Jonas 1: LEGALISMO: EU SOU LEGALISTA, MAS QUERO MUDAR

LEGALISMO: EU SOU LEGALISTA, MAS QUERO MUDAR

Há dois tipos de pessoas: as que querem mudar e as que não querem. Entre as que não querem, há as que não precisam e há as que precisam mudar.
O legalista precisa mudar, porque sua atitude produz sofrimento, para ele e para seu próximo. Como ensinou Jesus, o legalista fecha ao homem e para si mesmo o reino dos céus (Mateus 23.13). É por isto que o Mestre chama os legalistas, que muito O importunaram, de “raça de víboras” (Mateus 3.7).
A palavra “legalismo” ou “legalista” não aparece na Bíblia. Na verdade, trata-se de uma postura doutrinária e comportamental que valoriza um sistema de regras como necessário para a salvação ou para o crescimento espiritual. O legalista esquece que a lei foi dada por intermédio de Moisés, mas a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus Cristo (João 1.17). Assim, a lei não teve apenas o propósito de levar a Cristo, como ensina Paulo (Gálatas 3/24), mas contém um conjunto de regulamentações a serem seguidas, mesmo depois de proclamada a graça por Jesus Cristo, como ensinam os legalistas.

Doutrina e vida andam juntas, como o demonstra a atitude de Jonas, quando recebeu a incumbência de pregar a salvação a um povo que não era o seu. A teologia de Jonas o levou a fugir. A atitude de Jonas o levou a insistir em seu comportamento legalista. Teologia e atitude têm que estar juntas para produzir um comportamento legalista. A leitura do Antigo Testamento, sem o Novo, pode fazer mal à teologia. Teologia pode fazer mal a saúde.

O QUE QUEREM OS LEGALISTAS
Ao igualar justiça com obediência externa a um código de conduta, o legalismo se  torna devastador por várias razões:
1. O legalista subestima ou ignora o papel da motivação interior numa ação.
2. O legalista põe o foco no esforço próprio e não na capacitação divina.
3. O legalista estimula o orgulho humano em lugar de valorizar a dependência de Deus.
4. O legalista tende a usar a Bíblia para justificar suas idéias e preferências previamente concebidas.
5. O legalista tende a imaginar que uma pessoa é aceita por Deus em função do seu comportamento, não por causa do Seu amor.
6. O legalista tende a impor convicções pessoais sobre outras pessoas e a condena se falharem ou não desejarem viver segundo essas regras. Cf. DEFFINBAUGH, Bob. The Fatal Failures of Religion: #2 Legalism. Disponível em <http://www.bible.org/page.asp?page_id=604>. Acessado em 13.1.2005.

Na gênese do legalismo estão alguns conceitos:
1. Desejo pelo auto-controle (“Eu preciso estar no controle para que as coisas aconteçam”).
2. Crença no poder do esforço próprio. (O fariseu não foi justificado porque achava que suas obras o credenciavam diante de Deus, tornando-o automaticamente merecedor da justificação divina. O publicano foi justificado porque viu a sua insuficiência diante de Deus)
3. Sensação de segurança dada por parâmetros e limites fixos, estáticos e tangíveis, com um imenso medo da liberdade na tomada responsável de decisões.
4. Interesse tradicionalista na manutenção do status quo, numa espécie de reverência cega ao passado, como se o passado fosse sempre melhor que o presente. For por causa desta atitude que Jesus cunhou a sua típica expressão: “Eu, porém, vos digo”.
5. Tendência a dividir a vida em compartimentos definidos, com soluções instantâneas e verdades pré-estabelecidas (como ocorre nos fundamentalismos). Para o legalista, não há tons; só cores.
6. Vitória do princípio da colheita, que se baseia na relação causa-e-efeito (plantou-colheu), na teologia do mérito (mereceu-recebeu) e no desejo de justiça (os bons são recompensados e os maus são punidos), como se a ira do homem produzisse justiça (Tiago 1.20).
O legalista, portanto, baseia sua visão de mundo em preceitos legais, em regras e regulamentos, em “isto pode, isto não-pode”. Predominam autoritária e opressivamente (Lucas 11.46; Mateus 23.1-5) expectativas, obrigações, tarefas, observâncias, rotinas, procedimentos, fórmulas e deveres. Há um forte sentido de obediência à lei, não ao Senhor; a regras, não a Deus; a padrões externos, não a valores internos. As regras se sobrepõem às pessoas. Ao tempo de Jesus, uma pessoa que ficasse doente no sábado precisava esperar o pôr-do-sol para ser tratada. Se num sábado, uma pessoa estivesse com fome e não tivesse preparado nada, tinha que esperar o dia seguinte para se alimentar.

