PORQUE LER A BÍBLIA, 1

Em algumas vezes eu disse que ler a Bíblia é difícil.
Em outras vezes eu afirmei que ler a Biblia é difícil e fácil; fácil no que tem de central para as nossas vidas e difícil nas questões mais teológicas.
Hoje eu quero dizer que ler a Bíblia é fácil.
Talvez você diga que eu estou me contradizendo. Minha resposta é simples: ler a Bíblia é fácil. 
Nós complicamos as coisas, eu entre os complicadores.
Nós complicamos a Bíblia. Nós complicamos Deus. E quando complicamos, afastamos as pessoas da Bíblia e de Deus.
Minha tarefa deve ser sempre falar ou escrever de modo que todos possam entender, até as crianças, porque até as crianças podem entender a Bíblia.
Vou recontar uma história real que nos ajudará na correção de nossa rota, em nossa dificuldade de comunicação.
 
1. A MENSAGEM É SIMPLES.
 
Uma igreja tinha um projeto com crianças que implicava em fornecer almoço pra elas. O alimento era preparado na própria igreja a partir de doações. Numa época, um dos doadores enviou um pacote de nhoque fresco da melhor qualidade. Quando as crianças chegaram para o almoço, foram logo perguntando, como de hábito:
— Qual é a comida hoje.
A cozinheira-voluntária gritou, eufórica:
— Hoje é Nhoque!
As expressões dos rostos das crianças mudaram.
— Nhoque? Que é isso? É de minhoca?
E para o desapontamento de todos os voluntários, a grande maioria se recusou a comer o prato saboroso e preferiu o arroz puro.
Um dos voluntários narrou que, após a saída das crianças, com grande decepção, todos se olhavam o tabuleiro repleto daquela delícia, por eles rejeitada. Comentaram como as crianças desconheciam o prato, tão comum para tantas pessoas. Parecia-lhes absurdo uma criança não conhecer nhoque.
Então, no meio da conversa, alguém falou:
— Poderíamos ter explicado que era batata amassada em forma de rolinhos e cobertos com carne moída. Esta é a comida que eles mais gostam e todos comeriam felizes.
Outra pessoa comentou:
— Foi uma pena não termos explicado o que era nhoque.
Mais tarde, outro voluntário escreveu um texto para compartilhar suas conclusões:
— O episódio me fez pensar no quanto as pessoas estão antipáticas ao discurso evangélico, muitas vezes oferecido de forma sofisticada e extravagante quando, na verdade, deveria ser comunicado de forma simples, simples na forma e simples no conteúdo. O Evangelho de Jesus Cristo é simples. Seus ensinos sempre foram apresentados de forma simples e compreensível. Assim como esquecemos de falar às crianças que o nhoque é purê de batata cortado em rolinhos, às vezes também esquecemos de falar ao mundo dos ingredientes do Evangelho: Amor e Perdão.
Mais do que  falar, estamos esquecendo de viver isso, pois só podemos ensinar aquilo que já aprendemos. Talvez nossos práticas estejam tão sofisticadas e elitizadas que, por nossa responsabilidade, pessoas estão perdendo a oportunidade de experimentar a “delícia” que é o Evangelho de Jesus Cristo. Assim, como as crianças deixaram de comer aquele nhoque, que estava ‘simplesmente divino’, essas pessoas também deixam de saborear as delícias da Bíblia e graça de Deus.
 
Diante deste relato real, eu só posso orar assim:
— Senhor, ensina-me a falar de ti como tu és: simples, como tua Palavra é: simples.
 
Se nós cremos que a Bíblia é uma carta que Deus escreveu para lermos, ele escreveria de modo empolado, complicado e sofisticado?
Eu faço uma coisa simples, mas que muito me alegra. Não importa o assunto, eu oro com todas as pessoas que me procuram em meu escritório na igreja. E a partir de hoje, vou fazer outra coisa: além de orar, vou sempre ler um texto bíblico. Eu devia fazer isto, mas nem sempre fiz. Agora, vou fazer sempre.
Eu não tenho muito a dizer às pessoas, mas Deus tem. Eu posso dar conselhos infelizes e fazer orações vazias, mas a Palavra de Deus lida sempre será poderosa.
 
