios 1.22).
. “A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais” (Efésios 3.10).
. “Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós, a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre! Amém!” (Efésios 3.20-21).
Evidentemente, esta igreja católica não é uma instituição supranacional, mas o somatório das igrejas que formam a igreja católica como corpo de Cristo, que tem a Jesus como cabeça (líder, chefe, Senhor), não nenhum humano ser. Antes, podemos pensar na igreja católica como sendo, nos termos paulinas, “todas as igrejas de Cristo”, não importem onde se localizem (Romanos 16.16).
No entanto, o catolicismo romano entende que sua igreja institucional é a única igreja cristã legítima. Ela justifica sua posição, não pela Bíblia, mas pela tradição, afirmando que existe uma sucessão de bispos em Roma desde Pedro, também chamada de sucessionismo apostólico.
Esta visão sucessionista existe também em outros grupos como afirmação de legitimidade ou de superioridade (em relação às demais). A Assembleia de Deus, por exemplo, busca sua legitimidade ao afirmar que é sucessora da experiência do Pentecoste registrado em Atos 2. Alguns batistas afirmam sua singularidade derivando uma sucessão de cristãos que sempre foram batistas desde quando João Batista batizou Jesus no rio Jordão (daí a expressão JJJ).
Não existe historicamente um sucessionismo católico, nem assembleano, nem batista. Não há prova que Pedro tenha sido bispo em Roma ou  em Jerusalém e nem que haja uma linha ininterrupta de sucessores dele. Não existem cristãos que podem ser chamados de pentecostais ao longo da história. Nem sempre existiram batistas na história; alguns cristãos podem ter esposado propostas batistas como batismo apenas de regenerados por imersão, mas propunham outras ideias totalmente inaceitáveis tanto biblicamente quanto teologicamente.

4. Igreja como regional, como a comunidade dos salvos numa determinada área  geográfica.

Nos registros históricos, vemos referências às igrejas de uma certa região como formando um conjunto:
  • “A igreja passava por um período de paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria. Ela se edificava e, encorajada pelo Espírito Santo, crescia em número, vivendo no temor do Senhor” (Atos 9.31).
  • “As igrejas da província da Ásia enviam-lhes saudações. Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles” (1 Coríntios 16.19).
Esta visão regional reforça a ideia da igreja local, sendo aquela o conjunto de algumas delas.

5. Igreja local, como a comunidade dos salvos num determinado local (cidade na antiguidade ou bairro nos dias de hoje).

Na maioria das vezes no Novo Testamento, a referência é à igreja local.
  • “Notícias desse fato chegaram aos ouvidos da igreja em Jerusalém, e eles enviaram Barnabé a Antioquia” (Atos 11.22).
  • “Paulo e Barnabé designaram-lhes presbíteros em cada igreja; tendo orado e jejuado, eles os encomendaram ao Senhor, em quem haviam confiado” (Atos 14.23).
  • “Pedro, então, ficou detido na prisão, mas a igreja orava intensamente a Deus por ele” (Atos 12.5).
  • “Depois que esta carta for lida entre vocês, façam que também seja lida na igreja dos laodicenses, e que vocês igualmente leiam a carta de Laodicéia” (Colossenses 4.16)
A igreja local é retratada, então, como uma reunião permanente de pessoas, vindo daí a importante advertência:
“Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia” (Hebreus 10.25).
Devemos valorizar a igreja local, mas não afirmar que ela é a única igreja verdadeira, porque ela é também universal, regional e até mesmo não-institucional. No século 19, os batistas norte-americanos desenvolveram a ideia landmarkista de que só os membros da igreja local são verdadeiramente cristãos. Isto é particularizar o que Jesus não particularizou. Nenhuma igreja pode afirmar que é a única. Cabe a cada uma, isto sim, verificar se seus princípios são os do Novo Testamento.
Não devemos também absolutizar as formas que esta igreja toma, sobretudo na sua organização. Devemos estar sempre prontos para o sopro do Espírito Santo, sopro que é óleo que desenferruja estruturas, transformadas em valores.
Não devemos também absolutizar a tradição, que insiste em fórmulas que não são essenciais (nenhuma fórmula é essencial), seja ela litúrgica ou administrativa. É claro que não devemos desprezar as fórmulas só porque são tradicionais.
Não importa o sistema de governo de uma igreja. Este sistema pode ser episcopal (como no catolicismo romano, no anglicanismo e no ultrapentecostalismo), sinodal (como no metodismo, no luteranismo e nos presbiterianismo) ou congregacional (como entre os batistas e congregacionais). O que importa é se ele serve a igreja no cumprimento da sua missão e, sobretudo, se não impede que Jesus Cristo seja o Senhor da sua igreja.