COMO AGEM OS LEGALISTAS
Algumas palavras podem ser arroladas para caracterizar o comportamento legalista. Algumas pessoas concordam com o diagnóstico e com o mal-estar que produzem as atitudes que simbolizam, mas não conseguem, ou não querem, que estas palavras sejam lançadas para longe de suas vidas.
Vejamos algumas dessas atitudes em forma de palavras únicas:
PERFECCIONISMO. O legalista tende a desenvolver uma personalidade perfeccionista, o que faz dele um refém de si mesmo. Como crê na auto-santificação, o resultado é culpa. Como quer se superar sempre, nunca está satisfeito com o que alcança. Como se esforça muito, o legalista acaba exausto; anda sempre esgotado, porque nunca descansa, nunca espera que Deus faça a sua parte. Muitas vezes, a pessoa se percebe perfeccionista e até vê esta marca como uma virtude. É claro que devemos desejar a perfeição, uma vez que somos chamados a ser perfeitos. Só que a Bíblia nos diz que o aperfeiçoamento é uma obra do Espírito Santo em nós, com a nossa cooperação, nesta ordem.
CRÍTICA. O legalista tem um alto senso crítico. Nada lhe escapa. Como tem de si um conceito mais elevado do que convém, ninguém presta; ninguém passa por seu cânon. Nem consigo mesmo ele se entusiasma. O resultado é o desânimo. Criticar, na verdade, é julgar. Estamos sempre julgando, mas o nosso julgamento deve ser feito com humildade. Segundo a Bíblia julgar “com retidão é mais aceitável ao Senhor do que oferecer sacrifício” (Provérbios 21.3). E aí precisamos nos lembrar que nossa capacidade de julgar corretamente está embotada pelo pecado. É por isto que condenamos no outro o que aprovamos em nós (Romanos 2.1). E é por isto que Jesus nos recomenda a não julgarmos para não sermos julgados (Mateus 7.1) e para que deixamos que entre em ação a justiça perfeita de Deus (Romanos 14.10).
COMPARAÇÃO. O legalista acha seguir um padrão maior, mas, na verdade, seu padrão é o outro. O comportamento que espera do outro e até de si mesmo é sempre em comparação com o de outra pessoa. O legalista tem um conceito de si mesmo mais elevado do que convém (Romanos 12.3), e é por isto que compara e se compara.
ARROGÂNCIA. O legalista é orgulhoso da sua condição espiritual, ostentando sua auto-justiça, sempre em busca da aprovação que não importa: a aprovação dos homens. Suas palavras sempre se resumem numa indisfarçada vaidade (“olha como eu vivo” — cf. Lucas 15.1-2), em função do imenso gosto pela honra e pelo status, mesmo que termine suas frases com um “tudo para glória de Deus”.
INTOLERÂNCIA. Por se achar perfeito, o legalista tende a ser intolerante; em nome do combate àquilo que acha estar errado, pode até brigar e bater. Muitas vezes, sua impaciência resvala para a hostilidade. O intolerante geralmente muda quando aquilo que sempre condena sucede à sua família.
FANATISMO. O legalista põe a verdade acima do amor. Nada é mais verdadeiro do que a sua verdade, que ele crê ser a única. Sua visão espiritual nunca inclui; sempre exclui. Sua leitura da Bíblia é cega: ele só vê o que quer ver.
HIPOCRISIA. Para o legalista só uma coisa tem valor: a aparência. Se as aparências estiverem preservadas, tudo estará bem. O hipócrita não se auto-promove para obter prestígio; no fundo, quer que imaginem que ele não é o que ele é. O hipócrita não quer, como recomendou Jesus, limpar primeiro o seu interior, para que o exterior pudesse ficar limpo (Mateus 23.26).