Por que preciso ler a Bíblia como as pessoas que me procuram, além de lê-la do púlpito e lê-la na minha casa, pela manhã?
 
Quero dar algumas razões. Meu objetivo é estimular a leitura da Bíblia de modo sistemático para quem nunca a leu e ajudar quem já tem este desejo e tem buscado lê-la de modo regular.
 
2. LEIAMOS A BÍBLIA, QUE ELA NOS SALVA
 
Devemos sempre ler a Bíblia porque ela nos salva.
Você dirá: não, quem nos salva é Jesus.
Sim, mas quem nos fala de Jesus? É a Bíblia. Sem a Bíblia não temos como conhecer  Jesus.
A Bíblia narra a história de Jesus, que tem a palavra de vida eterna.
O evangelista João reporta um diálogo de Jesus com os seus alunos. Depois de dizer palavras duras, 
 
"sabendo em seu íntimo que os seus discípulos estavam se queixando do que ouviram, Jesus lhes disse:
— Isso os escandaliza? Que acontecerá se vocês virem o Filho do homem subir para onde estava antes? O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que eu lhes disse são espírito e vida. Contudo, há alguns de vocês que não crêem. 
Daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo. Jesus perguntou aos Doze:
— Vocês também não querem ir?
Simão Pedro lhe respondeu:
— Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus”.
(João 6.61-69)
 
São lindas as vozes dos belos cantores, mas só a voz de Jesus celebra a vida eterna que ele mesmo dá.
São sublimes os ritmos dos grandes poetas, mas só o ritmo que pulsa do coração de Jesus nos conduz à vida eterna.
São sedutores os argumentos dos bons filósofos, mas só Jesus convida  para a vida eterna.
Todas as outras vozes, por mais bonitas e bem intencionadas, cessam, mas a voz de Jesus permanece para sempre.
Quando lemos a Bíblia nós vemos Jesus morrendo na cruz em nosso lugar. Quando lemos a Bíblia nos aprendemos com Jesus que, recebendo-o como Senhor, temos a vida eterna. Quando lemos a Bíblia, ouvimos que Jesus bate à porta da nossa vida para deixá-lo entrar para nos dirigir os passos.
A simplicidade da mensagem da salvação ecoa pela Bíblia inteira.
 
1. Uma boa maneira de entender esta verdade é começar lendo a Bíblia pelo Evangelho de Marcos, possivelmente o primeiro a ser escrito e o mais curto.
 
Em Marcos, temos as histórias de pessoas que foram salvas ao se encontrarem com Jesus. Muitas faziam fila na casa onde Jesus estava, como se toda a cidade estivesse à sua porta (Marcos 1.33). Marcos mostra o poder de Jesus, que se manifesta diante de tantas pessoas. Os milagres são contados junto com os ensinos, geralmente curtos. Num deles, após um debate com pessoas que se achavam perfeitas, ele nos fala de sua missão; ao falar de sua missão, ele nos diz quem somos:
 
“Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.
Eu não vim para chamar justos, mas pecadores".
(Marcos 2.17 — NVI)
 
Quando aceitamos que isto é verdade — que somos pecadores necessitados de salvação –, Jesus começa a obra da salvação em nossas vidas.
 
À medida que vamos lendo este livro, capítulo por capítulo, vamos participando da história de Jesus. Vamos vendo que Jesus era mesmo extraordinário, sendo aquele que, como ele mesmo disse, viveu para fazer um novo pacto entre Deus e homens, pacto de sangue, mas não com o sangue dos homens, porque com o sangue de Jesus mesmo 
 
"E, enquanto comiam, tomou Jesus um pão e,
abençoando-o, o partiu e lhes deu, dizendo:
— Tomai, isto é o meu corpo.
A seguir, tomou Jesus um cálice e, 
tendo dado graças, o deu aos seus discípulos;
e todos beberam dele.
Então, lhes disse:
— Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos".
(Marcos 14.23-24 — ARA)
 