6. Igreja doméstica ou igreja-lar, como a comunidade dos salvos reunidos numa casa.

  • “Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles. Saúdem meu amado irmão Epêneto, que foi o primeiro convertido a Cristo na província da Ásia” (Romanos 16.3-5).
  • “Depois que esta carta for lida entre vocês, façam que também seja lida na igreja dos laodicenses, e que vocês igualmente leiam a carta de Laodicéia” (Colossenses 4.16).
Num tempo em que não havia templo; logo, todas as igrejas do Novo Testamento são igrejas-lares, no sentido em que se reúnem em casas, graças a cristãos que compartilham suas casas.
Podemos, então, retornar ao CREDO, que afirma que a igreja é santa e católica.
A igreja é uma comunidade de pessoas santas. Precisamos entender o adjetivo.
Ela se separa do mundo, no sentido que está consagrada a Deus, com todas as suas consequências, e não pratica o que o mundo acha normal. Com razão, pode ser considerada como uma colônia do céu na terra da morte 1 e ela mantém este título quando se separa do mundo para viver e proclamar a graça de Jesus.
A igreja se separa do mundo quando se consagra a Deus, mantendo o sentido da palavra “separação”, que não é alienação. Ela deve se santificar como Jesus se santificou (João 17.19), isto é, dedicou-se a Deus.
“A santidade da igreja não é inicialmente a santidade dos seus membros ou de suas reuniões litúrgicas; é a santidade de Cristo que age sobre os pecadores. Cristo santifica sua igreja ao justificá-la”. 2
A igreja é santa porque é uma comunidade de pessoas regeneradas, isto é, geradas de novo pelo Espírito Santo. Estes regenerados sabem que são pecadores, mas procuram viver uma vida santa. Por isto, a igreja é a comunidade dos que pedem perdão, quando reconhecem e confessam seus pecados. Em outras palavras, a igreja é santa porque o Espírito Santo mora nela.
Temos sempre que nos lembrar, com todos os que creem em Jesus Cristo, que somos “a comunidade de Pedro, Maria, Tiago e Maria Madalena. Esta é a comunidade em que os mártires testemunham com com seus sangue, em que missionários vão a terras distantes por causa de sua fé, em que crentes piedosos dedicam todas as suas energias para apoiar e defender os indefesos. Esta é a comunidade em que milhões de milhões (uma multidão que não se pode contar — Apocalipse 7.9) encontram apoio em tempos de aflição e fé em tempos de angústia. Esta é a comunidade em que meus pais me envolveram com amor, em que minha fé cresceu, em que minha fé é repetidamente testada e fortalecida”. 3
A igreja é católica. Precisamos entender a palavra.
A igreja é católica quando sua mensagem é católica, isto é, é para a terra toda. Não há barreiras geográficas ou linguísticas para a igreja. A igreja é católica quando ela é missionária, enviando missionários por todo o mundo, traduzindo a Bíblia em tantos idiomas. A igreja é católica quando entende que o mundo é a sua paróquia, como ensinava John Wesley. Sua missão é católica:”Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mateus 28.19-20).
A igreja é católica quando se adapta, não exigindo que as culturas mudem, exceto naquilo que negue a dignidade humana.
A igreja é católica quando se irmana mesmo nas diferenças. Onde  houver um cristão, ele é um irmão, não importa que pense diferente, que cante diferente, que tenha costumes diferentes, que seja parte de estados que se organizem de modo diferente. Assim, por exemplo, um cristão norte-americano é irmão do cristão cubano, apesar das políticas dos seus países.
A igreja é católica quando sua mensagem é para a terra toda, mas também para o homem todo (em todas as suas necessidades, não nas ditas espirituais), porque é o homem todo que precisa de redenção. Neste sentido, toda evangelização é integral porque visa salvar o homem todo.
A igreja é católica quando seu sacerdócio é católico, isto é, quando pratica o sacerdócio universal (católico) de todos os crentes e não apenas dos profissionais (pastores, padres ou bispos).

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
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1  A expressão é de PETERSON, Eugene. Practice resurrection. Citado por VREELAND, Derek. Primal credo. Doctrina Press, 2011. Kindle books.
2  MOLTMANN, Jurgen. The Church in the Power of the Spirit, p. 338. Citado por GALAGHER, Scott. Exploring what we proclaim. 2008. Kindlebooks’
3  GONZÁLES, Justo L. The apostles’ creed for today. Louisville: Westminster John  Knox Press, 2007, p. 78.