DE REPENTE, MELQUISEDEQUE (Sylvio Macri)

“E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho. Ele era sacerdote do Deus Altíssimo. Ele abençoou Abrão e disse: ‘Abrão seja abençoado pelo Deus Altíssimo, que criou os céus e a terra. E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os adversários de você nas suas mãos.’ E Abrão deu a Melquisedeque o dízimo de tudo.” (Gn.14.18-20)

Melquisedeque é um personagem que aparece repentinamente na narrativa bíblica, e sai de cena tão de repente como apareceu. Seu nome pode significar Sedec é rei, ouMeu rei é justiça. Sedec era um dos deuses de Jerusalém, adorado pelos jebuseus antes que Davi a conquistasse. A palavra sedec significa justiça, por isso a carta aos Hebreus chama Melquisedeque de rei da justiça. E, também, de rei da paz, por ser rei da Salém, palavra esta que significa paz (Hb.7.2).

Melquisedeque era, ao mesmo tempo, rei e sacerdote, como costumavam ser os reis e soberanos do antigo Oriente. O Deus Altíssimo, em hebraico El Elyon, era o deus supremo dos habitantes de Salém, a mesma Jerusalém dos tempos bíblicos. Nas entrelinhas, o texto bíblico identifica El Elyon – o Deus Altíssimo da benção impetrada por Melquisedeque a Abraão – com Yahweh, o deus de Israel. Abraão, o pai do povo hebreu, e Melquisedeque, um sacerdote pagão, veneravam com nomes diferentes o mesmo Deus criador.

Foi dessa repentinidade (ou instantaneidade, se quiserem) que o autor da Carta aos Hebreus tirou a interpretação de que Melquisedeque é uma figura, ou tipo, de Cristo, não sendo isso novidade para seus leitores, pois Davi, já tinha afirmado séculos antes: “Disse o Senhor ao meu senhor: ‘Sente-se à minha direita, até que eu ponha os seus inimigos por estrado dos seus pés.’ (….) O Senhor jurou e não voltará atrás: Você é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.” (Sl.110.1,4). No sermão do Pentecoste, Pedro afirma que Davi se referia aqui a Jesus, a quem Deus fez Senhor e Cristo (At.2.34-36).

Como a narrativa de Gênesis se cala sobre antecessores e sucessores de Melquisedeque, conclui o autor aos Hebreus: “Sem pai, sem mãe, sem genealogia, ele não teve princípio de dias nem fim de existência, mas feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre.” (Hb.7.3). Jesus, também sem princípio de dias nem fim de existência, era descendente de Judá, não pertencia ao sacerdócio levítico, cuja linha sucessória vinha desde Arão. O sacerdócio aarônico era marcado pela mortalidade e consequente sucessão de seus membros, mas Jesus é o sumo sacerdote eterno, “constituído segundo o poder de vida que não tem fim.” (Hb.7.16).

O autor aos Hebreus afirma que Melquisedeque é superior a Abraão e, por consequência a Levi, seu descendente, porque o abençoou e recebeu dízimos dele. Analogamente, Jesus é superior a Arão e seus descendentes porque “se tornou fiador de uma superior aliança” (Hb.7.22). Os levitas “são feitos sacerdotes em maior número, porque a morte os impede de continuar; Jesus, no entanto, continua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável.”  (Hb.7.23,24). Em vez de homens falhos e pecadores, temos um sumo sacerdote “santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e exaltado acima dos céus.” (Hb.7.26).

Concluímos fazendo uma citação: “Como sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque, o sacerdócio de Cristo é indissolúvel, inviolável, eficaz e perfeito. Aquele que foi prenunciado no passado distante, pela figura fugaz de Melquisedeque, é o grande Sumo Sacerdote por excelência.” (Bruce A. Demarest, verbete Melquisedeque, Dicionário Internacional de Teologia do Novo testamento, Vol. III, p. 151, Ed. Vida Nova, SP, 1983).

Pr. Sylvio Macri            

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