 
2. Marcos, portanto, nos conta o que Jesus fez. Embevecidos com estas histórias, devemos ler o Evangelho de João, cujo objetivo é nos mostrar o que Jesus disse. Entre as frases de Jesus em João, uma é o coração de toda a Bíblia, porque e o resumo de quem Deus é e faz:
 
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
(João 3.16 — ARC)
 
O Evangelho de João é mais explicativo, quando Marcos é mais narrativo. Parece que o autor de João, depois de ler os outros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas), fez a seguinte pergunta, antes de planejar e escrever o seu: "Quais são as dúvidas das pessoas sobre Jesus?".
 
2.1. Quais são as dúvidas dos intelectuais? Eles têm dificuldade de entender a divindade de Jesus. João, então, começa resumindo, de um modo racional, quem é Jesus:
 
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.
A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. (…)
O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai".
(João 1.1-14 — ARA)
 
2.2. Quais são as dúvidas dos religiosos? Eles têm dificuldade de aceitar que Jesus é o Messias. João, então, nos conta do diálogo que Jesus travou com uma mulher desprezada:
 
"Disse a mulher:
— Eu sei que o Messias (chamado Cristo) está para vir. Quando ele vier, explicará tudo para nós.
Então Jesus declarou:
— Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você".
(João 4.25-26 — NVI)
 
2.3. Quais são as dúvidas dos seguidores de Jesus sobre seu novo estilo de vida? João responde com uma atitude de Jesus:
 
"Jesus sabia que o Pai lhe tinha dado todo o poder.
E sabia também que tinha vindo de Deus e ia para Deus.
Então se levantou, tirou a sua capa, pegou uma toalha e amarrou na cintura.
Em seguida, pôs água numa bacia
e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha".
(João 13.3-5 — NTLH)
 
2.4. Quais são as dúvidas dos que já seguem a Jesus quanto ao futuro, enquanto o Messias não volta? João reproduz as seguintes palavras de ânimo, deixadas por Jesus:
 
"Não permitirei que vocês fiquem órfãos. Eu voltarei.
Em pouco tempo, o mundo não me verá mais, só vocês,
porque estou vivo e vocês estão prestes a receber vida.
Quando essa hora chegar, vocês vão saber, sem sombra de dúvida,
que estou em meu Pai, que vocês estão em mim e que estou em vocês.
Digo estas coisas enquanto ainda estou com vocês.
O Amigo, o Espírito Santo que o Pai enviará,
a meu pedido, irá esclarecer tudo para vocês.
Ele vai lembrá-los de todas as coisas que ouviram de mim.
Eu vou, mas os deixarei com assistência plena.
É meu presente de despedida para vocês. Paz!
Não os deixo como geralmente acontece, com aquele sentimento de abandono.
Portanto, não fiquem deprimidos nem perturbados".
(João 14.18-20, 26-27 — A MENSAGEM)
 
3. Então, estamos prontos para ler o primeiro livro da Bíblia: Gênesis, que começa como João começaria o seu Evangelho: 
 
"No princípio, criou Deus os céus e a terra.
A terra, porém, estava sem forma e vazia;
havia trevas sobre a face do abismo,
e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.
Disse Deus:
— Haja luz!
E houve luz".
(Gênesis 1.1-3 — ARA)
 
Os dois começam na eternidade. A nossa vida continua na eternidade.
A Bíblia é também a história de nossas vidas.
Gênesis nos conta as histórias de pessoas, de pessoas como nós. O maior espaço é dado a Abraão e seus descendentes, que vai da segunda parte do capítulo 11 até o último (50).
Gênesis é a história do que Deus faz com pessoas como nós. Abraão não era melhor do que a gente, mas era disposto a fazer o que Deus lhe pedia para fazer, sem duvidar. José, seu bisneto, não era melhor do que nós, mas nele as pessoas viam que habitava o Espírito de Deus. Quando o Espírito de Deus habita em nosso coração, o ódio não mora nesse coração.
Tendo lido Marcos, João e Gênesis, estamos prontos para fazer nossas escolhas ou para seguir algum plano de leitura da Bíblia.
 