JONAS, LEGALISTA NA TEOLOGIA E NO COMPORTAMENTO
Não temos elementos para saber se todas estas marcas acompanhavam o estranho profeta Jonas. Sabemos também que nem todas estas marcas acompanham o legalista o tempo todo, mas tendem a acompanhar.
Especulemos, então, um pouco.
Jonas era perfeccionista. Quando descansou para ver o que tinha feito, ficou triste, porque as coisas saíram do seu controle: que absurdo! O povo de Nínive se converteu…
Jonas tinha um alto senso crítico, inclusive em relação ao si mesmo. Quando o problema no barco surgiu, ele não teve dificuldade de perceber onde estava o problema. Ele era o problema. Mas ele se perdoava, porque o problema maior era o povo a quem foi enviado ou era o Deus que o enviara.
Jonas vivia comparando. Ele olhou para a história do seu povo e viu um povo eleito e merecedor de amor. Olhou para os assírios e viu um povo que não merecia uma chance de ouvir uma boa notícia.
Jonas era arrogante. O Jonas que ora no ventre no peixe não é o Jonas verdadeiro; o verdadeiro era aquele que se achava portador da verdade: com que prazer ele pregou: vocês vão morrer se não se arrependerem. E ele estava certo, em sua arrogância, que o povo não arrependeria. Como todo legalista, Jonas achava que sabia mais que Deus.
Jonas era intolerante. Os assírios tinham que ser varridos do mapa; sua maldade tinha chegado aos céus. Jonas tinham um ódio “santo” daquele povo.
Jonas era fanático. Ele sua via o que queria: um povo que merecia morrer, nunca viver. Quando foi pregar, tinha certeza que não haveria nenhuma conversão.
Jonas era hipócrita. Ele não queria entrar na história como alguém que pregou a um povo que não merecia. Ele não queria sujar o nome do seu seminário, com uma mensagem tão fora dos padrões. O que Deus lhe pediu era uma obra menor; ele não queria ser conhecido como o profeta que pregou aos opressores. Ele tinha um nome a zelar.

O maior problema de Jonas, no entanto, era sua teologia. Ela nos ajuda a entender a de muitos de nós, que tendemos ao legalismo.

1. O legalista até ouve a voz do Senhor.
Quando Deus chamou Jonas para pregar aos ninivitas, ele o ouviu. O problema do legalista não é ouvir; é obedecer. O legalista, portanto, até ouve a Palavra de Deus, mas não consegue obedecê-la, porque se coloca como o chicote de Deus para os homens (Jonas 1.1-3).

2. O legalista até crê na graça, mas não admite que ela alcance os de fora da sua lista.
Para Jonas, Deus não podia derramar graça sobre os ninivitas. Segundo o relato bíblico, viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez. Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado (Jonas 3.10; 4.1)
A salvação de Nínive não cabia no compêndio teológico de Jonas. A tradição teológica do seu povo, à qual Jonas era fiel, não comportava o horizonte da conversão de um povo opressor.

3. O legalista até ora sinceramente, porque sabe que Deus é bom.
Jonas orou ao Senhor e disse: Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em irar-se, e que te arrependes do mal (Jonas 4.2).

PARA MUDAR
Os resultados do legalismo são culpa, vergonha, ressentimento e esgotamento.

1. Precisamos de uma boa teologia acerca da graça, que nos lembre que o legalismo é contrário ao evangelho cristão, porque esta na contramão da graça dinâmica de Deus em Jesus Cristo. O Cristianismo não é uma religião baseada na lei.
O legalismo não nos salva e nem nos santifica. O legalismo é a base de uma religião que cega as pessoas e as mantém escravas a regras, a regulamentos, a rituais e ao esforço próprio. O legalismo é pecado, porque valoriza as obras da carne e incita ao pecado, em lugar de nos ajudar a evita. O legalismo é idolátrico, ao colocar um padrão de lei independente baseado na justiça própria e não na justificação divina.  FOWLER, James A. Legalism. Disponível em <http://www.christinyou.net/pages/legalism.html>. Acessado em 13.1.2005.
Ele é contrário à fé, que é a nossa resposta à ação de Deus. É contrário ao senhorio de Jesus, que é Quem dirige e guia nossas vidas. É contrário a uma vida cristã guiada pelo Espírito Santo, que nos capacita e fortalece (Efésios 5.8). É contrário à obediência cristã, que se realiza em ouvir a direção do Senhor Jesus. É contrário à liberdade em Cristo, liberdade que alcançará, sabemos, sua plena realização no Reino por vir (João 8.31,32,36; 2Coríntios 3.17; Gálatas 5.1,17). Por isto, o legalismo não é para ser tolerado; ao contrário, deve ser exposto para ser evitado (Gálatas 1.6-9). FOWLER, James A. Legalism. Disponível em <http://www.christinyou.net/pages/legalism.html>. Acessado em 13.1.2005.

