Um dos capítulos mais interessantes da Bíblia é o de Juízes 2. Trata-se de um resumo do comportamento dos hebreus assim que chegaram à terra prometida. É um retrato de nossas vidas também, mas podemos ser diferentes deles. Somos? 1 (“E outra geração após deles se levantou, que não conhecia ao Senhor, nem tão pouco a obra que fizera a Israel” — Juízes 2.10b). Os livros de Josué e Juízes narram a história de um povo em guerra. Durante algumas décadas, este povo peregrinou em massa em direção à Canaã, conforme a promessa feita a Abraão e renovada aos seus descendentes séculos antes (Gênesis 12), para um fim maior, o fim de abençoar toda a humanidade. Precisamos compreender o alvo dos projetos de Deus, se não a história de Israel não passa de uma história nacional sem qualquer interesse para nós. Moisés lidera o povo na fuga do cativeiro para a liberdade. Ele morre e Josué toma as rédeas da liderança. Josué não deixa um líder para a nova empreitada. Sem Josué no comando e sem ninguém reconhecido na liderança, o povo percebe que, embora a terra lhe fosse prometida (“Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possuí a terra que o Senhor prometeu com juramento dar a vossos pais, Abraão, Isaque, e Jacó, a eles e à sua descendência depois deles” — Deuteronômio 1.8), precisaria conquista-la. Para conquista-la, recebera um conjunto de regras (mandamentos) que precisava considerar e não considerou, o que lhes custou um alto preço. A comparação com a graça ofertada no Novo Testamento é inevitável. Há uma diferença radical: a graça não precisa ser conquistada pelos seres humanos, porque é precisamente isto: favor não merecido, oferecido por Jesus Cristo a partir da sua morte na cruz. A obediência aos mandamentos não produz a graça. Uma semelhança, contudo, se eleva: uma vez recebida, a graça demanda, no entanto, ser vivida no seu compasso, no compasso da graça. A atenção aos mandamentos é um cuidado de quem recebeu a graça, para poder fruí-la em sua inteireza. 2 (“Pelo que chamaram àquele lugar Boquim; e ali sacrificaram ao Senhor” — Juízes 2.5). Diante do comportamento do povo, Deus lhe lembra a aliança firmada por ambos (Juízes 2.1-2). Diante da escolha pela desobediência, Deus pergunta: “Que é isto que fizestes?” A resposta do povo foi o choro. “Levantou o povo a sua voz e chorou” (Juízes 2.4). Além de chorar, o povo cultuou ao Senhor. Eis aí um retrato do ser humano. Advertidos, choramos, mostrando que as emoções nos tomam; também cultuamos, que é uma expressão de alegria. No entanto, as emoções (de choro ou alegria) podem ser substituídas por outras emoções. Elas são importantes, porque fazem parte de nossa vida, mas nosso relacionamento com Deus não pode se pautar apenas por aquilo que nos ditam as nossas emoções. Precisamos ir além: precisamos de convicções firmes. A fé se expressa por meio das emoções, mas o seu centro não são as emoções. O centro da fé é uma convicção na realidade do amor de Deus para conosco. Esta realidade gera em nós uma experiência, que o Antigo Testamento chama de “conhecimento”, que é mais que um conjunto de conhecimentos sobre Deus, mas um relacionamento de amor, amor de Deus para conosco e amor-resposta nosso para com Deus. Há amor, espiritualmente falando, onde não há interesse. O interesse é sempre corrupto. Por isto, conhecer a Deus é mais que saber sobre Deus. É ter a Deus como Senhor, Senhor transcendente (radicalmente diferente e poderoso), mas Senhor pessoal, isto é, de relacionamento pessoal, não apenas por causa dos “pais” (Juízes 2.10), que hoje podemos sinonimizar como família ou igreja. O capítulo 2 de Juízes mostra que o povo não amava a Deus, embora fosse amado por Ele. Quando Josué morreu, o povo deixou de “conhecer” a Deus, isto é, deixou de amar a Deus. Os hebreus “foram após outros deuses” (verso 12), adorando-os, contra toda a advertência, repetidamente apresentada. A aliança era bilateral. O povo beberia o leite e o mel da terra de fosse fiel ao Senhor. Não foi. Preferiu Baal e Astarote. Que deuses são estes, assim tão poderosos, para serem tão sedutores, mais que o próprio Deus que fez o povo atravessar por um mar e por um rio para tomar posse da terra prometida? Há 139 referências aos deuses cananeus no Antigo Testamento. Dessas, 89 são para Baal, 40 para Aserá e 10 para Astarote (ou Astarte). Baal, mencionado 89 vezes (Números 22.41, Juízes 6.30, entre outros), era associado à tempestade, que trazia as chuvas e logo a prosperidade vinda das plantações. Baal era também visto como o Deus que põe ordem no mundo, contra a desorganização e o caos. Era adorado em rituais de fertilidade, com prostituição cultual. Os locais onde aconteciam esses rituais eram chamados de baalins (Juízes 2.11, Juízes 8.33, 1Samuel 7.4, entre outros). Aserá, referida 40 vezes, era a deusa-mãe dos panteão divino cananeus. Na Bíblia, ela é representada pelos aserins, ou postes sagrados de madeira (Êxodo 34.12, 1Reis 14.23). Astarote, citada 10 vezes (Juízes 2.13, 1Samuel 7.4, 1Reis 11;5), era uma deusa da fertilidade e do amor, uma espécie de antecessora da Afrodite grega. (Cf. HERRICK, Greg. Baalism in Canaanite Religion and Its Relation to Selected Old Testament Texts. Disponível em ) Genericamente, esses cultos tomam o nome de baalismo, o culto dos cananeus quando Israel ocupou a terra, sob a liderança de Josué. “Esta religião se tornou uma ameaça ao culto de Israel até o tempo do Exílio. Algumas vezes, foi exterminado, outras vezes suprimidas, mas muitas vezes permaneceu e dominou toda a cultura”. Para as pessoas daquela época, “Baal, como os outros deuses daquela região, era recebido como o deus da relevância, que atendia às necessidades pessoais com impressionante rapidez. Os desejos que inflamavam a alma eram preenchidos no ato do culto. A transcendência da divindade era superada pelo êxtase do sentimento”. Podemos dizer que “o culto era desenhado para aumentar