3. COMECEMOS A LER OU PERSISTAMOS EM LER A BÍBLIA
 
Partindo dos pressupostos que você quer ler a Bíblia, ou continuar lendo a Bíblia com mais vigor, e que você vai começar por Marcos ou por alguma plano prévio de leitura, que versão usar, se são tantas.
 
Todas as versões, publicadas por organizações sérias (como, por exemplo, Sociedade Bíblica do Brasil, Imprensa Bíblica Brasileira, Sociedade Bíblica Internacional ou Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB), são confiáveis. Todas partem dos idiomas originais (hebraico, aramaico e grego). Não se sustenta nos fatos a especulação de que há livros inspirados que nos foram negados (chamados apócrifos) ou versões que torçam o sentido original premeditadamente. Estamos nos inscrevendo aqui na tradução cristã. Evidentemente não são traduções da Bíblia o "Livro de Mórmon" (dos mórmons), a "Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas" (das Testemunhas de Jeová) e o Evangelho segundo Alan Kardec (dos espíritas kardecistas), uma vez que estes grupos não são cristãos, embora inspirados em alguns valores cristãos.
Quanto às traduções cristãs (evangélicas ou católicas), a diferença é, para o leitor, de estilo. Umas traduções são mais clássicas e outras mais contemporâneas, com vocabulários mais sofisticados ou mais simples. Umas são mais literais (seguindo palavra por palavra) e outras mais literárias (traduzindo ideia por ideia).
Eu, por exemplo, só para ilustrar, sempre li a Revista e Corrigida (SBB), depois a Revista segundo os melhores manuscritos (Imprensa Bíblica Brasileira). Depois, li com proveito a Tradução na Linguagem de Hoje e mais recentemente com entusiasmo A MENSAGEM, de Eugene Peterson.
Para ler a Bíblia, pegue uma versão com a qual se sinta bem, por causa do estilo de comunicação de cada uma delas, e ponha-se a ler.
Se você é familiarizado com a Bíblia há muitos anos, possivelmente se sentirá melhor com a versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou da Almeida Revista e Corrigida (ARC).
Se você não tem nenhuma ou pouca familiaridade com o texto bíblico, talvez vai se encantar com a Nova Versão Internacional (NVI) ou com a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH). Pode ser que goste também de ler a paráfrase (que pega as ideias e imagina como seriam ditas hoje) de Eugene Peterson, chamada "A MENSAGEM".
Quem é de formação católica poderá ler qualquer uma destas ou a Bíblia de Jerusalém (BJ).
 
Comece a ler.
Mantenha-se lendo.
Faça como este leitor da Bíblia: "Desde que me batizei, não consigo me separar da leitura bíblica. O que verdadeiramente tocou meu coração foi quando ouvi o hino "Maravilhosa Graça". Eu já estava completamente quebrantado com a palavra que estava ouvindo havia sete meses. Foi na leitura que encontrei o verdadeiro sentido para minha vida e peço em oração que meus filhos também sejam tocados em seus corações".
 
Afinal, como lemos em 2Timóteo 3.16-17,
 
"Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra". (VERSÃO COMPLETA CATÓLICA)
 
"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra". (ARA)
 
"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra" (NVI)
 
"Pois toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e é útil para ensinar a verdade, condenar o erro, corrigir as faltas e ensinar a maneira certa de viver. E isso para que o servo de Deus esteja completamente preparado e pronto para fazer todo tipo de boas ações". (NTLH)
 
"Cada parte da Escritura é inspirada por Deus e útil de um modo ou de outro — para mostrar a verdade, denunciar nossa rebelião, corrigir nossos erros, ensinar como viver o caminho de Deus. Por meio da Palavra, somos unidos e moldados para as tarefas que Deus deseja nos incumbir". (A MENSAGEM)
 
"Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça. Assim, a pessoa que é de Deus estará capacitada e bem preparada para toda boa obra" (NEOVULGATA, DA CNBB)
 
ISRAEL BELO DE AZEVEDO