2. Precisamos de uma boa perspectiva do que seja a vida, que nos lembre que o legalismo mantém as pessoas distanciadas e alienadas de Deus.
Isto não quer dizer que jamais defenderemos nossos pontos de vista e jamais lutaremos para vê em prática e jamais confrontaremos o erro, teológico ou moral.
É claro que precisamos lutar pela fé e pelos valores bíblicos. A graça não pode ser um salvo-conduto para a libertinagem, tanto teológica quanto moral. Sobre isto nos adverte Judas: Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé de uma vez por todas confiada aos santos. Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor (Judas 3-4).
Muitos confundem a defesa da verdade com legalismo, de que tipo seja. A verdade pode ser defendida sem que se precise atacar àquele cuja idéia se quer combater. Por ocasião das tsunami de 26 de dezembro de 2004, um pastor escreveu um artigo em que perguntava, desesperado, onde estava Deus naquela situação; ele propunha que nossos conceitos acerca de Deus precisavam ser revistos. A posição do autor, ao meu ver, estava equivocada, mas um crítico, em lugar de apenas criticar sua teologia, perguntou impiedosa e legalisticamente, num artigo, algo como: “quem quer ser pastoreado por um homem desses?”.
Surgirão situações em que teremos que confrontar idéias e comportamentos. Jesus confrontava, mas como exceção, não como regra.
Muitos se esquecem que também falham. Conta-se que um amigo disse a John Wesley:
— Eu nunca perdôo.
Ao que Wesley respondeu:
— Espero que você nunca peque.

Não nos deixemos levar pelo legalista. Quando estamos cercados dele, tendemos a cair na sua rede. Recordemo-nos sempre das palavras do apóstolo Paulo: Portanto, você, por que julga seu irmão? E por que despreza seu irmão? Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus (Romanos 14.10).

3. Precisamos de um compromisso que nos leve à mudança.
A história de Jonas nos ajuda neste compromisso.

. Tenhamos sempre diante de nós Quem Deus é. Embora pusilânime, Jonas sabia o Deus fizera fez o mar e a terra (Jonas 1.9). Ele sabia que saíra da presença de Deus, mas que voltaria, por causa da graça. (Jonas 2.4). Jonas não alcançou o que agora podemos alcançar, tendo a Bíblia toda ao nosso dispor: Deus é perdoador, bondoso e misericordioso, muito paciente e cheio de amor. E que por isto, jamais nos os abandona (Neemias 9.17).
Que as nossas vidas sejam um tributo a um Deus que compassivo e misericordioso, muito paciente, rico em amor e em fidelidade (Salmo 86.15). Tremamos diante da verdade, dita pelo próprio Criador: eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelo pecado de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam. E nos alegremos com o mesmo Pai Eterno que nos garante: mas trato com bondade até mil gerações os  que me amam e obedecem aos meus mandamentos (Deuteronômio 5.9-10). Por que ficarmos apenas na primeira parte da verdade bíblica, como fazem os legalistas? Que o nosso Deus seja Aquele revelado em Jesus Cristo.

. Reconheçamos, como o Jonas do ventre do peixe,  que “a salvação vem do Senhor” (Jonas 2.9), não de nossa pureza, de nosso esforço, de nossas ações, de nossa obediência à lei, seja ela qual for.

. Estejamos dispostos a responder à pergunta de Deus a Jonas: “Você tem alguma razão para essa fúria?” ou, segunda outra versão, “é razoável essa tua ira?”  

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